PHVOX – Análises geopolíticas e Formação
Daniel Ferraz

Sobre a Revolução

Um dos grandes avanços do debate tupiniquim acerca dos problemas do país foi, indubitavelmente, trazer à luz o problema do conceito de revolução. A pauta do debate suscitou paixões dos mais diversos fronts. Entretanto, como toda massificação é prejudicial para a vida intelectual, um conceito que deveria ser tratado historicamente e cientificamente, tornou-se mais um chavão acusatório nas inúmeras correntes ideológicas presentes. Isto é, cada corrente ideológica acusa a outra de ser revolucionária e nenhuma explica o conceito apropriadamente – nem mesmo dentro do quadro geral de seu sistema de idéias. Ademais, a quimera geral do subjetivismo religioso contemporâneo, no Brasil, faz com que a revolução seja tratada apenas em âmbito político-prático e temporal, sem atingir seu fundamento metafísico.

Diz Monsenhor de Ségur¹:

“A Revolução não é uma questão puramente política; é também uma questão religiosa, e é unicamente deste ponto de vista que falarei aqui. A Revolução não é apenas uma questão religiosa, mas é a grande questão religiosa de nosso século. Para convencer-se disso, basta refletir e esclarecer.

Vista em seu sentido mais geral, a Revolução é a revolta constituída como princípio e direito. Não é o fato da revolta em si, já que em todas as épocas houve revoltas. É o direito, é o princípio da revolta tornando-se regra prática e o fundamento das sociedades. É a negação sistemática da autoridade legítima.

É a teoria da revolta, é a apologia e o orgulho da revolta, a consagração legal do princípio de toda revolta. Não é apenas a revolta do indivíduo contra o seu superior legítimo – esta revolta apenas chama-se desobediência, mas é a revolta da sociedade enquanto sociedade… A característica da Revolução é essencialmente social e não individual.

Existem três regras na Revolução: 1) A destruição da Igreja, como autoridade e sociedade, religiosa, protetora das demais autoridades e sociedades. Nesta primeira fase, que nos interessa diretamente, a Revolução é a negação da Igreja, negação erigida como princípio e formulada como direito; é a separação da Igreja e do Estado com o objetivo de desimpedir o Estado e de remover-lhe o apoio fundamental; 2) A destruição dos tronos e da autoridade política legítima, inevitável consequência da destruição da autoridade católica. Esta destruição é a última palavra do princípio revolucionário da democracia moderna e do que chamamos hodiernamente de soberania do povo. 3) A destruição da sociedade, quer dizer, da organização que ela recebeu de Deus; noutras palavras, a destruição dos direitos da família e da propriedade, em proveito de uma abstração que os doutores revolucionários chamam de Estado. É o socialismo, termo da Revolução perfeita, a última revolta, a destruição do derradeiro direito. Nesta fase, a Revolução é, ou logo será, a destruição total da ordem divina sobre a terra, o reinado perfeito de Satã no mundo.

Claramente formulada pela primeira vez por Jean-Jacques Rousseau, depois em 1789 e 1793 pela revolução francesa, a Revolução mostrou-se desde suas origens inimiga encarniçada do cristianismo; ela golpeou a Igreja com um furor que recordava as perseguições do paganismo; fechou ou destruiu as Igrejas, dispersou ordens religiosas, atirou na lama as cruzes e as relíquias dos santos. Seu furor espraiou-se na Europa inteira; ela abalou todas as tradições, e num momento creu destruir o cristianismo, que ela chamava com desprezo uma velha e fanática superstição.

Sobre todas essas ruínas, ela inaugurou um novo regime de leis ateias, de sociedades sem religião, de povos e reis absolutamente independentes. Há sessenta anos, ela cresceu e espalhou-se pelo mundo inteiro, destruindo por todo lugar a influência social da Igreja, pervertendo inteligências, caluniando o clero, minando pela base todo o edifício da fé.

Do ponto de vista religioso, podemos defini-la: a negação legal do reino de Jesus Cristo sobre a terra, a destruição social da Igreja.

Combater a Revolução é um ato de fé, um dever religioso antes de qualquer coisa. Além disso é um dever do bom cidadão e do homem virtuoso, pois é a defesa da pátria e da família.”

 

Como bem destaca Monsenhor de Ségur, revoltas sempre existiram durante a História. Sobretudo as boas revoltas. É dever de estado de todo homem virtuoso revoltar-se contra um estado de coisas que afronta o Bem, a Verdade e o Belo. O pacifismo defronte aos malfeitores denota falta de verdadeiro amor ao próximo. Nenhum pragmatismo deve ser aceito em detrimento da defesa sincera dos princípios eternos e imutáveis que norteiam nossa ação prática. E, em síntese, se se defende esses princípios, é preciso fazê-lo na mais humilde obediência à Causa Primeira de todas as coisas.

Eis a Revolução: a negação da humilde obediência e o louvor do orgulho soberbo. A revolução inicia-se com o mesmíssimo brado de Lúcifer a Deus: non serviam. Esse brado reaparece na História das revoluções quando da negação do Corpo Místico de Cristo, do Logos Encarnado, da Criação ex-nihilo e da busca incessante pelo paraíso terrestre, analoga às Três Idades Joaquimitas que são uma paródia historicista e imanentista da Santíssima Trindade.

