Introdução

“A nossa formação espiritual brasileira tem por base a completa destruição dos ídolos europeus e o despertar das energias adormecidas no recesso do sangue e da alma do Brasil” Plínio Salgado – Revolução da Anta (1927)

 

Dos nomes que participaram da Semana de Arte Moderna em São Paulo no ano de 1922 e do movimento artístico que veio a desenrolar a partir daquele evento um dos mais influentes foi o de Plínio Salgado. Ele que teve uma carreira no jornalismo antes e depois da Semana, e que lançaria dez anos após, em 1932 , o Manifesto que criaria oficialmente a Ação Integralista Brasileira. Movimento que Salgado veio a liderar com o cargo de Chefe Nacional. Uma empreitada política que não pode ser totalmente apreciada sem levar em conta o apelo futurista e modernista que o Fascismo exerceu em uma intelectualidade que procurava o novo. E que, no caso paulista, contava com uma importante colônia italiana que apoiava e difundia com entusiasmo às mudanças e o progresso alcançado na Itália com a ascensão de Benito Mussolini com sua Marcha Sobre Roma em 1922. Puxando a fila um dos homens mais ricos da época, o conde Francesco Matarazzo (1857-1937), que após visitar a Itália em 1923 tornou-se em um dos maiores financiadores do regime. Na biografia dedicada a ele de Costa Couto, diz o autor: ´[1]Não há mesmo qualquer dúvida: poderosos corações e cofres de italianos de aquém e além-mar foram radicalmente seduzidos pela Nova Roma de Mussolini, atraídos pelo ímã de sua vigorosa liderança, carisma, perspectiva de mais poder e até mimos e agrados, como, por exemplo, concessão de títulos nobiliárquicos. ´

A Ação Integralista Brasileira funcionou abertamente de outubro 1932 até novembro 1937, tendo influído com muitas de suas ideias para a ditadura do Estado Novo (novembro de 1937 até o outubro de 1945) implementado pelo militar positivista, Getúlio Dornelles Vargas. Para além de uma visão de esquerda e direita, o Integralismo brasileiro[2] definia-se como um movimento revolucionário que pretendia implementar um regime corporativo, no qual os sindicatos substituiriam os partidos políticos, cabendo ao Integralismo na figura de suas lideranças o poder executivo. Existem vários nuances doutrinários que alicerçam o movimento intelectualmente, além do Fascismo Italiano (que naquele momento contava com dez anos de poder), uma raiz ´nativa´, que unia o espiritualismo do filosofo Raymundo de Farias Brito (1862-1917) com o estatismo científico de Alberto Torres (1865-1917) e o entusiasmo cívico militar das campanhas Civilistas e da retórica bacharelesca de Ruy Barbosa (1849-1923).Não menos importante é Candido Rondon e a apropriação do índio como símbolo do Brasil original, intocado e que deveria ser resguardado, protegido. No imaginário integralista a verdadeira civilização brasileira tinha raízes autóctones muito mais importantes que às europeias e que, eles eram os responsáveis por resgatar e legitimar modernamente. Cada qual reconhecendo-se como um membro do movimento e de uma entidade imaginária que transcendia o tempo e espaço e que tinha como palavra usada para o comprimento e o reconhecimento entre os militantes, ´Anauê´ de origem tupi

O movimento  aglutinou uma militância que incluía grandes nomes como o padre e futuro ´bispo vermelho´ Helder Câmara no Ceará (1909-1999) ; San Tiago Dantas  (1911-1964) que seria o futuro chanceler e depois ministro da fazenda do governo João Goulart; Alfredo Buzaid (1914-1991), ministro da justiça do governo Garrastazu Médici e ministro do STF; Miguel Reale (1910-2006) futuro reitor da USP; na juventude também Vinícius de Moraes (1913-1980) o grande ´poetinha´ e o embaixador José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), que tornou-se um dos maiores e mais brilhantes defensores do liberalismo no Brasil. Sendo uma fonte de referências e de um imaginário que alimentou nos pós Estado Novo tanto a ´esquerda´ quanto a ´direita´ com sua visão nacionalista, estatista e desenvolvimentista e que também agregava em seus planos a proteção do índio e das florestas e o ensino da língua tupi concomitantemente ao português nas escolas.

