Edição Mineira, Belo Horizonte, 5/1/1983 – Ano I, n° 45, Semanário
O líder da Igreja tradicionalista (sic), professor Plinio Corrêa de Oliveira, inicia a nossa série Grandes Debates, abordando o tema que está apaixonando a opinião pública brasileira: o aborto. Ele expressa, com fidelidade, o pensamento de muitos segmentos da nossa sociedade. Suas posições contra o aborto são inflexíveis e, através de argumentações bem fundamentadas, Plinio Corrêa de Oliveira faz uma exposição que merece ser lida, pensada e refletida por todos. Nas próximas edições, vamos expressar os pontos de vista de outras personalidades para que os leitores tenham uma visão mais ampla do problema, antes de dizer “sim” ou “não” ao aborto.
Aborto sim ou não?
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O Papa João Paulo II tem sido muito enérgico nas suas pregações contra o aborto. Como o Brasil é o maior país católico do Mundo, a Edição Mineira abre a sua série Grandes Debates, com o tema que é mais discutido em todos os níveis da sociedade.
Você é a favor ou contra? Há uma profunda divisão na opinião pública, consequência da falta de informação sobre o assunto. Para que o povo brasileiro tenha condições de se posicionar diante do problema, vamos ouvir as maiores autoridades no assunto, todas as semanas. Desta vez a palavra é de Plinio Corrêa de Oliveira, professor da PUC, de São Paulo, e pensador da Igreja Católica tradicionalista. Ele é radicalmente contra. Leia-o, por favor. Depois pense, analise e reflita. (Entrevista a A. Conceição do Rio Branco).
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Edição Mineira (EM) — Dr. Plinio, um canal de televisão de difusão nacional está focalizando o tema do aborto de maneira às vezes tendenciosa e sensacionalista. O Sr. julga benéfica essa abordagem do assunto sem que vozes do pensamento católico sejam ouvidas?
Plinio Corrêa de Oliveira (PCO) — A Igreja Católica foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo como mestra da moral. Excluí-la de qualquer assunto de natureza moral é, pois, excluir o próprio Jesus Cristo, o que infelizmente não é raro acontecer em órgãos de comunicação social de nossos dias.
EM — Como o Sr. julga que deveria ser o debate para agir como instrumento de real esclarecimento do público?
PCO — Parece-me pelo menos questionável a conveniência de que assuntos desses sejam debatidos pela televisão. Pois o formidável poder de penetração desta põe-na ao alcance do ouvido até de qualquer criança curiosa. E matéria tal não convém indiferentemente a qualquer pessoa de qualquer idade.
Vejo televisão raríssimas vezes. Não estou acompanhando, portanto, o debate de que o Sr. me fala. É de desejar que se esteja dando invariavelmente nos termos doutrinários e técnicos elevados que o direito à vida impõe. Pois é obviamente do direito do nascituro à vida, que se trata.
EM — Nesses casos, teria sido mais consentâneo com o clima de abertura política que todas as correntes fossem ouvidas sem privilegiar nenhuma?
PCO — Bossuet, o grande pregador francês do século XVII, afirmou certa vez que “a verdade, para ser julgada, só pede ser ouvida”.
Não sei se é só isso que a verdade pede, e se a bela afirmação do grande pregador não tem algo de categórico demais. Mas, em todo caso, ser ouvida a verdade o pede.
Não compreendo um debate em que se tenha medo de ouvir qualquer argumento, qualquer voz, qualquer pessoa.
Tudo isto é verdadeiro, com ou sem abertura. Mas em clima de abertura, essa veracidade se torna ainda mais flagrante.
EM — O Sr. considera que o debate seria mais idôneo se num país de maioria católica, as vozes expressivas do pensamento católico tomassem a dianteira? Por que julga que isto não está acontecendo? Pareceria que os defensores do aborto estão mais ativos.
PCO — O direito da Igreja de Jesus Cristo de ser ouvida não lhe vem da maioria, mas do próprio Jesus Cristo, o qual foi igualmente Mestre quando a multidão o glorificava cantando “Hosana ao filho de Davi”, como quando ululava: “Crucifica-O”.
