PHVOX – Análises geopolíticas e Formação
Comportamento

As noites escuras na pós-modernidade

Há, no profundo da revolução, um caráter sensualista. E. Michael Jones², em seu “Libido Dominandi”, documenta abundantemente o fator da revolução sexual como motor das revoluções políticas na modernidade histórica. No Renascimento, época em que as ciências naturais iniciam sua investida contra a ordem escolástica do homem como um composto indissolúvel de corpo e alma, o aspecto puramente material e matematizante transforma-se no princípio atomístico na interpretação do ser humano e seu papel no mundo. Se o ente humano não é capaz de apreender o ser imaterial das coisas pelas operações naturais da razão, mas apenas seus acidentes, abrem-se às portas para o dualismo substancial da ontologia. Digamos, pois, que o “pai” desse bastardo entendimento é o francês René Descartes e sua separação quimérica da res cogitans e da res extensae.

O corpo, no Renascimento pagão, torna-se o objeto principal das ações sócio-políticas. Não há mais ordem entre o poder temporal (corpo) e a autoridade espiritual cristã (alma), mas a completa sujeição desta por aquele. O homem, acreditando ser o princípio e fim de todas as coisas, nega a ordem pré-estabelecida por Deus e a sã educação de suas potências naturais para maior ênfase de suas vontades e paixões mais baixas.

No romantismo do séc. XVII, de grande inspiração gnóstica e subjetivista, os intelectuais preparam o terreno para o Iluminismo e o Idealismo recorrentes, onde o ente humano, disperso e meramente quantitativo, relativiza o Sagrado Matrimônio para entregar-se aos piores delírios da concupiscência da carne.

As fraquezas humanas, tão bem tratadas pelos Santos e Doutores da Igreja, tornam-se objeto de um romancismo abstrato de inspiração sadolibertina. O próprio ambiente precedente da Revolução Francesa é – conforme relata e documenta E. Michael Jones — infestado de episódios de traições amorosas, masoquismos, orgias e outras puerilidades sexuais. Sobretudo na vida dos principais personagens, como o famoso Marquês de Sade, talvez a principal figura da revolução sexual que se estende à contemporaneidade filosófica e psicológica do séc. XX.

Na forma mentis marxista e feminista, o Sagrado Matrimônio é postulado na dialética historicista hegeliana, onde o marido torna-se o opressor de sua esposa, assim como os pais tornam-se os opressores dos filhos, etc.

Inclusive, no que concerne ao feminismo, há o episódio da inglesa Mary Wollstonecraft que, antes de se “converter” ao pensamento puramente revolucionário, defendia certo conservadorismo burkeano ao refletir sobre suas Reflexões Sobre a Revolução Francesa. Quando traída e abandonada por um revolucionário francês, Mary inicia sua militância aos ditos “direitos da mulher”, defendendo a tese de que a mulher, submetida ao julgo do homem no Matrimônio, é impedida de desenvolver plenamente sua razão. Não a razão em relação à realidade criada, mas o racionalismo matematizante do Iluminismo.

O tal racionalismo e o idealismo culminam, fatalmente, ao absolutismo do imaginário. Já dizia Santa Tereza D’Ávila³ que a imaginação é a “louca” da casa. Caso não seja devidamente educada em conjunto com nossas outras três potências internas, a saber, o senso comum, a cogitativa e a memória, destrói todo o restante do processo cognitivo e fecha as portas para a contemplação.

É de suma importância se entender que toda revolução é um brado contra a contemplação de Deus para a idolatria do Homem.

É bizarro notar que os efeitos da revolução trouxeram à própria mulher um infernal paradoxo: quanto mais gritam aos quatro cantos do globo terrestre seus “direitos” mais são escravizadas pelo mundo administrado do Estado moderno. Revoltam-se contra seus maridos – e até mesmo seus filhos – para serem escravas da impessoalidade, da burocracia centralizada, dos grandes conglomerados que, logicamente, não buscam garantir seus “direitos”, mas utilizá-las como massa de manobra para consumação de seu poder e domínio.

Por conseguinte, os jovens, sofrendo pela má educação e pela desestruturação familiar, buscam na massificação das sociedades seu sentido de ser. Não são mais os pais, unidos pelo seio do microcosmos familiar em relação aos sacramentos que os educam, mas toda estrutura externa da dessacralização e da secularização da vida social. Vendem suas almas ao diabo e sequer percebem que estão sendo enganados pela bifurcação da serpente.