Os Bandeirantes de Sangue Tupi, ou a Nova Humanidade nos trópico

´Essa raça não desapareceu. Estes gritos de angustia da geração nova do Brasil devem provir das inúbias guerreiras que tinha ficado dormindo em nosso sangue, enquanto as gerações precedentes prolongavam a submissão do caboclo sob influência dos dominadores. ´ Plínio Salgado – Despertemos a Nação! (1935)

 

Antes de ser um movimento propriamente político é importante destacar que o integralismo teve uma longa gestação que começa antes mesmo da Semana de Arte Moderna com um Brasil recebendo grandes números de imigrantes, e São Paulo, mais que qualquer Estado da federação[1], tendo uma forte mudança social devido ao aparecimento desses diferentes grupos. É preciso lembrar que tanto na Itália, quanto em Portugal, na Espanha, Polônia e no Japão existiam fatores que, por diferentes motivos, impulsionavam seus cidadãos mais humildes a buscarem oportunidades em outros lugares do globo. E dos poucos lugares abertos, com demanda de mão de obra, era o Brasil. O primeiro romance de Plínio Salgado, denominado ´O Estrangeiro´ de 1926, trata exatamente dessa experiencia de miscigenação social sob o olhar de um imigrante russo recém chegado ao Brasil. Segundo o historiador Hélgio Trindade, ´A trama do Estrangeiro coloca em relevo dois temas que preocupam Salgado nesta época: a fusão étnica e o nacionalismo. ´[2]

Destacando que Salgado, juntamente com Cassiano Ricardo e Menotti Dell Picchia, criou a sua própria vertente modernista, o verde-amarelismo, que professava uma volta ao aprendizado da língua Tupi e um indianismo ufanista que valorizava um passado mítico dos índios. Segundo Salgado : ´Nós procurávamos raízes nacionais para o nosso nacionalismo, e o retorno à língua tupi era uma delas.´…´Nós tínhamos notado que, no romantismo, José de Alencar apanhou um índio muito estilizado, muito europeizado e que não tinha raízes profundas. Nós procurávamos as raízes profundas, porque o índio é o denominador comum de todas as raças´[3]

Para Salgado ´ é preciso dilatar o critério de História. Dilatar e aprofundar. Para surpreendermos às leis essenciais dos ritmos humanos, a teoria do movimento do Homem em torno do absoluto. A História deve revelar-nos as posições do ser humano na sua permanente gravitação. No desenvolvimento desses ritmos é que vamos surpreender as três etapas, que poderemos denominar: de adição, de fusão e de desagregação. A formação das sociedades obedeceu a esses movimentos. A Primeira Humanidade veio da caverna, até a criação do Politeísmo; a Segunda, vem do Politeísmo ao Monoteísmo; a Terceira vem do Monoteísmo ao Ateísmo; e a Quarta que é a nossa, encontra-se na mesma situação trágica da primeira, diante do mistério universal. ´[4]

Ou seja, na visão antropológica do Chefe do Integralismo existe uma ênfase no regresso civilizacional do que ele chama de Quarta Humanidade para a mesma ´fase´ anterior que a dos índios. Recuperando algo da retórica do Bom Selvagem de Rousseau sobre um nativo imaculado, intocável e que vai ser um modelo e referência de civilização a ser exaltado em grande parte do pensamento integralista. Refletindo o então recente passado de imersão indigenista de Salgado.

De acordo com a obra A Brasilidade Modernista: ´No Movimento da Anta, que constitui, segundo Plínio Salgado, uma correção do verde-amarelismo, o índio vem desempenhar uma função de integração do caráter brasileiro. Simbolicamente o índio tem a possibilidade de representar aquilo que é genuinamente nacional. Mais do que isto, no pensamento de Plínio Salgado, o índio ocupa o lugar da integração dos elementos aparentemente díspares que compõe a brasilidade. ´[5] E continua:

´Se objetivamente o tupi é absorvido pela raça conquistadora, subjetivamente ele se mantém no sangue desta raça. Plínio Salgado manteve, das informações que a intelectualidade recebia de certas orientações antropológicas, a ideia do repasto totêmico. Tal como antecedera com a anta, cujo sangue nas festas rituais era ´´inoculado nas veias dos guerreiros para que neles se fortalecessem as virtudes totêmicas da raça´´[6], o sangue da raça tupi é, neste caso, simbolicamente inoculado nas veias de sangue branco. Baseado nesta tese, Plínio pode afirmar que foi a nostalgia do Oeste, sentimento presente na raça bandeirante depois de inoculada pelo sangue índio, que determinou a investida dos paulistas na conquista do sertão brasileiro. Por outro lado, à força do caráter indígenas, transmitido à civilização brasileira de geração em geração, cabe a função de denominador comum frente aos povos que para cá emigraram. ´[7]

Interpretação que será oficializada dentro da A.I.B. e incorporada dentro da sua ideologia.

