Este texto é um testemunho pessoal do que se passou na Sérvia com o autor em julho de 2021, qualquer falta de consideração à terceira pessoa do singular torna-se perfeitamente justificável a partir deste parágrafo.
A Sérvia é um país recente, dado que já teve tantos nomes desde o Império Romano (Dalmácia), Reino da Sérvia (do período histórico em que aparecem personagens como o Despota Stefan, cavaleiro medieval que declara a independência do reino, e é deste período os mais antigos monastérios e o Evangelho de Miroslav, considerado como o primeiro documento escrito em língua sérvia.
Foi parte do Protetorado Otomano dos Balcãs com o declínio do Império Bizantino (do qual o Reino da Sérvia foi vassalo), e o país como modernamente se conhece, passa a existir no século XIX, com as revoltas contra o domínio turco-otomano. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os países europeus vencedores decidiram por criar um “país-tampão” na península dos Balcãs, ponto chave na Eurásia por sua localização estratégia para diversas rotas comerciais ou militares.
Estava nascido o Reino da Iugoslávia, formado pelas regiões hoje integrantes de países como: Croácia, Eslovênia, Bósnia, Macedônia do Norte, Kosovo, Albânia e a própria Sérvia.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, o país divide-se (tanto que a Croácia chega a receber delegações nazistas com flores, fato inusitado do conflito. E sobre a esfera de influência de Josip Broz, o cognominado Tito, líder comunista da resistência à guerra, torna-se o ditador/presidente do país por quase 40 anos.
Tito morre em 1980, e em quase todos os países em que um déspota tende a ocupar o poder, com sua morte, o país tende a se desintegrar. A Iugoslávia começa a ser fragmentada em vários países, principalmente com o declínio da União Soviética em 1991. Surgem Bósnia, Eslovênia, Croácia, Macedônia do Norte, Sérvia e Montenegro.
Como este artigo é sobre a pandemia, terei de pular as guerras dos anos 1990,Milosevic e companhia, Bill Clinton, independência de Montenegro e o caso do Kosovo.
O Covid
A pandemia começou em março como no resto do mundo, sendo a Sérvia um hub aéreo importante da região do Leste Europeu, tem um dos maiores aeroportos da região, o Aeroporto Nikola Tesla, que, em épocas passadas recebia mais visitantes que o número de habitantes do país inteiro, de maneira a facilitar as viagens da Europa Ocidental até a Eurásia (ou Ásia Menor).
O país de quase 7 milhões de habitantes, até o momento que este artigo é escrito, teve 718.000 casos da peste, e 7 mil mortes, de maneira que mais de 10% da população teria sido infectada e indicada nos dados oficiais, e mais de 0,1% da população teria morrido da peste.
Não houve relatos de colapso do sistema de saúde e em fevereiro de 2021, a Sérvia decide abrir-se para o turismo (fonte de renda crucial para o país), independentemente do país de origem do viajante, e foi um dos motivos cruciais para que eu como portador do passaporte Brasileiro pudesse ir para lá.
Por razões nada científicas, os viajantes brasileiros têm sofrido certos problemas na entrada de vários países, notadamente, no Espaço Schengen (área de livre-circulação de pessoas da União Europeia), mas isto é motivo para outro artigo. E a Sérvia, por não fazer parte do bloco europeu, pode determinar suas regras de entrada independentemente de Bruxelas.
E foi quando percebi a mudança da mentalidade na chegada a Belgrado. As pessoas estavam sem máscara no aeroporto, (infelizmente, não tenho fotos disso pois não é permitido tirar fotos dentro do aeroporto, você pode ser multado inclusive se o fizer), e na fila da imigração, só os turistas estavam de máscara.
Outro motivo que fez a Sérvia ser um destino mais procurado que o usual é que o país, que por não participar do bloco europeu, comprou vacinas em nível muito superior ao de sua própria população, a ponto de oferecer aos turistas[1] que comprovarem a estadia completa durante o período das duas doses escolhidas.
As vacinas disponíveis são de cinco laboratórios: Pfizer/BioNTech, Moderna, Sinopharm, AstraZeneca e Sputnik V.
Por quê estão sobrando vacinas na Sérvia?
As razões são no mínimo curiosas: mais de 40% dos sérvios não querem se vacinar por acharem que o vírus teria sido fabricado em laboratório, ou que Bill Gates teria inserido um microchip em cada vacina aplicada, a ponto de mais de 50% da população dizer que não quer/pretende ser vacinada.
Tanto que, o país dispõe de 15 milhões de doses (quase o triplo de sua população) e até está pagando aos cidadãos 15 euros para que se vacinem. Não tem dado muito certo a estratégia do governo, pois a quantidade de vacinados está custando passar dos 40% da população.
Outro ponto importante é a resistência de muçulmanos em tomar o imunizante, tanto que as regiões com maior incidência de muçulmanos são as regiões de menos doses administradas;
Tais fatores tornam as regulações sobre a “contenção da pandemia” no país inócuas. Tanto que, como dito anteriormente, a maior parte das pessoas que usavam máscaras eram turistas, e em ônibus ou espaços fechados, há uma recomendação do uso de máscaras, mas, na média era 50/50 de pessoas que usavam.
As máscaras eram “obrigatórias” somente aos turistas, incluindo eu (quando não me achavam parecido com um sérvio).
Portanto, é uma esperança ver que a liberdade ainda resiste em lugares na Europa, graças à resistência popular às medidas autoritárias que vem se impondo no Ocidente desde março de 2020. Os brasileiros deveriam tomar tais resistências como parte da sua cultura de “desobediência ou obediência parcial” à medidas governamentais.
Ainda há esperança no Ocidente, e ela pode vir dos Balcãs.