Todos os anos, quando chega o mês de Maio, o coração dos católicos volta-se para uma personagem fundamental de sua fé: a Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe (“Eis aí tua mãe” – Jo 19,27). Durante esse mês, milhões de pessoas participam de romarias e peregrinações a santuários marianos, fazendo orações especiais a Maria, tornando-a especialmente presente em suas vidas. Trata-se de uma tradição antiga, e arraigada na vida do povo fiel que, em meio às agitações da vida, experimenta a proteção dessa mãe que nos vigia e nos ama. De fato, podemos notar já na idade média uma devoção parecida, em que nos meses de Agosto e Setembro dedicava-se trinta dias durante os quais se faziam exercícios piedosos para honrar Nossa Senhora. Essa devoção se chamava Tricesimum. Mas, com o passar do tempo, deslocou-se essa devoção para o mês de Maio por uma razão muito bonita: a primavera (nesse caso, no hemisfério Norte). A primavera é a estação que segue o inverno, que pode ser muito rigoroso em algumas partes do mundo. Num inverno rigoroso a vida é difícil, nada cresce, é preciso viver em uma maior austeridade. No inverno vive-se, de alguma forma, em espera. Em espera da primavera que virá com seu calor e vida nova. Na primavera florescerão novamente as plantas, e o solo se tornará fértil mais uma vez para produzir o sustento do homem. Se o inverno é o tempo da espera, a primavera é o tempo da promessa, da realização da espera. Muitos são os artistas que buscaram plasmar em suas obras esse frescor primaveril. Para citar um exemplo, podemos nos remeter à famosíssima obra de Vivaldi: “as quatro estações”. Certamente todos já estamos familiarizados com essa obra, mas talvez possamos voltar a escutá-la buscando perceber essa alegria que o autor trata de mostrar.

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Dedicar o mês de Maio – também chamado de “mês das flores” no hemisfério Norte – à Maria é uma devoção arraigada há séculos. Com sua poesia “Ben vennas Mayo”, das Cantigas de Santa Maria, Afonso X, o Sábio – (1221-1284), foi rei de Leão e Castela, na atual Espanha. Era avô do rei D. Dinis. É considerado o grande renovador da cultura peninsular na segunda metade do século XIII – nos revela que esta tradição já existia na Idade Média. Maria não é um símbolo, não é um mito, ou uma projeção da necessidade de uma mãe, mas é uma pessoa real, uma mãe real, a Mãe de Jesus. Deus, em seu desígnio, em seu plano criador, quando se fez homem em Maria, para salvar-nos, permitiu que todo batizado pudesse viver uma especial relação com Maria, Nossa Senhora.

A Igreja não só aprova como incentiva a devoção mariana no mês de Maio, confirmando essa prática inclusive por meio de documentos magisteriais, como a Encíclica Mense Maio[1], que São Paulo VI escreveu, em 1965: “Ao aproximar-se o mês de Maio, consagrado a Maria Santíssima pela piedade dos fiéis, o nosso espírito exulta ao pensar no espetáculo comovente de fé e de amor que, dentro em breve, será oferecido em todas as partes da terra em honra da Rainha do céu. Na verdade, é um mês em que, nos templos e entre as paredes domésticas, sobe dos corações dos cristãos até Maria a homenagem mais ardente e afetuosa da prece e da veneração. E é também o mês em que, de forma mais copiosa e mais abundante, descem até nós, do seu trono, os dons da misericórdia divina”. São João Paulo II, no ano de 1979, em uma audiência geral[2], declarou: “Desejo dedicar de modo especial esta audiência geral de hoje à Mãe de Cristo Ressuscitado. O período pascal permite que nos dirijamos a Ela com as palavras de alegria puríssima com que a Igreja a saúda. O mês de Maio, começado ontem, anima-nos a pensar e falar de modo especial sobre Ela. Com efeito, este é o Seu mês. Assim, portanto, o período do ano litúrgico e ao mesmo tempo o mês corrente chamam e convidam os nossos corações a abrirem-se de maneira singular para Maria”.

Mas, qual a particularidade desse mês se outros contêm festas litúrgicas mais destacadas, também dedicadas a Maria? Segundo o Cardeal John Henry Newman, no seu livro póstumo, publicado em 1893 – chamado “Meditações e devoções” – “a primeira razão é porque o tempo em que a terra faz surgir a tenra folhagem e os verdes pastos, depois do frio e da neve do inverno, da cruel atmosfera, do vento selvagem e das chuvas da primavera”; (…) porque os dias se tornam longos, o sol nasce cedo e se põe tarde, porque semelhante alegria e júbilo externo da Natureza são os melhores acompanhantes da nossa devoção Àquela que é a Rosa Mística e a Casa de Deus; (…) ninguém pode negar que este seja pelo menos o mês da promessa e da esperança. Ainda que o tempo não seja favorável, é o mês que dá início e é prelúdio do verão. Maio é o mês, se não da consumação, pelo menos da promessa, e não é este o sentido no qual mais propriamente recordamos a Santíssima Virgem Maria, a quem dedicamos o mês”? Para muitos, Maio é o mês mais bonito, como Maria é a mulher mais bela; o mês mais florido, que conduz o coração até Ela, uma criatura com características de flor, ou, no dizer de São Bernardo de Claraval de “estrela”: “Tu, quem quer que sejas que te sentes arrastado pela corrente deste mundo, náufrago da procela e da tormenta, sem apoio em terra firme, não afastes o teu olhar (Cf. Eclo 4,5) do resplendor desta Estrela se não quiseres submergir sob as águas. Se levantam-se os ventos das tentações, se te vês arrastado contra as rochas da tribulação, olha a Estrela, invoca Maria. Se és abatido pelas ondas da soberba, da ambição, da detração, ou da inveja, olha a Estrela, invoca Maria. Se a ira, ou a avareza, ou a sedução carnal sacodem com fúria o barquinho do teu espírito, volta teus olhos para Maria. Se estás angustiado pela enormidade dos teus crimes, ou aturdido pela deformidade de tua consciência, ou aterrado pelo pavor do juízo, e começa a engolir-te o abismo da tristeza, ou o inferno da desesperança, pensa em Maria” (Tratado “Em louvor da Virgem Mãe” – homilia II, nº 17).

Aproveitemos este mês, portanto, para aproximarmo-nos mais de Maria, para experimentarmos sua ajuda, sua proteção, seu conselho em nosso caminho de discípulos de Cristo.


[1] Ver: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_29041965_mense-maio.html

[2] Ver: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/1979/documents/hf_jp-ii_aud_19790502.html