O tempo dá cabo de tudo o que é vivo, incluindo nosso idioma. Há uma constante tensão entre o culto, o popular, o tradicional e o moderno, às vezes um sobressai, às vezes outro.
Palavras novas surgem para significar coisas novas, palavras velhas caem ou podem ser ressignificadas. Vejamos o que disse o poeta romano Horácio em sua Arte Poética:
“Sempre foi permitido dar um nome cunhado na forma do selo presente”. vv. 58-59 […] “Como nos bosques que mudam de folhas todos os anos caem as velhas, também fenecem antigas palavras, mas as recém-nascidas, iguais as jovens, florescem”. vv. 60-62
“[…] nunca perduram a glória e graça viva da fala. Muitos ainda renascem depois de caírem e caem estes vocábulos que hoje têm glória, se o uso decide, já que detém a lei, a norma e arbítrio da fala”. vv. 69-72
O uso decide! Por vezes o uso é vicioso, por vezes é virtuoso. Com o tempo surgem novas palavras, outras são esquecidas e até ressignificadas ou esvaziadas. Conforme muda nossa visão de mundo, tradições, costumes e hábitos, mudam as palavras.
Uma curiosidade para exemplificar: a primeira gramática de língua portuguesa que se tem conhecimento foi publicada em 1536, e chamava-se “Grammatica da lingoagem portuguesa”. Percebeu a ironia? As próprias palavras “gramática” e “linguagem” mudaram.
Em sua sátira O Elogio da Loucura, Erasmus de Rotterdam brinca: “[…] há mais gramáticas do que gramáticos: só Aldo, um dos meus favoritos nesse gênero, publicou cinco”. O tempo de uma vida humana já é o suficiente para que ocorram mudanças na língua, a depender do contexto.
Nossa língua é muito preciosa e precisa ser cuidada, até protegida do esvaziamento, pois é ferramenta primeira em nosso pensamento: pensamos com palavras; raciocinamos porque falamos.
Lewis nos aponta grandes inimigos na linguagem: “Pessoas normalmente cometem verbicídio quando roubam uma palavra de seu contexto original e aplicam-na como slogan que define um partido, apropriando-se de sua ‘qualidade marqueteira’” — C. S. Lewis in Estudos de palavras.
O marketing, as ideologias, a má educação e o uso incorreto podem destruir aos poucos as palavras, juntamente com nossa forma de pensar:
Lewis conclui em Sobre Histórias: “quando você, por mais reverentemente que tenha sido, tiver matado uma palavra, você também […] terá apagado da mente humana o que a palavra em sua origem representava. Os homens não continuam a pensar naquilo que esqueceram como dizer.”
Usar as palavras certas, de modo justo, é resguardar — e talvez salvar — aquilo cuja palavra representa e, certamente, a própria saúde de nossa inteligência, que já é tão vitimada.