A negação do Divino Mestre obviamente é ainda mais censurável em um país católico, no qual a imensa maioria dispõe de meios, inclusive pacíficos e inteiramente legais, para conseguir que a voz do Divino Mestre nunca seja recusada ou omitida.
Alheio até agora ao debate de que o Sr. me fala, não estou em condições de entrar em pormenores sobre a pouca participação dos católicos nesse. Porém, de modo geral, e como católico, tenho uma observação a fazer a esse respeito.
Seria falso dizer que o Clero de nossos dias – e, em consequência, os meios católicos mais imediatamente influenciados pela ação dele – se mostrem inertes na pregação da Moral cristã. Pelo contrário, aquele e estes noto-os ativos. E muitas vezes até excitados. Invulgarmente excitados. Mas é frequente que essa atividade se concentre tão insistentemente nos pontos da Moral concernentes às relações capital-trabalho, que os outros pontos essenciais da Doutrina Católica ficam relegados a segundo plano.
Lembro-me, por exemplo de certa declaração do Cardeal D. Eugênio Sales, na imprensa carioca (“Se a Igreja no Brasil tivesse lutado como o cardeal Motta, o divórcio não teria sido aprovado”, O Globo, 21-9-1982, n.d.c.), feita em louvor do Cardeal Mota. Referindo-se a uma enérgica intervenção do então recentemente falecido Prelado mineiro contra o divórcio, o Cardeal Sales comentava que esta medida destruidora da família talvez não tivesse vencido anos depois, se a nova investida divorcista tivesse encontrado da parte dos Bispos do Brasil a mesma firmeza. À vista da criteriosa observação do Purpurado do Rio, salta-me à vista o contraste: vejo incontáveis clérigos entregues a uma obsedante insistência em matéria de relações capital-trabalho, aliás quase sempre num sentido esquerdista. E temo que na luta contra o aborto se passe algo ainda muito mais acentuado do que em relação ao divórcio.
EM — O que pensam os Papas, especialmente João Paulo II, sobre o aborto?
PCO — Há quem aponte diversidade entre atitudes dos Papas pré-conciliares e pós-conciliares. Mais concretamente, entre a longa sucessão de Papas que vai de São Pedro a Pio XII, e a que começa com João XXIII, continua com Paulo VI, sem se interromper no efêmero Pontificado de João Paulo I, se vem estendendo através do Pontificado de João Paulo II.
Seja como for, a condenação do aborto é bem caracteristicamente um ponto em que tal diversidade não pode ser apontada. Visitando a Espanha em novembro passado, João Paulo II pronunciou uma alocução das mais enérgicas contra o aborto. Infelizmente, o PS espanhol, vitorioso nas eleições de 28 de outubro, propôs logo depois um projeto de lei introduzindo o aborto na nação dos Reis Católicos. É o socialismo sempre igual a si mesmo por toda a parte…
Lembro de passagem que a TFP espanhola publicou, contra esta atitude do PS espanhol, um Apelo reluzente de espírito de fé e de energia, o qual está tendo na Espanha ardorosa e geral acolhida. Mas isto já é outro assunto…
EM — Se o aborto for aprovado na esteira da atual campanha publicitária, que consequências o Sr. prevê para a sociedade brasileira?
PCO — Em recente declaração, a Hermandad Sacerdotal, prestigiosa organização que congrega membros do Clero espanhol, afirmou que cada aborto constitui um assassinato. É isto absolutamente óbvio.
Assim, à medida em que a impunidade legal venha a favorecer no Brasil que o aborto se introduza em nossos costumes, ocorrerá um número infinitamente crescente de assassinatos.
Tudo isso abre como que um rio de pecados a “bradarem aos céus clamando por vingança”. A expressão enérgica está até nos Catecismos.
Pode haver coisa mais terrível para um país?
No plano social, os efeitos do aborto são claros. De um lado, a ausência de frutos nas chamadas uniões livres só pode concorrer para multiplicá-las. De outro lado, os vínculos do matrimônio são debilitados pelo aborto. Com efeito, quanto mais numerosos os filhos, tanto mais se robustecem os vínculos afetivos e morais entre os pais.
Tudo isto redunda em mais um fator de debilitação do matrimônio e da família, e, portanto, de toda a sociedade brasileira.