O Índio como representação da verdadeira ´brasilidade´

 

´Tubas tupinambás clangoram! … Num transporte, perpassa Araribóia – a castigar, com a morte, os abutres da Pátria, em fuga, espavoridos!…- Voz de ´´alerta´´, à Nação! Voz que a todos irmana, contra o corsário ateu, que sonha, em nossos dias – como outrora o huguenote – a Rússia – americana!´ José Mayrinck de Souza Motta – A Voz do Chefe (1934)

 

A A.I.B. tentou alcançar um grau de burocratização que reproduzia a do Estado, segundo Hélgio Trindade um modelo pré-estatal[1] , ele cita que ´O princípio geral da organização da A.I.B. é que todo poder emana do Chefe e só em seu nome será exercido. Os órgãos hierarquicamente estabelecidos existem para executar funções delegadas pelo Chefe e diretamente sob sua responsabilidade, ao mesmo tempo que a organização desempenha papel de uma armadura burocrática do Chefe contra o desafio das decisões cotidianas ´.[2] O Chefe, Plínio Salgado, seria uma espécie de Dom Sebastião, retornando com todas as respostas para os problemas nacionais. Um messianismo cívico que teria o seu grande trunfo em ser algo novo, moderno, da época do automóvel e do avião.

A necessidade de uma normatização de todo movimento ajuda a identificar a importância dada ao caráter formador do índio, tendo-o como uma referência identitária. Um equivalente ao que foi o papel de uma Roma estilizada no corpo de identidade e de legitimidade no fascismo italiano. A saudação fascista, que viria no caso italiano do passado Imperial de Roma, transformaram-se no integralismo em algo genuinamente brasileiro, vindo da tradição indígena. Como pode ser visto na Orgânica da A.I.B , sessão Protocolos e Rituais, Cap. VII, Art 54 ´Anauê é um vocábulo Tupi que servia de saudação e de grito de guerra àqueles indígenas.É uma palavra afetiva que quer dizer – “você é meu parente“ – (Dicionário Montoya) Como o Integralismo é a grande Família dos “ Camisas-Verdes´´ e um Movimento Nacionalista, de sentido heroico, Anauê foi a palavra consagrada em louvor do Sigma. É a aclamação da saudação integralista.´[3]

Também nos seus eventos cívicos, codificados nos Protocolos e Rituais, aprovados e promulgados em 2 de abril de 1937 pelo próprio Plínio, o Artigo 167. Traz um ótimo exemplo da centralidade do índio. A cerimônia da chamada Noite dos Tambores Silenciosos, celebrada no dia sete de outubro em lembrança da extinção da milícia  integralista. Aberta a sessão às 21 horas com o hino Integralista e outras funções que incluem usar o som e depois a falta de som dos tambores para identificar a milícia que se foi, é no final declamado um poema de Jayme de Castro e em cuja quinta estrofe se lê:

 ´A Alma da Pátria, inteira, está em nós,

Segradando que estamos vitoriosos.

Somos neste momento a própria pátria,

e distinguimos no rumor da voz

Que vem do íntimo da alma dos tambores,

um soluço de angustia nacional.

Há nessas misteriosas ressonâncias

o distante tropel dos bandeirantes

Desbravando as florestas brasileiras;

o balbuciar das tribos aturdidas,

Das feras o rugido, a voz da inúbia

– A voz do Brasil virgem dos Tupis.´

O líder integralista só proclama agora no âmbito da ação política integralista o que ele já havia dito em livros e palestras; considerar o índio uma figura pacifica, verdadeiro sustentáculo da identidade nacional.

