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Análise profunda: os riscos da eleição na França e a OTAN

Contrariando as expectativas geradas após o primeiro turno das eleições na França, onde a direita garantiu uma vitória expressiva, uma forte coalização de esquerda foi formada com um grande engajamento partidário e popular, o que garantiu uma vitória importante, mas com um sabor amargo para Emmanuel Macron. O resultado acima de tudo, pode colocar a França em um perigoso limbo político.

A aliança de esquerda da Nova Frente Popular e a coalizão de centro-esquerda do presidente Emmanuel Macron frustraram uma vitória da direita nas eleições legislativas de domingo, levando a uma das maiores mudanças políticas da história recente da França. Esta vitória surpreendeu até mesmo alguns legisladores da coalizão de esquerda.

A situação, porém, ao contrário do que é pregado pela mídia, não foi uma batalha entre a frente de esquerda pela democracia contra uma extrema-direita neofascista que destruiria a França. Temos, na verdade, a ascensão de uma extrema-esquerda que pode tirar a França dos trilhos.

A recém-formada Nova Frente Popular terminou à frente da coalizão de centro-esquerda do presidente Emmanuel Macron. O triunfo eleitoral da nova aliança foi um choque para muitos, após décadas em que a esquerda francesa foi definida por suas profundas divisões. Mas os fortes resultados do movimento anti-imigração de Le Pen no primeiro turno inspiraram as várias forças de esquerda do país a se unir.

Compreenderemos a situação por tópicos:

Macron subestimou a insatisfação francesa

Macron convocou eleições antecipadas no mês passado, depois que sua coalizão foi derrotada pelo Reagrupamento Nacional (partido de Le Pen) nas eleições para o Parlamento Europeu, apostando que a perspectiva de um governo de direita pressionaria os eleitores franceses a reafirmar seu governo.

Embora no domingo ele parecesse ter acertado sobre como a população responderia à ameaça do primeiro governo de direita do país desde a Segunda Guerra Mundial, ele parece ter subestimado o apelo da esquerda.

No primeiro turno, a Nova Frente Popular ficou em segundo lugar, com 28% dos votos, atrás dos 33% dos votos a favor do Reagrupamento Nacional de Le Pen. A aliança de centro-esquerda de Macron obteve apenas 21%.

Uma coalizão inusitada

A Nova Frente Popular é uma aliança de última hora, nascida da necessidade, que reúne dois partidos de esquerda — o Partido Socialista e o Partido Verde — e dois movimentos de extrema-esquerda — a França Aberta, de Jean-Luc Mélenchon, e o Partido Comunista.

As eleições francesas são decididas distritalmente. Enquanto o Reagrupamento Nacional e a Nova Frente Popular tiveram mais de trinta candidatos, cada um que obteve mais de 50% dos votos eleitos diretamente para o Parlamento, outros distritos foram para um segundo turno entre os dois ou três candidatos mais votados.

Nos distritos onde os candidatos de Le Pen obtiveram uma vitória apertada, a aliança de esquerda de Macron e a coalizão centrista uniram forças, encorajando os candidatos mais fracos a desistir das urnas. Assim, mais de duzentos candidatos de esquerda desistiram de suas posições no segundo turno para evitar a divisão dos votos.

No domingo, o líder do Reagrupamento Nacional, Jordan Bardella, que seria o primeiro-ministro em um governo de direita, condenou a “aliança de desonra e perigosas correções eleitorais” que, segundo ele, não apenas impediu seu partido de conquistar a maioria, mas também interrompeu o processo democrático. “Ao paralisar deliberadamente nossas instituições, Emmanuel Macron não apenas empurrou o país para a incerteza e instabilidade”, disse Bardella, “ele também privou os franceses de uma resposta para seus problemas diários por muito tempo”.

Uma vitória de propaganda ou com poder efetivo?

Embora a Nova Frente Popular tenha permanecido na liderança, está longe de garantir uma maioria parlamentar. A menos que membros moderados da aliança consigam formar um governo com os aliados de centro-esquerda de Macron, a França pode ser mergulhada em um impasse político.

Após as primeiras exibições no domingo, Mélenchon, a figura mais conhecida da aliança, que falaremos mais a seguir, pediu a Macron que convidasse o bloco a formar um governo.

“O presidente deve se curvar e admitir essa derrota sem tentar evitá-la”, disse Mélenchon. “Nenhum subterfúgio, arranjo ou combinação seria aceitável” para remover sua coalizão do poder, acrescentou.

Mas mesmo alguns dentro da coalizão de esquerda consideram Mélenchon radical demais. Formado com a intenção expressa de derrotar Le Pen, resta saber se seus membros podem continuar a resolver suas diferenças e apresentar uma frente unida.

Antes mesmo da votação desta quinta-feira, François Ruffin, uma das figuras mais carismáticas da esquerda, rompeu com Mélenchon, chamando-o de “obstáculo” e dizendo que não se alinharia mais à esquerda radical na Assembleia Nacional se fosse reeleito.