O Estado moderno e seus tentáculos aparecem como uma espécie de Igreja Biônica que, através do laicismo, subjuga todos os credos como se fossem espécies do mesmo gênero e, portanto, torna-se à própria divindade que progride com o tempo. E são inúmeras as pessoas que, dizendo-se “conservadoras” dos bons costumes e hábitos, defendem esse esquema maligno contra o Reinado de Cristo. Cristo é Verdadeiramente Deus e Verdadeiramente Homem. Contudo, ao negarmos uma das características da União Hipostática, inevitavelmente defenderemos que Cristo não deve reinar no tempo, mas apenas numa salvação abstrata, sem pontes racionais e temporais. Ora, mas dizia Santo Agostinho que o tempo é uma imagem móvel da eternidade, sendo assim, estamos sujeitos aos ditames eternos mesmo com a nossa natureza decaída. A chave, portanto, para se compreender a Revolução contra Cristo e sua Igreja, é o encontro da natureza com a Graça.

Muitas são as formas de se afastar o homem da graça. Historicamente os revolucionários foram estruturando cada vez mais os métodos de manipulação psicológica e social para tanto. Nos dias atuais é possível manipular cognitivamente massas inteiras de pessoas sem nenhum contato físico. O reino do iníquo toma, assim, proporções inimagináveis. Se a realidade não passa de mera ilusão que engana os nossos sentidos sensíveis (sendo cinco externos e quatro internos), se torna fácil convencer um grande número de pessoas que elas têm direitos e mais direitos de se libertarem desse engano mediante suas diversas vontades particulares. O sujeito, portanto, é absoluto e irrefreável.

Ora, mas se são direitos, alguém tem de obrigatoriamente garanti-los. Não existem direitos sem obrigações e deveres de algum terceiro. Eis a enganação total: é preciso exigir cada vez mais direitos que jamais serão atendidos – a não ser por uma capa propagandística – até implodir o tecido social e a ordem pré-estabelecida por Deus. A realidade é enganação, Deus é um ser puramente arbitrário e cruel, nós somos livres para fazer o que nos der na telha. Eis o esquema infantil e birrento que leva almas e mais almas para o abismo da Revolução.

Platão defendia que a ordem política é também a ordem da alma, dos bons ideais realistas e universais, que unem o tecido social no objetivo do bem comum. Com o Cristianismo temos o entendimento de que essa ordem não nasce meramente da artificialidade dos sujeitos, mas de leis naturais metafísicas impressas na alma de cada ser humano que, desta forma, faz com que esse ser se una naturalmente em sociedade. Já os revolucionários acreditam no completo inverso. E priorizam a liberdade como se fosse um ato contínuo, e não mais uma potência da vontade para aquilo que é objetivamente bom. A vontade torna-se auto-reguladora dos atos humanos e também do intelecto. O voluntarismo exacerbado, irracional e subjetivista.

Na religião esse voluntarismo trouxe a completa desgraça. A fé católica torna-se produto de um mero sentimentalismo do sujeito. Aquilo que o sujeito considera fé torna-se a fé. Não são mais necessários o corpo clerical, os dogmas, os sacramentos e os mandamentos divinos. O que precisamos é de tolerância. Uma falsa tolerância religiosa que afronta a Verdade e os preâmbulos da fé.

Eis o papel da Maçonaria: trazer, através de sua mística esotérica, os conceitos do laicismo, da libertinagem religiosa e da falsa tolerância em relação à fé. Pois a intenção é destronar a Cristo das sociedades para que se reine seu Deísmo naturalista, impessoal, abstrato e sem quaisquer fundamentos cristãos. E disto postula-se que do liberalismo essencial (non serviam), nasce, como aponta Monsenhor de Ségur, a revolta revolucionária contra Deus: o comunismo.

Para jogar a pá de cal revolucionária na forma mentis cristã na pós-modernidade, temos toda sorte de revoluções sadolibertinas, estruturadas por engenheiros sociais de primeiríssima ordem, que culmina no que hoje chamamos de Inteligência Artificial e Transumanismo. A mais “nova” tentação da Elite Satânica que pretende, enganosamente, levar as pessoas ao paraíso terrestre.

E o pior, caro leitor! E o pior!

Muitas pessoas realmente acreditam que a Fundação Rothschild, Soros, Ford, Oak, Facebook, Google, Microsoft, etc., querem o seu bem e que estão garantindo os direitos das ditas “minorias”!

Alcançamos o ápice da estupidez humana em larga escala!

Mais do que nunca, o apelo que devemos fazer a nós mesmos diante do estado de coisas é desejar, fervorosamente, a conversão dos próprios cristãos à verdadeira fé e à verdadeira Igreja de Cristo. Sem um clero santo e sem cristãos santos não poderemos vislumbrar quaisquer ações culturais e políticas. E somos chamados a combater o bom combate, a carregar a nossa Cruz e ajudar ao próximo conquanto este esteja com o coração aberto para receber a Graça.

Utopia não é crer que conseguiremos levar almas e mais almas para a Verdade, pois este milagre acontece todos os dias, mas é utopia crer que conseguiremos ajudar essas almas a se salvarem se nós mesmos acreditarmos no sentimentalismo pós-moderno e materialista da salvação intramundana.

Fica para a reflexão.

 

¹ – Monsenhor de Ségur – A Revolução, tópico 3.

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