´Toma-se o índio como símbolo nacional justamente porque significa a ausência de preconceito. Entre todas as raças que formam o Brasil, a autóctone foi a única que desapareceu objetivamente. Em uma população de 34 milhões, não contamos meio milhão de selvagens. Entretanto, é a única das raças que exerce subjetivamente sobre todas as outras a ação destruidora de traços caracterizantes; é a única que evita o florescimento de nacionalismo exóticos; é a raça transformadora de raças, e isso porque não declara guerra, porque não oferece a nenhuma das outras o elemento vitalizante da resistência. ´[4]

Em uma das publicações oficiais do movimento, a revista Anauê!, o índio aparece uma das capas representando o povo brasileiro, a nacionalidade, mirando o progresso como a aspira-lo e tendo atrás um braço vermelho, o comunismo, com uma adaga na tentativa de ataca-lo pelas costas. A mão verde que o protege representa o movimento integralista. Em outra vê-se um integralista uniformizado, como que expulsando a figura do Papai Noel, algo que os integralistas viam como um estrangeirismo.

Uma figura que remetia ao rigoroso inverno do norte e que, na época, já era utilizado em campanhas publicitárias de marcas internacionais e associado ao imperialismo liberal por Salgado. No lugar do ´Bom Velhinho´ os integralistas adotaram a figura do Vovô Índio, uma entidade que traria presentes para as crianças no Natal e que era representada por um senhor indígena vestido (ou despido) a caráter.

Conclusão: Limites de uma direita permitida

´Não bastava associa-las; eras preciso dar-lhes um governo idôneo. Hesitei na escolha; muitos dos atuais pareciam-me bons, alguns excelentes, mas todos tinha contra si o existirem. Explico-me. Uma forma vigente de governo ficaria exposta a comparações que poderiam amesquinhá-la. Era-me preciso, ou achar uma forma nova, ou restaurar alguma outra abandonada. ´ Sereníssima Republica – Machado De Assis

Em um revelador artigo com o título ´ ´´Esquerdas´´e ´´Direitas´´[1] ´Salgado explicita que o movimento Integralista não considera a separação clássica entre esquerda e direita, ou mesmo que aja um centro na política partidária. ´Essa mentalidade correspondia a uma mentalidade, a uma civilização, a um século. Hoje não pode significar coisa alguma para nós. Falamos uma linguagem diferente, porque somos homens diferentes. ´

E falando do que seria a revolução integralista ´Essa revolução abrange todo o complexo panorama universal. Cria um novo sentido de nacionalismo e de internacionalismo. Engendra uma nova economia e um novo conceito de Estado. Contem todas as energias das lutas sociais. ´ Ou seja o Integralismo brasileiro seria responsável por gestar algo novo e especial, que abrangeria a sociedade de modo integral, total, inaugurando uma nova civilização. Uma tentativa de associar a ´política´ não à tradição filosófica, mas a um misto de técnica e arte subjetiva e que, na prática, colocava o Estado e sua burocracia como promotores nacionais dessa ´Boa Nova Política´.

Continua Salgado: ´Eis porque acometemos toda a estrutura das velhas sociedades. Eis porque rompemos as nossas baterias, não contra os partidos, não contra a burguesia ou o demagogismo esquerdista, não contra os grupos regionais ou econômicos, mas contra tudo que os produziu. A nossa avançada é contra uma civilização. Em nome de uma palavra nova dos tempos novos. ´[2]

Palavras típicas de uma dinâmica gnóstica, o movimento integralista teria um vanguardismo tal que só o futuro o pode julgar, para tal pedem o poder para extinguir uma civilização dita velha, desatualizada. Um mote que permeia o pensamento revolucionário e que, este sim, é o verdadeiro problema.

Por exemplo, Alberto Torres, uma das maiores influências de Plínio Salgado. Segundo o crítico Wilson Martins:´….sendo , em 1926, o mestre supremo do pensamento político brasileiro, Alberto Torres, já não era mais em 1931 – quando se viu por assim dizer especializado em mestre do pensamento político direitista (à espera do momento, trinta anos mais tarde, em que, por causa do seu nacionalismo econômico, foi exumado como mestre do pensamento político esquerdista ). É de resto, no plano da declamação teórica e por força do respectivo encanto oratório que seus livros fascinaram gerações e gerações de brasileiros; o que atraía e ainda atrai os leitores é a afirmação simultânea e veemente de postulados contraditórios: o brasileiro é o povo mais capaz e inteligente do mundo, embora esteja em um atraso inconcebível; os nossos políticos são os mais honestos, mas a corrupção politica excede tudo que podemos imaginar; temos as maiores riquezas naturais e não devemos ´´entrega-las´´ao estrangeiro ( tampouco podemos explora-las nós mesmos, por falta de recursos, e, de resto, não devemos faze-lo, a fim de deixa-las para os nossos descendentes);os nossos males políticos resultam de não conhecermos a realidade brasileira, que era a de um país essencialmente agrícola, e seriam resolvidos por meio de uma nova constituição, e assim por diante.

