Publicado na Folha de São Paulo, em 29 de novembro de 1987
Não é como Presidente do Conselho Nacional da TFP, que comento hoje um fato de alta importância de nossa conturbada realidade nacional. Faço-o enquanto mero observador do que se desenrola aos olhos de todos. Se, para caracterizar tal fato, exemplifico com uma realização atual da TFP, é por ser o exemplo frisante, e constituir, assim, cômodo instrumento de trabalho.
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Tenho em vista patentear a desproporção entre a importância verdadeiramente histórica de vários dos temas suscitados no decurso dos debates da Assembleia Constituinte, e a participação da cultura na maturação de tais debates. Dir-se-ia que, quanto mais importante um tema, tanto mais deveriam ser sequiosos os nossos constituintes, bem como os setores políticos, sociais ou econômicos interessados nesse tema, em ouvir os especialistas (que já há tempo os temos em apreciável número, e com competência indiscutível) cujo pronunciamento elevasse os estudos preparatórios, e os próprios debates, ao nível a que nossa Pátria faz jus.
Por “ouvi-los” não entendo aqui apenas recolher-lhes, de quando em vez, a mídia, alguma rápida declaração, mas dar-lhes ampla ocasião de desenvolverem ante públicos, ora mais, ora menos cultos, mas em todo caso qualitativa ou quantitativamente importantes, as observações, ponderações e argumentações resultantes da cultura e da erudição que têm acumuladas.
Objetará talvez alguém não ser tal possível, por efeito das velocidades vertiginosas da vida moderna, incompatíveis com as exposições intelectuais de alta seriedade, cuja expressão falada ou escrita exige do “homem da rua” atenção e tempo que ele não lhes consegue dar.
Porém, a objeção não colhe. Dispostas as coisas segundo sua ordem natural, o conteúdo dos trabalhos intelectuais se difunde naturalmente na massa por um processo comparável a um curso de água que, brotando cristalino no alto de um monte, vai descendo em cascatas sucessivas, até espraiar-se largamente pela planície adjacente. Os trabalhos intelectuais de alto quilate devem irrigar de imediato os setores mais cultos; e, desses, através de divulgadores de talento e seriedade, alcançar por sua vez públicos de capacidade cultural sucessivamente menor, até atingir, por fim, as multidões. Pois cada divulgador é, de per si, um condensador. E, obviamente, cada nível de condensadores vai adaptando a matéria versada, às condições rebarbativas da lufa-lufa contemporânea.
Através dessa ação publicitária no melhor sentido do termo, com o valioso auxílio da mídia, pode constituir-se uma opinião pública ponderada e instruída, capaz de dar sua imprescindível cooperação para que tenha consistência e seriedade o regime representativo.
Uma vez que esteja em vigor, em nosso País, um regime democrático representativo, não posso compreender quem aceite com conformismo o alheamento da opinião pública em relação aos temas grandes e sérios sobre os quais o regime a chama a pronunciar-se em nível soberano, através da Constituinte. Pois numa democracia, em que a força decisiva do voto cabe ao grande público, aceitar com indiferença que este não disponha de tempo para consagrar aos grandes temas do bem comum um mínimo de informação, reflexão e análise, é absolutamente o mesmo que dizer que no País está entronizada a incompetência. Ou seja, que é normal correr ele, em meio à balbúrdia, à brigaria caótica e vazia de sentido, e à vulgar competição de interesses, rumo ao abismo.
Ora, tal é precisamente o que nos vai sucedendo…
Naturalmente, para encher os horários das TVs e os espaços dos diários com alguma matéria atinente à “res publica”, os responsáveis pela mídia – postos diante desse quadro – são frequentemente induzidos pelas circunstâncias a adotar uma solução insuficiente. De um lado, publicam de quando em quando algum estudo de real valor. E o mais é preenchido “tant bien que mal” por narrações ou análises de aspectos perfeitamente secundários do que ocorre. Por exemplo, ao noticiar uma sessão de Comissão da Constituinte, encarregada de apresentar proposta sobre questão de alta importância, muitos repórteres deixarão na penumbra o mérito do tema, mas realçarão ao máximo o episódio divertido de um microfone que o deputado “A” roubou, ou da descompostura que o senador “B” despejou sobre “C”.
O recurso ao imprevisto, ao irregular, ao vulgar, é, segundo muita gente, o único modo de atrair a atenção geral. De onde os programas de rádio e TV e as folhas dos jornais gotejarem tantas vezes matérias indignas de classificação do ponto de vista moral ou intelectual, nas quais a invectiva e a réplica amolecadas fazem as vezes de argumento, o insulto e a calúnia são admitidas como armas de guerra válidas… e a pornografia é o atrativo supremo.
Tudo isto posto, é inevitável que a polêmica deixe de ser a nobre e desinteressada esgrima dos argumentos, se transforme no “rugby” vulgar da difamação, e perca sua seriedade e sua destreza, sob a ação da peculiar coceira causada pelo fuxico.
E vem a este propósito o caso da TFP.
Ao longo de seus 27 longos e afanosos anos de existência, publicou ela 35 obras, escritas por sócios da entidade, ou por personalidades ostensivamente solidárias com ela. Destas obras, mais de uma foi verdadeiro “best-seller”, com tiragens impressionantes. Nelas se encontra exposto o pensamento da TFP, de modo sereno, documentado, fundamentalmente sério. E o público absorve com simpatia e interesse incontestáveis, esse material publicitário que muitos imaginariam ser absolutamente impopular.
Também ao longo desses 27 anos de peleja, a TFP vem sendo fortemente discutida. O que fez dela uma das organizações mais conhecidas do Brasil, com tal repercussão até no Exterior, que dessa mesma repercussão foram nascendo, em três continente, 14 coirmãs autônomas…. com outras em vias de fundar-se.
De que nível é a réplica a essas obras? A pergunta faz sorrir. Pois, para que algo tenha nível, é preciso que exista. E, de modo geral, esta réplica não existe! Por exemplo, de uma das mais antigas, “Reforma Agrária – Questão de Consciência“, editada em 1960, reconhece-se frequentemente ter sido tal sua influência sobre o público que contribuiu ponderavelmente para a formação do ambiente ideológico que propiciou a destituição do Presidente João Goulart.
Entretanto, que réplica teve ela, de proporcionado porte? Nenhuma.
Contra a TFP desencadearam-se, nesses 27 anos, nada menos que 14 ofensivas publicitárias violentas. Todas elas recorrendo ao diz-que-diz, à imaginação difamatória, etc. Por exemplo, na de 1975, pretendeu-se que a TFP punha em risco a estabilidade das instituições porque ensinava caratê a seus membros. E daí para frente.
E chegamos assim à Constituinte, ao papel da TFP ao longo dela etc.
Mas se vai alongando por demais a introdução ao tema com que de início acenei. Fico, pois, por aqui, na esperança de que, em próximo artigo, entrando de chofre no tema, o exponha cabalmente.