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O verdadeiro pecado de Adão

Qualquer crítica feita a alguém precisa necessariamente considerar o grau de liberdade que essa pessoa tem para agir. Só comete pecado quem é livre para tomar decisões erradas. Se não houvesse liberdade seriam todos inocentes, reféns de um destino determinado desde fora. Se não queremos tratá-los indiscriminadamente como inimputáveis, precisamos aceitar sua liberdade como um fato.

Quem é livre, porém, jamais se resigna a limites pré-estabelecidos sobre sua capacidade de conhecer as coisas. Quem tem liberdade para pensar vai tentar pensar cada vez mais, entender cada vez mais, ampliar sua cognição. Este é um movimento irresistível e por isso Aristóteles dizia que nos homens há um desejo natural pelo conhecimento. 

A própria narrativa sobre o pecado de Adão ensina menos sobre a desobediência do que sobre a liberdade. Se ele tomou o fruto é porque ele podia fazer isso, era livre para tanto. Na verdade, seu ato representa não o exercício ilegítimo de sua liberdade, mas a extrapolação dele. O homem reivindicou autonomia, quis entender as coisas por si mesmo. Por isso, foi chamado, a partir disso, conhecedor do bem e do mal, o que significa ser determinador da verdade. 

De qualquer forma, não consigo criticar os homens por seu impulso emancipatório, mesmo sabendo que foram muito longe nessa empreitada. O erro parece-me estar mais na forma do que no objetivo. O problema não foi querer saber mais, perscrutar a realidade, mas fazer isso sem auxílio, com certa arrogância, sem a ajuda daquele que gerou a realidade. Deus os fez livres e estou certo de que jamais exigiu deles que abdicassem de sua liberdade; mas estou certo também de que Deus queria ajudá-los nesse processo de desenvolvimento do conhecimento e da autoconsciência.

A rebeldia humana não foi querer conhecer-se melhor, mas tentar fazer isso por conta própria. O grande drama do Gênesis não foi o anseio pelo exercício da liberdade que já possuía, mas o desejo desenfreado por autonomia. O mundo ─ inclusive, os próprios homens, como, por um lado, objeto dele ─  estava disponível para ser explorado, investigado. Tenho convicção de que o plano de Deus era conduzi-los nessa aventura. Porém, eles se rebelaram porque invejaram os deuses. Não se contentaram em ser livres, quiseram ser soberanos.

A continuação dessa história todos já sabem: o pecado adâmico impregnou-se na natureza e tornou-se uma tendência inescapável da humanidade. A partir dele, a sina humana passou a ser repetir, continuamente, o ato do homem original e buscar ininterruptamente alargar a própria autonomia, tentando compreender a realidade sem qualquer ajuda externa. Nessa empreitada, aprofundaram a autoconsciência ─ é verdade ─ mas também geraram muita confusão.

Houve um momento, por volta do século XVIII, que, finalmente, os indivíduos pareciam poder se declarar livres da dependência das autoridades externas e estar aptos a dizer como as coisas são. No entanto, foi nesse exato momento que perceberam que seus recursos pessoais eram insuficientes para entender a realidade; perceberam que não podiam confiar no testemunho de seus próprios sentidos e concluíram que fora de seu mundo interior nada poderia ser considerado certo; que apenas de seus conteúdos internos poderiam afirmar algo. 

A humanidade rompeu com o mundo e lançou-se numa queda vertiginosa para dentro de si mesma. Dessa aventura, restaram indivíduos fechados em suas imagens internas, presos em seu universo interior, onde o mundo externo chega apenas com ruídos fracos e plácidos reflexos. Cada um tornou-se sua própria caverna, onde sua alma vive acorrentada, olhando apenas as sombras da realidade, tratando-as como se fossem a realidade mesma. 

Os homens acabaram, paradoxalmente, aprisionados em sua própria liberdade e desde essa prisão interior eles clamam por alguém que lhes resgate dessa penumbra. Envoltos em escuridão, pedem uma luz. Absortos na absoluta incapacidade de dizer o que a realidade é, esperam que alguém lhes mostre o caminho da verdade. O problema é que, encarcerados dentro de si mesmos, já não são capazes de discernir a origem das ajudas que lhes são oferecidas desde fora e acabam aceitando o socorro das primeiras vozes que lhes parecem fazer algum sentido. Não por acaso, estão sendo constantemente enganados.

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