Ora, tendo ocupado os mais altos postos na administração e na política, Alberto Torres não deu sequer início a qualquer programa de regeneração nacional ou simples melhoramento nas obras públicas; na verdade, ele foi sempre um estadista apagado e ineficiente. ´[3]

João Camilo de Oliveira Torres também nota a contradição no nacionalismo proposto pela A.I.B., que parecia uma pauta de ´direita´ no anos 30 mas que foi revisitada com sucesso pela ´esquerda´ quando passou a designar basicamente um anti-americanismo. Segundo ele: ´…veio o integralismo de Plínio Salgado, de Gustavo Barroso, antiliberal, corporativista, antissemita e nacionalista. O livro de Gustavo Barroso ´Brasil Colônia de Banqueiros´, defendia com vinte anos de antecedência todas as teses que os nacionalistas modernos renovaram, e com muita documentação, embora atribuindo, como final de argumentação, ao ´´ judaísmo internacional´ ´a responsabilidade de tudo. [4]

Na década de 50 a ideia nacionalista, agora considerando a divisão do mundo entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, foi retomada pelas esquerdas, curiosamente com o mesmo colorido anti-ianque das formas direitistas, congregando a todos na luta contra o inimigo comum. Embora produzindo vasta literatura em torno de fatos atribuídos aos Estados Unidos e que demonstravam intenções imperialistas, ou para demonstrar com estatísticas o caráter espoliativo das relações econômicas Brasil-EUA, sem falar em campanhas do gênero ´´petróleo é nosso´´…[5]

Na prática, isso explica alguns motivos da adesão da antiga liderança integralista em movimentos identificados como ´progressistas´ e até mesmo abertamente ´esquerdistas´. Pautas que, após a guerra segunda guerra, foram incorporadas ao nacionalismo estatista e dito ´não engajado´ frente ao conflito entre EUA e a União Soviética. Incluindo a idolatria de um índio idealizado, sem a mácula da influência externa, e que deveria ser preservado, congelado no tempo como modelo.

Um exemplo de e a figura de Roland Corbisier (1914-2005),  um integralista de primeira ordem, tendo ingressado no movimento quando ainda cursava direito no Largo São Francisco em São Paulo. Colaborou ativamente com o movimento não só escrevendo na imprensa integralista como desenpenhando funções de comando. Rompeu com o Integralismo após o fim da guerra, dedicando-se a docencia e outros projetos.Em 1955 foi um dos nomes que fundou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). ´ Iniciando suas atividades no momento em que Juscelino Kubitschek assumia a presidência da República (1956-1961), o ISEB elaborou através de seus cursos e publicações, (análises e estudos sobre a sociedade brasileira que deveriam se transformar em um projeto de desenvolvimento para o país.  A produção teórica do ISEB mais tarde ficou conhecida como a ideologia do nacional–desenvolvimentismo) uma ideologia “nacional-desenvolvimentista” em cuja divulgação Corbisier teve papel destacado.´[6] O Professor Olavo de Carvalho compara a trajetória intelectual de Corbisier com a de Otto Maria Carpeaux, na introdução que faz da obra do segundo, dizendo que: ´Aos poucos Corbisier desse patamar e, de compromisso em compromisso, vai-se tornando porta voz da mais grosseira ortodoxia partidáriasem mais nada dizer que não se possa encontrar em manuais soviéticos de marxismo-leninismo´.[7]

Outro importante membro das fileiras integralistas, o padre cearence Hélder Pessoa Câmara, ( visto na foto acima fazendo um discurso para os seus companheiros integralistas) , tinha tomado parte de um outro grupo de inspiração facista,a  Legião Cearense do Trabalho (LCT), que foi posteriormente absorvida pela A.I.B..

