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A doutrina socialista

Trecho do livro Reforma Agrária – Questão de Consciência, Secção I: A investida do socialismo contra a propriedade rural; Título II: A “Reforma Agrária”, objetivo genuinamente socialista e anticristão; Capítulo II: A doutrina socialista é incompatível com a propriedade e a família.

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O socialismo, considerado como doutrina que abrange todos os campos mencionados no capítulo anterior, pode resumir-se sucintamente em alguns itens principais:

No universo não há senão matéria. Deus, a alma, a vida futura são quimeras.

Em conseqüência, é estritamente justo que todos os homens procurem, com o auxílio da Ciência, a felicidade completa nesta vida. Enquanto não se conseguir este objetivo, é necessário proporcionar a cada qual o maior número possível de prazeres, e evitar quanto possível todo esforço ou sofrimento.

Todas as desigualdades, sejam elas de fortuna, de prestígio, de cultura, ou quaisquer outras, são injustas em si mesmas. Em conseqüência, é injusta a desigualdade entre as propriedades grandes, médias e pequenas, e sobretudo injusto é o regime do salariado, em que um empregador, alegando o direito de propriedade, explora o trabalhador rural, exigindo para si parte do produto do trabalho, que deveria ser inteiramente deste.

No atual estágio da evolução humana, já é possível abolir a propriedade, a hierarquia social e a família (esta última é uma evidente fonte de desigualdades), e reconhecer que o Estado é o único titular de todos os direitos. Ao Estado, dirigido pelos operários e camponeses, competirá manter a igualdade plena entre os homens.

Esta será a forma mais evoluída da vida social em nossos dias.

Tudo evolui constantemente no universo. A propriedade privada é uma forma econômica e social superada e que vai arrastando a uma crise, e por fim a um colapso, os países que a ela se aferram. Além de injusta em si mesma, a propriedade é, pois, inimiga do interesse público.

No futuro, acrescentam certos socialistas, a evolução do universo e do homem será tal, que nem sequer subsistirá o Estado. Será a anarquia (23), que esses utopistas concebem como possível sem desordem nem confusão.

É supérfluo mostrar quanto esta doutrina diverge da nossa tradição católica. Limitamo-nos a aduzir, no capítulo III deste título, declarações de vários Papas sobre o socialismo.

Importa aqui acentuar que, aplicada aos problemas do campo, tal doutrina não pode deixar de ter como conseqüência a idéia de que o proprietário é um ocupante injusto de terras que deveriam ser distribuídas entre todos. A existência de propriedades desiguais é contrária à evolução da humanidade no presente estágio e provoca terríveis crises. É e não poderia deixar de ser uma causa muito importante da crise atual.

O Estado deve, pois, partilhar as terras. Uma indenização inteiramente proporcionada ao valor delas será impossível. Se estiver a seu alcance, será talvez de boa política que o poder público dê aos atuais proprietários uma pequena compensação. Mas, a rigor, nem a isto estaria obrigado, pois o direito de propriedade é um mito nocivo aos Estados e às sociedades, que a evolução vai varrendo. Cumpre, portanto, que essa indenização seja tão pequena quanto estrategicamente possível.

Nesta concepção igualitária, sempre que uma elite se forma é, ipso facto, defraudadora da maioria. Maioria e elite minoritária são forças necessariamente em luta. É o mito pagão da luta de classes, tantas vezes condenada pelos Papas e cujo desfecho é o esmagamento do escol pela massa, o triunfo da quantidade sobre a qualidade e a ruína de todos na escravidão do Estado-patrão.

O sistema socialista é, assim, o oposto da idéia tradicional e cristã de uma conjugação natural de interesses entre a propriedade, o trabalho e o Estado. Na concepção nova, o proprietário passa, automaticamente, de benemérito a parasita. Voltaremos mais adiante ao estudo comparativo entre o socialismo e a doutrina católica.

Mas, dirá um igualitário ingênuo, pela própria natureza das coisas a tendência socialista não acarretará, senão por pouco tempo, a abolição da desigualdade das terras. Com efeito, divididas assim as glebas, essa desigualdade tão iníqua e nociva logo reaparecerá. Uns trabalharão mais, por exemplo, e comprarão as glebas de outros menos saudáveis ou menos esforçados. Acresce que o filho único herdará mais do que aquele que tiver dez irmãos. Como manter então essa igualdade sonhada?

A esta questão raras vezes desce o homem da rua, tão atarefado e opresso em nossos dias. E a habilidade dos demagogos cuidadosamente a evita, pois obrigaria a respostas prematuras para nosso ambiente “atrasado”…

Mas a conseqüência da partilha compulsória das terras é clara. Ou se dá ao Estado um poder totalitário para reprimir a prosperidade dos mais capazes e dos mais esforçados, ou o regime estritamente igualitário não existirá. Ademais, ou se suprime não só a herança mas também a família, ou os pais estarão continuamente tentados a acumular bens clandestinos para favorecerem seus filhos. O grande, o único, o verdadeiro proprietário e senhor será o Estado. Os agricultores serão meros posseiros cujos quinhões ele redistribuirá, de tempos em tempos, para manter a igualdade.

Em holocausto à utopia igualitária será, pois, necessário imolar as instituições mais naturais e santas… e isto com enorme prejuízo para o próprio trabalhador. Bem razão tinha Pio XI ao observar que “a destruição do domínio particular reverteria, não em vantagem, mas em ruína da classe operária” (24).

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