Prólogo.
Olavo de Carvalho realizou o parto da Nova Direita brasileira. Fato inegável. Do churrasco de domingo aos grupos de redes sociais, nenhuma reunião de brasileiros nunca mais foi a mesma. Ouvir nomes como Eric Voegelin ou Ortega y Gasset em tweets e vídeos de Youtubers com centenas de milhares de inscritos já não é incomum; realmente impensável e louvável num país onde, há pouco tempo, qualquer um que não fosse um petista doente, lia as embromações do Mário Sérgio Cortella e fazia pose de intelectual politizado enquanto se limpava das cagadas da Dilma com o infame adesivo “A culpa não é minha, eu votei no Aécio” colado no para-choque do carro. Mas, infelizmente, isso não basta para mudar absolutamente nada a longo prazo no cenário sociopolítico tupiniquim.
1º ato – A hegemonia da esquerda é cultural.
Quando nós fazemos uma retrospectiva para entender como a esquerda tornou-se hegemônica em absolutamente todas as esferas do poder em quase todo o ocidente, nós vemos que sua frente de ação não foi exclusivamente a política ou a filosofia. Apesar do volume da produção da elite intelectual esquerdista, seja ela marxista, frankfurtiana, gramscista, etc., ser gigantesca, a ação do pensamento revolucionário na cultura é exponencialmente maior. Isso ocorre de tal maneira que quem moldou toda a produção cultural do século XX (e até o momento, do século XXI também) foram as pautas comunoprogressistas.
Ateísmo, feminismo, promiscuidade sexual, uso livre de drogas, aborto, divórcio, cientificismo, igualitarismo além da isonomia jurídica, romantização da juventude como virtude, neopaganismo, anticlericalismo… é difícil encontrar um bom catálogo de filmes, músicas pop, romances, novelas, telenovelas, ou mesmo desenhos animados, onde estes temas não estejam enxertados de alguma maneira na obra, e o que talvez muitos não notaram é que boa parte dessa tralha ideológica está ali porque tais pautas se tornaram, aos poucos, parte do ambiente ocidental, e fatalmente são reproduzidas quase que involuntariamente nas obras culturais.
O que nos resta? – Os clássicos. Os clássicos não são, necessariamente, clássicos porque são o puro creme do conservadorismo em forma de cultura, mas porque são universais: resistiram a todo o tipo de crítica e julgamento ao longo de anos. Eles resumiram e previram todo o tipo de sentimento e ação humana. O escritor austríaco Hugo von Hofmannsthal disse que nada está na política de um país que não esteja primeiro na sua literatura. O filósofo inglês Roger Scruton comentou sobre a necessidade de conhecer a fundo a literatura clássica quando nos preveniu de nossa ânsia em controlar e prever o futuro segundo nossas próprias conveniências – ele escreveu que tal ideia não deveria ter sobrevivido após uma leitura atenta da Ilíada.
2º ato – Mais literatura; menos política.
Desliga a live do Presidente e vai ler Hamlet. As intrigas, as conspirações, as reviravoltas… estão todas lá, só que daqui 500 anos ainda vão saber o que é Hamlet, mas quase ninguém vai saber quem foi o Bolsonaro. Desinscreva-se do canal de conspirações internacionais sobre alienígenas robóticos adoradores de Baal que substituíram os judeus bíblicos por clones robóticos-maçônicos e vai ler Dostoievski.
Uma das maiores necessidades do conservadorismo é produzir cultura honesta, boa, divertida, bonita, sem afetação – alguma coisa que seu filho de 12 anos vai assistir despretenciosamente, mas durante a experiência cultural, ele absorverá ideias corretas. Mas isso custa tempo e dinheiro.
