Regras para a redução do poder das big techs costumam ser vistas com algum otimismo. Afinal, essas empresas já conseguem exercer alguns tipos de autoridade de forma mais eficiente que os governos — embora cidadão de país nenhum tenha dado o seu voto para essa turma do Vale Silício.
No entanto, nem sempre o inimigo do meu inimigo é realmente o meu amigo.
Acho que esse é o caso da lei que está para ser aprovada na Austrália — e que muitos países têm observado com atenção a fim de replicar o modelo nas suas legislações.
Colocado de uma forma simplista, a premissa dos legisladores australianos até parece ser razoável: o Google e Facebook não deveriam extrair, sem nenhum tipo de remuneração, o conteúdo que é criado pelos jornais.
Com a decadência que já vinha acontecendo no mercado de jornais e que se tornou ainda mais acelerada com a pandemia, o lobby foi forte para que o governo australiano fizesse alguma coisa.
Na realidade, além de todos os bons motivos que estão sendo alegados, não raro existem motivos um pouco menos publicáveis para que governos atendam às demandas de grandes órgãos de comunicação.
No entanto, uma rápida análise é o suficiente para expor uma questão lógica básica. Por mais que o Google também possa se beneficiar do conteúdo, esse pagamento costuma acontecer é no sentido oposto.
Não é sem motivo que o Google fatura zilhões de dólares justamente para direcionar tráfego por aí. Negócios do mundo inteiro enxergam um enorme valor o tráfego que é gerado pelo Google.
Os jornais não são tão diferentes assim das outras empresas e — a não ser que fossem obrigados a isso — os portais nunca veriam sentido em pagar (ao invés de receberem) para mandarem tráfego para eles.
O Google News realmente percorre automaticamente os jornais e reproduz os títulos e as primeiras linhas das notícias (que ele nem monetiza neste produto em particular). Se isso parece injusto, imagine por um instante o que aconteceria com os jornais se o Google parasse de fazer isso?
A Espanha reclamou da mesma questão em 2014 e o que o Google fez? Tirou o Google News do ar. A mesma coisa ia acontecer na França. Mas a França praticamente obrigou o Google a manter o Google News no ar.
Se o serviço do Google só está no ar uma vez que a empresa foi obrigada a mantê-lo, fica claro que a França é que precisa do Google News e não vice-versa.
Dizer que a indústria do jornalismo tradicional está em uma crise sem precedentes e que as big techs estão nadando em dinheiro é repetir o óbvio.
Mas uma coisa não está acontecendo como consequência da outra — como sempre dizem, correlação não implica em causalidade. Na realidade, ambos movimentos estão acontecendo devido ao surgimento da Internet.
A Internet mudou o mercado e fez com que as gráficas e logística para transporte de jornais deixassem uma forma de criar seu monopólio regional e permitiram que agregadores como Google e Facebook pudessem ser criados.
Ninguém pode ser culpado por criar modelos de negócio que façam sentido para uma nova configuração de mercado. E não há nenhuma lei que diga que as empresas inovadoras deveriam pagar as contas das empresas cujo modelo de negócio está deixando de fazer sentido.
Além do mais, verdade seja dita, as big tech’s agora estão fazendo muito lobby e ficando com um jeitão de governos paralelos, mas não foi nada disso que fez com elas crescessem tanto — pelo menos não na sua fase mais inicial.
Com base na facilidade de distribuição da Internet, agora os monopólios (ou pelo menos os grandes hubs da Internet) são globais e não mais definidos pelas regiões onde a entrega de jornais poderia ser viável.
O que fazer então com essa diferença de poder, que poderia até ser tolerável do ponto de vista de mercado, mas que traz tantas implicações do ponto de vista político?
Eu não faço ideia de qual poderia ser uma solução global para o problema e desconfio de soluções deste tipo — como parece ser a proposta da Austrália.
A boa notícia é que existem empresas criando soluções que permitem com que negócios de comunicação sejam criados de forma sustentável e ainda se colocando fora deste imbróglio, que são as plataformas para newsletters de empresas como Substack ou a brasileira Pingback.
Um negócio de comunicação na era digital se baseia em três pilares: plataforma de publicação, solução de pagamentos e tráfego. As plataformas acima entregam soluções excelentes para os dois primeiros pilares.
Em plataformas neste tipo de lógica ‘white label’, o seu conteúdo é entregue (sem censura) para o seu leitor, com a sua marca e o seu preço. No entanto, do fato delas trabalharem como portais decorre que estas soluções podem ser menos interessantes em termos de distribuição.
Uma boa publicação distribuída neste formato realmente não vai se beneficiar do imenso tráfego gerado pelas redes sociais. Mas não faltam exemplos de quem tenha feito isso com eficiência (e muito lucro) com base na altíssima qualidade do seu conteúdo.
Para um negócio deste tipo se estabelecer, o conteúdo precisa estar entre os melhores daquele nicho em toda a Internet, e não “a única opção disponível na minha cidade” como muitos jornais estavam acostumados a trabalhar.
Sem conteúdo bom, os jornais podem reclamar à vontade, só não irão convencer ninguém dizendo que a sua decadência é culpa dos portais malvados da Internet — por mais culpa no cartório que eles realmente possam ter em várias outras questões.
Rodrigo Fernandes é um empreendedor na área de tecnologia. Para receber suas análises e comentários, você pode segui-lo pelo Instagram (https://www.instagram.com/rodrigo.fer.nandes/) ou pelo seu canal no Telegram (https://t.me/orodrigofernandes).