Não costumo fazer planejamentos muito detalhados das minhas leituras. Apenas sigo alguma intuição e deixo os instintos me guiarem. Até aqui, tem dado certo. Porém, essa forma de tratar os estudos é aterrorizante para boa parte dos meus amigos.
Muitos deles costumam montar planos lineares, arquitetados logicamente e prevendo uma sequência perfeita, pela qual cada livro segue o outro como se, ao ser lido, tivesse cumprido perfeitamente seu papel, podendo ser posto na prateleira para se tornar então um mero objeto de consulta. Alguns desses amigos, pasmem, já sabem o que vão ler até o fim de suas vidas.
Pensando bem, essa previsibilidade infalível caracteriza uma baita pretensão. Acreditar que é possível fazer um planejamento de uma vida de leituras e cumpri-lo fielmente também pressupõe uma concepção do indivíduo, que o vê como um aglutinador de dados, capaz de abstrair completamente suas circunstâncias, praticamente, equiparando-o a uma máquina.
O problema é que esse tipo de sequência de estudos não entra em harmonia com uma vida humana real, que não obedece a crescimentos lineares, mas orgânicos; que não se desenvolve pelo simples e constante acréscimo de informações, mas segue uma dinâmica bastante mais complexa.
Na verdade, não somos como máquinas, mas seres orgânicos e espirituais. Isto faz com que nosso desenvolvimento, especialmente em seu aspecto intelectual, não obedeça a modelos simples de crescimento. Pelo contrário, o processo, como ele se dá, torna sua análise muito difícil, pois os elementos que o promovem são diversos e sutis. Se atingimos determinado estágio de maturidade, isso ocorre pela conjunção de tantos fatores, complexos e diversos, que são praticamente impossíveis de serem rastreados.
Por isso, um plano de estudos que queria acompanhar o processo de amadurecimento intelectual de uma pessoa precisa possuir maleabilidade suficiente para permitir se conciliar com as mudanças que nela ocorrem. Precisa estar aberto às releituras, às alterações de rotas, às mudanças de perspectivas causadas pela ampliação do imaginário e às próprias oscilações dos interesses e necessidades que as circunstâncias da vida apresentam.
Considerando tudo isso, a caoticidade acabou me prestando bem. Como faço as leituras de acordo com meus interesses do momento, minhas necessidades circunstanciais e minhas curiosidades contingenciais, tudo o que aprendi com elas foi se acoplando ao meu espírito de forma bastante natural. Li o que, acredito, precisou ser lido e fui preenchendo as lacunas conforme percebia a necessidade de suprir as faltas de entendimento dos temas específicos.
Comigo não aconteceu o que é muito comum com aqueles que planejam tudo: ler livros importantes na juventude, quando ainda não se é maduro o suficiente para absorvê-los da maneira devida, e nunca mais abri-los, por terem sido já superados na sequência planejada, desperdiçando o que uma nova leitura deles poderia proporcionar. Tenho o prazer de ler e reler obras em fases diversas da minha vida, o que, em cada uma delas, representa uma experiência diferente e um novo tipo de aprendizado.
Posso não ser uma pessoa muito organizada, nem disciplinada, mas, pelo menos, essa característica da minha personalidade não tem sido um entrave ao meu crescimento intelectual. Acredito que, até certo ponto, tem mesmo colaborado com ele.