Enquanto os Anjos de nossos piedosos presépios ostentam dísticos em que se lê: “Glória a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade”, a imprensa diária está cheia de notícias terríveis que destoam tristemente da promessa angélica.

Há, no mundo contemporâneo, três grandes correntes, que se convencionou chamar da esquerda, do centro e da direita. Em nenhuma delas, o Cristo, se nascesse hoje, poderia encontrar refúgio seguro.

Nos arraiais da esquerda, o Natal será comemorado com horríveis sacrilégios. Os túmulos violados; a santidade dos lugares sagrados profanada; as imagens, outrora veneradas, hoje atiradas à fogueira, por entre horríveis imprecações; as famílias destroçadas; a honra imaculada das virgens de Deus ou do lar, entregue a um bando de salteadores infrenes; a velhice abandonada sem defesa à sanha criminosa de bandidos que causariam horror ao próprio Barrabás. É assim que a “esquerda” comemora o Santo Natal.

No Centro liberal, o espetáculo, sem ser tão negro, não deixa de ser profundamente triste. O Sr. Blum tenta roubar à Igreja a sua gloriosa Primogênita. E atiça em surdina as brasas com que reeditará na França os horrores da Espanha. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, em outros países menos distantes, a política liberal fecha os olhos à propaganda comunista, manifestando cegueira que confina a um tempo com a covardia de Pilatos e a ganância de Judas. Alguns lavam as mãos, dizendo-se irresponsáveis pelos desatinos de uma multidão que lhes caberia jugular. Outros, com o beijo do Judas, traem a Igreja Católica, abandonando-a nas mãos de seus inimigos, tintas de sangue.

Na direita, o Sr. Hitler já tem, para o Cristo, preparada uma Cruz. Apenas, para não ser muito arcaico, deu ao seu instrumento de tortura um “it” de modernismo: a forma suástica.

Na Itália, os Rocos e os Croces, os Gentiles, procuram lançar contra Cristo o novo César, como os judeus intrigavam os Imperadores Romanos com os primeiros cristãos.

Por toda a parte, só encontramos ódio, rancor, perseguição.

E, no entanto, cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos que o pânico se apoderasse de nós. Nem na ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos que justifiquem a inércia e o pessimismo.

O que a Igreja espera, hoje em dia, de seus filhos, é a realização de uma tarefa ao mesmo tempo muito grande e muito simples. Ela quer que todos os católicos (os católicos dignos desse nome, e não a turbamulta dos pagãos que usam rótulo católico), com uma persuasão vigorosa e magnífica, se ergam no tumulto do Mundo contemporâneo, proclamando o Cristianismo como seu único Salvador.

Único, dissemos. E insistimos sobre esta palavra.

Erraria crassamente quem supusesse que o Cristo só veio salvar a humanidade de seu tempo. Em todos os tempos, em todos os países, para todos os povos, em todos os perigos, em todas as dificuldades, apesar de todos os pecados, Cristo é o ÚNICO Salvador.

Os países democráticos pensam que podem atingir a prosperidade e a paz, por meio de pequenas receitas políticas em que misturam, em doses variáveis, a autoridade e a liberdade. Loucura e ilusão. Se eles não aceitarem as normas sociais e morais da Igreja, se não derem ao catolicismo a influência preponderante a que tem direito, não escaparão à ruína. De reforma em reforma, rolarão para o abismo.

Os países da “direita” pensam que o braço vigoroso de um ditador lhes pode restituir a felicidade. Loucura, ainda, e ilusão. Porque o maior homem do mundo, dotado da mais lúcida inteligência, da mais alta moralidade, da mais vigorosa energia, do mais formidável poder, não conseguiria organizar convenientemente um povo que vivesse entregue à anarquia intelectual e efetiva que, fora da Igreja, é inevitável. Um povo é um conjunto de homens. Um povo disciplinado não pode ser composto de homens anarquizados no mais íntimo do seu ser, como um copo de água pura não pode constar de um conjunto de gotas de água impuras.

Cristo como base da civilização, e as formas do governo como aspectos secundários e acidentais da vida de um povo, eis aí uma das grandes lições do Natal.

*Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente. Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que o escondem no Céu. Ele não se mostra à humanidade aflita. E esta então corre à busca de outros pastores.

É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim. E há quem não ouse pensar, mas sinta assim!

Daí o existirem católicos que tem mais esperança na ação da democracia ou das direitas, do que na ação do Cristo.

Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “in propria venit, et sui eum non receperunt”.

Ah! São esses os corações que ouvem a palavra do Cristo, vinda do Vaticano, e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo não a conhece: “lux in tenebrae lucet, et tenebrae eam non cognoverum”.

O Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na Eucaristia, Ele está tão realmente, quanto esteve na Judéia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente, quanto falou ao Povo de Israel.

A Igreja é tão seguramente guiada pelo Cristo em 1936, quanto o eram os Apóstolos, antes da Ascensão.

O que o Cristo quer fazer, fá-lo por meio da Igreja. O que o Cristo quer dizer, di-lo por meio do Papa. Logo, a Igreja em certo sentido é onipotente e onisciente porque é instrumento da onipotência e porta-voz da onisciência de Deus.

Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja.

Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificar-se alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação de Natal. Porque todas as causas e todos os ideais devem vir depois da suprema Causa e do supremo ideal da Igreja.

 

Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de boa vontade

Um dos erros mais freqüentes entre católicos consiste em considerar a missão do Salvador como definitivamente encerrada com a sua Ascensão ao Céu.

Em geral, supõe o povo que, tendo subido ao Céu, Jesus Cristo deu por finda a obra redentora para cuja realização veio à terra. E a Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo é hoje um episódio histórico do passado, tão distante de nós quanto as guerras de Augusto ou a morte de Cleópatra.

Desse erro fundamental, decorre outro ainda mais grave…

Enquanto os anjos proclamam a glória de Deus, os comunistas profanam os restos de seus servos. Enquanto os Anjos almejam “paz na terra aos homens de boa vontade”, a civilização burguesa materialista arma-se para uma hecatombe.

O Legionário, Nº 224 – 27 de Dezembro de 1936