O homem, ao tomar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, rejeitou o projeto divino de orientação existencial, segundo o qual o próprio Deus o guiaria no sentido da ampliação de sua autoconsciência e desenvolvimento de sua compreensão da realidade. Naquele momento, foi como se exclamasse: “Deixe-me em paz! Deixe-me pensar com meus próprios miolos!”.
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O Paraíso, que era o ambiente onde se daria esse processo pedagógico, perdera sua função. A única opção, então, que Deus teve, foi de expulsar o homem de lá. Não havia mais nenhum sentido um Mestre estar diante de alguém que já não queria mais saber de seus ensinamentos. Até porque um aluno rebelde torna-se um rival e isso seria inadmissível.
Fora do Éden, sem a orientação divina, não havia mais quem lhe desse a razão das coisas. A partir daquele momento, para entender o que quer que fosse, o homem podia contar apenas com seus órgãos sensoriais. Ficou restrito às suas próprias sensações, as quais não lhe ofereciam nada além do que a experiência direta e esta não podia dar-lhe nada mais do que percepções momentâneas, sem significado algum ─ esta foi a infância da humanidade.
Deus era quem conectava o homem com a realidade, que agia como intermediário entre eles, fazendo da existência compreensível. Sem a sua presença, não havia mais quem ensinasse o que as coisas eram, nem para que servem. Não havia mais princípios e, como “quem pensa sem os devidos princípios acaba louco”, como dizia Chesterton, a humanidade ficou bem propícia a desenvolver sua própria insanidade. Na verdade, eram pessoas encerradas em seu próprio pequeno mundo dos sentidos.
O universo deixou de ser familiar, mas sim algo a ser explorado, a ser descoberto. Contudo ─ lembremos! ─ sem qualquer recurso exterior. Não demorou muito, então, para que aqueles fenômenos que se mostravam mais ameaçadores aos sentidos passassem a ser vistos como forças extraordinárias. O sol que esquentava a pele, a lua que brilhava aos olhos, no escuro da noite, o trovão que ressoava nos ouvidos começaram a ser vistos como poderes que estavam além da realidade conhecida, que era a captada pelos sentidos, e que, na verdade, estimulavam-nos com seus poderes ocultos. Ou seja, começaram a ser vistos como deuses.
Entre a realidade imediata, mas sem sentido, e a distante e mágica, que era inexplicável, havia muito a ser compreendido. Como, porém, não havia ninguém que pudesse explicá-la, Deus, em sua infinita misericórdia e amor, dispôs-se a resgatar o ser humano de sua arrogância e insanidade, colocando-se, mais uma vez, como seu guia. Porém, agora, por vias bem mais indiretas, as quais o homem teria de gradativamente aprender a ouvir e aceitar.
O objetivo divino era evitar que o ser humano, seguindo unicamente seus sentidos, se perdesse completamente. Isto, no fundo, representa a história da humanidade, que é a história de um Deus tentando ajudar gente rebelde e vaidosa a entender o significado das coisas, fornecendo para ela os princípios que possam lhe orientar e facilitando o seu processo de conhecimento. Aliás, esta luta entre a independência na compreensão das coisas e a disposição para aceitar a orientação divina é aquela que existe, até hoje, dentro de cada indivíduo.
De fato essa atitude de livre escolha teve e tem suas consequências. Creio ser uma lição que temos na antesala do encontro com o Criador.