Isso só vai ser possível se o conservador de hoje desenvolver um amor profundo pela cultura, pela arte. Isso não significa comprar um livro, que você nunca passará do quarto capítulo, que te explica a teoria da arte, mas significa ter Puccini, Sibelius ou Gershwin na sua playlist, sentar e ouvi-los com a mesma atenção e senso de urgência que você dispensa ao sétimo vídeo só desta tarde falando do Deputado Fulano e do General Beltrano.
– Ato final – Imaginação e Moral
Não vivemos uma crise política. As instituições políticas, a economia e o ordenamento jurídico nunca foram tão sofisticados, acessíveis e abrangentes como nos últimos 100 anos. Mas por que, então, parece-nos que nada nestes âmbitos funciona como deveria e tudo parece desvirtuado?
A corrupção, o metacapitalismo, o comunofascismo e seja lá qual for o outro tema que te preocupa na política, só existem porque o homem, desde o Iluminismo, vive uma crise moral que faria um visigodo do século IV ter vergonha de se sentar à mesa conosco. Adam Smith antes de escrever A Riqueza das Nações deu-nos A Teoria dos Sentimentos Morais, uma obra de filosofia moral que trata dos princípios que usamos para analisar o caráter do próximo primeiramente e, só depois, o nosso.
Ao estudarmos o trabalho todo de Smith notamos que a economia de livre mercado apresentada e teorizada em A Riqueza das Nações realmente é o melhor modelo econômico possível, justamente por ser parte de uma ordem natural, porém, ele sempre será distorcido e transformado em ideologia se a sociedade estiver moralmente doente – a incapacidade de julgar o caráter como se o próximo fosse eu – “stand in someone else’s shoes”, como se diz em inglês, literalmente, calçar o sapato de outrem, no sentido de ser capaz de se imaginar sendo aquela pessoa passando por aquela situação alheia a sua realidade.
É aí que entra a crise da imaginação moral – “imaginação moral” é um termo usado por pensadores como Russel Kirk para descrever essa capacidade de imaginarmo-nos vivenciando a experiência alheia descrita na ficção como se ali fossemos nós mesmos – uma crise que é fruto de tempos onde toda a fonte de experiência com o imaginário são livros, filmes e músicas que cultuam o feio, o grotesco e o imoral; e os protagonistas das obras de ficção resumem-se a retroalimentar um público frustrado e deprimido, incentivando-os a curar suas feridas mentais com a estreiteza de horizonte do hedonismo.
Quando, por outro lado, buscamos o prazer nos clássico da cultura, nossos ouvidos e olhos são expostos a um sentido de ordem, que nos leva a admirar a beleza da estética e da criatividade, mesmo quando Dante descreve-nos o Inferno na sua Comedia ou quando a Rainha da Noite, na Flauta Mágica de Mozart, tenta convencer sua própria filha Pamina a cometer assassinato, numa das árias mais apavorantes e lindas já escritas na história da ópera.
Olavo de Carvalho descreve que ao ler ficção ou assistir a uma peça de teatro, uma ópera ou um filme devemos nos pôr como em um sonho conduzido por um terceiro – você deve suspender sua descrença em relação ao caráter fictício e viver aquilo como um sonho acordado: quem está ali, na pele daquele personagem é você – você chora, ama, sofre, apenas naquele momento, tudo que ocorre ao personagem. O resultado será a experiência de ter “vivenciado” fatos que jamais ocorreriam na nossa vidinha cotidiana, e essa experiência se transforma numa capacidade de adestrarmos nossa imaginação ao ponto de conseguirmos facilmente colocarmo-nos no lugar do próximo sempre que formos julgar suas ações; oras, não é isso a epítome do segundo Mandamento Bíblico? Não há melhor forma de curar a doença moral do mundo que com o amor ao próximo, e só podemos amar ao próximo se conseguirmos imaginar como é ser o próximo, sofrer o que ele sofre, nem que seja por um segundo, como sofremos involuntariamente com os grandes personagens das grandes obras.
Brás Oscar é jornalista e correspondente internacional em Portugal para o portal PHVox e Jornal Brasil Sem Medo.