Naturalmente que, fechando suas almas para a ação da Graça, mesmo ao despertar do engodo, ainda depositam suas esperanças na política, sem antes tomarem os remédios necessários para todo o mal moral causado pela revolução.

O mal do orgulho e da soberba, os mesmos que levaram aos nossos primeiros pais à perdição e ao Pecado Original, repousa no coração desses jovens. É preciso, portanto, apresentá-los à sã ascese e à sã mística para que vivam plenamente na Verdade.

O grande Santo e místico, São João da Cruz, traz em toda sua riqueza literária e espiritual o remédio para os nossos tempos.

Diz São João da Cruz que a primeira via da ascese é a via purgativa, as Noites Escuras da alma, onde educamos nossas potências do corpo na Virtude. Para tanto, é necessário superar o orgulho e a soberba na temperança e na humildade, balizados pela virtude cardeal da prudência.

O problema do jovem contemporâneo, influenciado pela influência gnóstica da prisão corpórea e cósmica, impede-o de enxergar no sofrimento algo de sumamente Bom. O sofrimento, dizia Olavo de Carvalho, fortalece a personalidade, a revigora. Encarar o sofrimento como aprendizado e como modelo vivido por Nosso Senhor Jesus Cristo na Paixão.

Não dar ao corpo tudo o que lhe apetece, acostumando-o com o mínimo possível, mas não negando-o como bom e sim educando-o na Virtude, como dito.

São Francisco de Assis, em seu Cântico das Criaturas, ao combater a heresia cátara, louva a criação de Deus e toda sua belíssima simplicidade. Assim como Santa Teresinha4, ao apresentar sua Pequena Via, defende que é possível encontrar-se com Deus nas coisas cotidianas. Com efeito, é caminhar ao lado de Deus como aprendemos nas Sagradas Escrituras.

Ao educarmos nosso corpo naquilo que é ordenado, portanto, bom, belo e verdadeiro, não olhamos mais no espelho da vida como meras emanações demiúrgicas, mas como seres criados à imagem e tornando-nos semelhantes a Deus pela Graça. O passo seguinte, conforme ensina São João da Cruz, é o alcance da Via Iluminativa. Purgando nosso corpo das paixões mais baixas das concupiscências, enxergamos os critérios morais objetivos.

Toda essa excelência espiritual, sem negar o corpo, nos enobrece infinitamente mais do que na crença malfadada do materialismo revolucionário.

O jovem que busca na revolução sua grandeza, em verdade, diminui-se perante às potestades satânicas.

Diz São João da Cruz,

“Que felicidade o homem poder libertar-se de sua sensualidade! Isso não pode ser bem compreendido, a meu ver, senão por quem o experimentou. Só então se verá claramente como era miserável a escravidão em que estava.”

E mais,

“Quando a alma se acha livre e purificada de tudo, em união com Deus, nenhuma coisa poderá aborrecê-la. Daqui se origina para ela, neste estado, o gozo de uma contínua vida e tranquilidade, que ela nunca perde nem jamais lhe falta.”

 

A união com Deus de que fala São João da Cruz não é de maneira alguma o erro panteísta, isto é, da identificação unívoca entre Criador e criatura, nem sequer do panenteísmo, a confusão entre Ser e essência, mas a ação e intermediação da Graça santificante na natureza adâmica do homem por analogia.

Aceitar-se humano e criatura de Deus e amá-Lo em todo nosso ser, pela humildade e pela servidão. A verdadeira felicidade, tão erroneamente buscada pelas pessoas na pós-modernidade, reside não em nossos maléficos esforços, mas no alcance da salvação de nossas almas por Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis, também, à verdadeira inteligência e o verdadeiro Bem atual que a nossa Vontade e a nossa Liberdade devem buscar.

Diante de tamanha ordem não somente qualitativa, mas também qualitativa, alcançamos o entendimento tanto do engano como também do caminho das pedras a ser percorrido com persistência e perseverança da razão e da fé.

Que Maria Santíssima possa nos guiar sempre no bom caminho e que não nos desviemos dele no período temporal que vivemos no Purgatório terreno e que, quando vierem às Noites Escuras, possamos encontrá-La em sua docilidade e verdadeira maternidade.

 

Viva Cristo Rei! Em seu Sagrado Coração, para sempre e sempre!

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