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Fuga do tédio

O que diferencia as pessoas é o que elas escolhem fazer para fugir do tédio. Afinal, o tédio é o substrato do cotidiano. Mesmo gente ativa e aventureira, sente algum vazio existencial e, talvez por isso mesmo, procura formas de preenchê-lo. Aliás, como dizia um padre do deserto, a tristeza não tem morada e muitos desses que vivem como moscas, sem parada, de um lado para o outro, sempre em busca de uma nova experiência, são os que mais sofrem com esse buraco no meio da alma.

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Sentir-se preso a uma vida entediante é uma experiência universal. O cotidiano das pessoas parece mais um desenrolar aleatório de acontecimentos. A jornada de quase todo mundo está longe de ser uma história de ação, parecendo mais um roteiro de filme cult francês. Então, cada um busca uma maneira de escapar dessa pasmaceira. A maioria faz isso da forma mais óbvia: movimentando-se. É por isso que as academias, os entretenimentos, os jogos, as viagens de lazer, as reuniões sociais são as atividades preferidas. Todas elas são maneiras de fugir corporalmente da monotonia. Assim, enquanto a rotina representa a alienação, sua quebra transforma-se na vida em si.

Mas há algumas almas um pouco mais agitadas para as quais a mera quebra da rotina é insuficiente. Elas precisam de mais. Sua sensação de insatisfação é tão grande que um mero churrasco no final de semana não serve para aliviar sua claustrofobia diária. São estas que se metem nas aventuras mais inusitadas; são elas que movem o mundo. E algumas destas, quando não conseguem transformar esse incômodo em algo produtivo, em atividade saudável, são as que se afundam em alívios mais prejudiciais, como a bebida, as drogas, o sexo extremo e tudo aquilo que a criatividade é capaz de inventar para tentar resgatá-las da melancolia. Outras, um pouco mais espertas, ainda que não menos necessitadas, se lançam na religião, na política, na carreira, buscando nelas formas mais inteligentes e mais seguras de movimentar sua existência, fugindo assim da chatice do dia-a-dia.

Até mesmo pessoas como eu, que estou longe de ser um aventureiro e de ter uma vida agitada, que passo a maior parte do tempo sentado em minha escrivaninha, lendo ou escrevendo, são acometidas pelo tédio e desenvolvem suas formas de enfrentá-lo. Isso pode parecer estranho, porque, quem pudesse observar o cotidiano de um homem absorto entre as letras, em silêncio, quase imóvel, concluiria que se trata de alguém satisfeito, de alguém que não sofre dos males da melancolia, que não precisa fugir do aborrecimento, que não necessita gastar suas energias acumuladas em diversões e brincadeiras. Porém, esse estereótipo de alguém dedicado à vida intelectual, que encontrou a serenidade e a paz, pelo menos, no meu caso, é falso. 

Na verdade, estou longe de ser alguém satisfeito. Não possuo a paz do monge, nem o equilíbrio do guru. Não me sinto tranquilo na rotina e preciso cotidianamente de doses de atividade para preencher a lacuna na minha alma. Se eu leio e escrevo, portanto, não é porque tenho um espírito estabilizado, mas é o reflexo de todo o incômodo que me afeta incessantemente.Toda minha dedicação às palavras é também uma forma de evasão. Ler e escrever é uma maneira, muitas vezes extrema, de evitar o enfastiamento. Ser um escritor é o jeito que eu encontrei de não morrer de enfado. 

Os livros são minha viagem e a escrita é o meu passeio diário. Ler é o meu churrasco com os amigos, escrever é a minha academia. Como todo escritor, sou um desesperado e essa ansiedade, por vezes, é tão grande, e o incômodo, tão angustiante, que um passeio ou um jogo não são capazes de aliviá-lo. Por isso, preciso constantemente derramar minha alma, expressar meus sentimentos, expor minhas percepções e, como um exorcista, espantar o demônio do tédio por meio das palavras.

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