Em 1933 ´A pedido de Plínio Salgado e com autorização de seu superior, o arcebispo de Fortaleza, dom Manuel da Silva Pimentel, o padre Hélder assumiu a chefia do setor de educação da AIB no Ceará. Nessa época, ao participar no Rio de Janeiro do Congresso Católico de Educação, classificou como de conteúdo comunista um manifesto lançado pela Associação Brasileira de Educação (ABE), da qual faziam parte Anísio Teixeira e Manuel Lourenço Filho. Durante sua permanência no Rio, pronunciou conferências sobre os valores espirituais do integralismo no Colégio Santo Inácio, arregimentando alunos para o movimento.´[1]Trinta anos mais tarde, já bispo, foi um dos grandes difusores da Teologia Da libertação e pregava abertamente a revolta contra o que ele dizia, estruturas arcaicas da região e do país.

O próprio Salgado, após o exílio em Portugal (1939-1946), fundou no seu retorno ao Brasil o Partido de Representação Popular (PRP) , pelo qual concorreu a presidencia da republica em 1955. Após o pleito o P.R.P. passou a ser base de apoio do governo Juscelino Kubitschek ganhando com isso a ´sua nomeação para a direção do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), logo após a posse de Kubitschek em 31 de janeiro de 1956. O INIC permaneceria sob controle dos integralistas até 1962, quando foi incorporado à Superintendência da Política de Reforma Agrária (Supra), criada naquele ano pelo então presidente João Goulart.´[2]

Sem poder aprofundar aqui no destino pós integralismo dos diversos membros do movimento quero frisar o fato da permanecia das ideias defendidas pelo integralismo, com todo o paradoxo de um nacionalismo autóctone em um país de colonização Européia, Ibérica e Cristã. Apesar do abalo na figura pública de Plínio Salgado no pós guerra, sendo associado a um apoio tácito aos regimes vencidos, ele esteve presente na política até a sua morte, e com ótimas relações mostrando suas credenciais ora anti comunistas, ora anti imperialistas. As suas proposições fomentaram um ambiente intelectual que desenhou o Estado Novo e que, ressuscitadas no pós guerra, ganhariam o nome de Nacional Desenvolvimentismo, ou o Estatismo Esclarecido. Um Estado forte, centralizador, uma máquina burocrática gigantesca e cartorial que teria o monopólio em fornecer Ordem e o Progresso. Também o integralismo foi de certo modo um pioneiro na arregimentação das crianças e jovens, os chamados ´plinianos´ , que eram seduzidos pelo certo ar de escotismo e pelas diversas atividades e oportunidades de um movimento em ascensão; mulheres , as chamada ´blusas verdes´, que tinham seu próprio departamento dentro da estrutura do movimento além de uma revista dedicada exclusivamente a elas.

O conceito clássico de esquerda e direita aqui mais confunde do que explica o fenômeno. Um exemplo é o próprio Getúlio Vargas, um militar de formação positivista e com um inegável tino para reter o poder, não pode ser classificado peremptoriamente em um ou outro lado do espectro político. Na visão de João Camillo Torres´ Se considerarmos o Estado Novo não no golpe de 10 de novembro, mas em suas consequências, teremos então o paradoxo ´…´de a consciência social trabalhadora ter nascido de um governo notoriamente fascista´[1]. E é este o ponto aqui, tal atitude não é de forma alguma paradoxal ou anormal na história, existe uma dinâmica revolucionária que liga e mesmo, legitima, o pensamento de ´intelectuais´ que, pelo menos desde o Iluminismo, pregam ações parecidas para resolver problemas as vezes díspares. Tendo a unidade das demandas revolucionárias na entrega total do poder político em troca de operar o seu milagre civilizacional, que é o caso nos dogmas do Positivismo, Marxismo, Fascismo em suas várias manifestações.

Os movimentos revolucionários, apesar da visão fatalista de uma história constituída de fases evolutivas deterministas e, nas quais, cada um deles representava o progresso final, advogam a tomada e o monopólio do poder político e cultural, muitas vezes a força. Com a ideia de representarem o moderno, o amanhã, descartam de ante mão qualquer solução tradicional apelando para um tipo de ´fé racional´ que imbui em seus militantes um grau de certeza de que só o futuro poderá compreende-los e julga-los. Sendo a visão idealizada do índio também uma permanência entre os mitos revolucionários. A descendência de uma pretensa civilização pura, e que varia de pacífica a guerreira dependendo da intenção, dá ao movimento a legitimidade de um passado que pode ser lapidado conforme a situação.