Macron disse que a extrema-esquerda é tão perigosa quanto a extrema-direita, particularmente o partido de Mélenchon, e alegou no mês passado que a aliança inclui partidos que propagam o antissemitismo.

Para formar a aliança, os partidos de esquerda tiveram que acertar um candidato por circunscrição. Para frustração da esquerda “moderada”, que inclui o Partido Socialista, que moldou por muito tempo a política francesa, o partido de Mélenchon ganhou uma cota especialmente alta de candidatos.

Nesta segunda-feira, 08 de julho, o atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, renunciou ao seu cargo, como é praxe, porém a renúncia foi negada por Macron, que lhe solicitou que permanecesse no cargo por hora. Macron anunciou que vai esperar para ver como a Assembleia Nacional, que será instalada em 18 de julho, está “estruturada” para decidir quem ele nomeia como próximo primeiro-ministro, segundo a Presidência.

Marine Le Pen, lamentou a derrota do seu partido, mas lembrou que duplicaram o seu apoio, razão pela qual considerou que “lança as bases para a vitória futura. Apesar de termos toda a estrutura conta nós, incluindo a imprensa, que tomou partido nesta campanha”. Le Pen, apontou que em dezenas de zonas eleitorais, a direita está a um ou dois pontos da vitória, mostrando um crescimento constante dos movimentos de direita. “A maré está subindo, não o suficiente desta vez, mas continua subindo. É uma vitória adiada”, disse Le Pen, que finalizou colocando Macron contra a parede: “O que ele vai fazer agora? Nomear Mélenchon como primeiro-ministro?”.

A bomba relógio Jean-Luc Mélenchon

Mélenchon, de 72 anos,  é o líder do Movimento França Insubmissa. Iniciou a sua carreira política no Partido Socialista (PS) em 1976, e depressa ascendeu nas suas fileiras. Ele foi eleito senador pelo departamento de Essonne em 1986 e ocupou o cargo até 2009. Durante seu tempo no PS, Mélenchon assumiu várias funções, sendo a mais proeminente a de Ministro Delegado para a Educação Profissional no governo de Lionel Jospin entre 2000 e 2002.

Insatisfeito com a liderança moderada do PS, Mélenchon decidiu em 2008 fundar o Partido de Esquerda (Parti de Gauche), alinhando-se ao Partido Comunista Francês para formar a Frente de Esquerda (Front de Gauche). No entanto, seu verdadeiro destaque se consolidou em 2016 com a criação do França Insubmissa, movimento que reúne diversos setores da esquerda e promove uma plataforma antineoliberal.

Mélenchon concorreu à presidência em 2012, 2017 e 2022. Na eleição de 2017, ele obteve expressivos 19,58% dos votos no primeiro turno, ficando em quarto lugar. Sua plataforma inclui propostas contundentes, como a convocação de uma Assembleia Constituinte para estabelecer uma Sexta República para substituir a atual Quinta República, a fim de reformar profundamente as instituições políticas e promover uma democracia mais direta e participativa, segundo o próprio.

Nas eleições deste domingo, a coalizão frente popular, que possui Mélenchon como sua figura de proa, terminou em primeiro lugar conquistando 182 cadeiras no parlamento. Mélenchon afirmou ser o porta-voz do bloco de esquerda e disse estar “pronto para governar”. Ele pediu a Macron que os convide a formar um governo: “A derrota do presidente da República e de sua coalizão está claramente confirmada. O presidente deve se curvar e admitir essa derrota sem tentar evitá-la”.

Seria costume que Macron, que pode permanecer presidente até 2027, oferecesse o cargo de primeiro-ministro ao líder da maior aliança ou partido no Parlamento. Mas a aliança de esquerda parece fraca demais para conseguir formar um governo relativamente estável no momento.

O perfil de Mélenchon e suas políticas como possível primeiro-ministro podem colocar a França em uma rota perigosa. Suas propostas incluem implementar um salário-mínimo de 1.400 euros líquidos por mês, uma reforma tributária para taxar mais as grandes fortunas, a transição para um modelo econômico ecológico que favoreça as energias renováveis e a rejeição do uso da energia nuclear. Além disso, Mélenchon defende a saída da França da Otan e a renegociação de tratados europeus para priorizar a soberania nacional e a solidariedade entre os povos.

Internacionalmente, Mélenchon expressou forte apoio a movimentos de esquerda na América Latina, especialmente ao chavismo na Venezuela, o que lhe rendeu críticas e admiração. Ele é conhecido por sua postura crítica em relação às intervenções militares ocidentais e defende um mundo multipolar, tal qual Dugin e Putin.

No momento, a rejeição a seu nome é alta no congresso recém-eleito, ele é o oposto de um candidato de consenso, tão odiado pela coalizão centrista de Macron quanto por sua própria coalizão.

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