Na foto acima Plínio Salgado discurs para o recém eleito presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) ao fundo a direita o ex-presidente Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) responsável em seu governo pelo plano desenvolvimentista SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). A direita o magnata das comunicações Assis Chateaubriand Bandeira de Mello , o Chatô (1892-1968).

[1] Torres, João Camilo de Oliveira Ob. Cit.

[1] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/helder-pessoa-camara

[2] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/salgado-plinio

[1] Salgado, Plínio ´Palavra Nova dos Tempos Novos´ Livraria José Olympio Editora- Rio de Janeiro, 1936

[2] Salgado, Plínio ´Palavra Nova dos Tempos Novos´

[3] Martins, Wilson ´História da Inteligencia Brasileira´ Vol VI. (1915-1933). Editora Cultrix, São Paulo, 1978 . Uma das filhas de Alberto Torres, Heloísa Alberto Torres (1885-1977) teve grande influência nas ciências humanas ,com especial foco na antropologia, sucedeu Edgard Roquette Pinto na direção do Museu Nacional no Rio de Janeiro.

[4] A ideologia do Integralismo divide-se, a grosso modo, com Plínio Salgado defendendo um sindicalismo municipalista; Miguel Reale um regime mais próximo ao fascismo italiano e Gustavo Barroso com um discurso mais próximo ao nacional-socialismo alemão com um foco no combate ao que ele identifica com o judaísmo, comunismo, maçonaria e liberalismo seriam controlados por uma elite globalista representada pelo povo de Israel. Tal sandice, apesar de não ter sido escrita por Salgado, era escrita e publicada com os auspícios do movimento, cujo chefe supremo era Salgado.

[5] Torres, João Camilo de Oliveira ´A Ideia Revolucionária no Brasil´ Edições Câmara , primeira Reedição. 2018

[6] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/roland-cavalcanti-de-albuquerque-corbisier

[7] In Carpeaux , Otto Maria ´Ensaios Reunidos 1942-1978 Volume I.´Top Books, Rio de Janeiro, 1999 – Carvalho, Olavo ´Introdução a um exame de consciência´ pág.46

[1] É preciso separar a realidade dos fatos do que os documentos estatutários assim como os diversos departamentos, diretorias, etc regulam em tom ideal.

[2] In Trindade, Hélgio Ob. Cit. Pág 179

[3] ´A Orgânica da ´´Ação Integralista Brasileira´` Tomo II, Enciclopédia do Integralismo Volume XI. Rio de Janeiro. Sem data.

[4] Salgado, Plínio ´Despertemos a Nação! ´

[1] ´No período 1872 a 1929 entraram 4,1 milhões de estrangeiros no Brasil

, sobretudo em São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

e Rio de Janeiro; tal concentração consiste em fato histórico importante para a

composição populacional do país. A proporção de imigrantes que se dirigiu para

São Paulo passou de 7% em 1872 para 44% em 1900 e se manteve em torno de

55% até os anos 1940.´ in https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/faces_migracao/Fases_e_faces_da_migracao_em_Sao_Paulo.pdf

[2] Trindade, Hélgio ´Integralismo – O Fascismo Brasileiro da Década de 30´ Difusão Europeia do Livro, URGS, 1974

[3] In Trindade, Hélgio Ob. Cit.

[4] Salgado, Plínio ´A Quarta Humanidade´ Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1935

[5] Moraes, Eduardo Jardim de ´A Brasilidade Modernista- Sua Dimensão Filosófica´ Edições Graal – Rio de Janeiro, 1978

[6] Salgado, Plínio ´O Curupira e o Carão´

[7] Moraes, Eduardo Ob. Cit.

[1] Couto, Ronaldo Costa ´Matarazzo – Colosso Brasileiro´ Vol. 2 , Editora Planeta, 2004

[2] Existe a versão portuguesa, o Integralismo Lusitano, mais antigo e que também se dizia nacional-sindicalista. Tinha por líder Francisco Rolão Preto (1893-1977) cujo sobrenome permitia trocadilhos no Brasil que foi melhor omiti-lo, e que foi uma importante influencia com os seus ´camisas azuis´ para a versão tupiniquim.