Publicado originalmente como “Empulhação monstruosa” no MSM, em 01 de setembro de 2007
(…) a desinformação nem sempre é obra de um desinformador a soldo de um serviço especializado. Muitas vezes testemunha um estado de espírito coletivo que inicialmente pode ter sido provocado por um desinformador ou que este possa ter desviado em seu proveito.
VLADÍMIR VÔLKOFF
Solzhenítzyn dizia que o dia em que os comunistas parassem de mentir, o comunismo afundaria. O comunismo só existe às custas de mentiras, truques sujos e mitos, o principal dos quais sendo o mito da Utopia futurista do “mundo melhor possível”, no qual eles mesmos não acreditam mas que serve muito bem para enganar os trouxas (ver nota iii).
Existem duas palavras em russo que podem ser traduzidas por verdade: právda e ístina. Enquanto a última é a verdade como oposto da mentira, a primeira é a verdade como justiça. É natural que os não iniciados nos métodos marxistas-leninistas não entendam porque um jornal que apresentava – e voltou a apresentar – a cada dia uma versão diferente da verdade chama-se “a verdade” (Právda). A razão é esta: a única verdade para os comunistas é que a verdade não existe, e a única justiça é a vontade do Partido, que pode mudar a toda hora. Právda, portanto, não é o nome de um jornal informativo, mas do veículo da verdade do Partido naquele momento. É uma “palavra de ordem”: é nisto que vocês devem acreditar hoje!
A imprensa brasileira toda, sem exceção – as raras exceções ficam por conta de alguns articulistas esparsos – transformou-se num imenso právda nacional. Na TV, nem as exceções esparsas existem porque são rapidamente demitidas. Os intelectuais “orgânicos” foram tão bem sucedidos aqui que conseguiram cumprir à risca uma das recomendações de Gramsci: não tomem quartéis, tomem redações de jornal. A obra de Vôlkoff de onde retirei a epígrafe ( Petite Histoire de la Désinformation, Éditions du Roche, 1999) deveria ser lida por todos e relida antes de ler cada jornal do dia! Entre outras preciosidades diz que, para desinformar, é desaconselhado mentir 100%, mas é preciso misturar habilmente o verdadeiro com o falso.
Tudo isto vem a propósito da maneira como foi noticiada a entrega abjeta, em tempo recorde, dos pugilistas cubanos fugitivos, à ilha-cárcere do Caribe num avião venezuelano. Se desejassem publicar a ístina e não a právda poderiam ter publicado algo como: “Lula submete-se às ordens de Fidel Castro e entrega os pugilistas cubanos foragidos a Cuba através de um avião venezuelano, sem processo de extradição julgado pelo STF, confirmando as teses do Professor Constantine Menges da existência de um eixo do mal Havana-Caracas-Brasília, divulgado há anos pelo Washington Times e pelos articulistas do Mídia Sem Máscara”. Nada disto! Já naquela época lançaram a tropa de choque capitaneada por Márcio Moreira Alves para desmoralizar Menges e o jornal
Inicialmente, tentando usar 100% de mentira, divulgaram que os dois tinham sido dopados e que teriam declarado à Polícia Federal querer retornar a Cuba por livre e espontânea vontade. Foram desmentidos pelas declarações do contratante alemão que já estava com os contratos prontos e já tinha dado entrada nos vistos de refugiados na Alemanha. Por não saber da submissão brasileira a Cuba tomou um prejuízo de € 400.000. A farsa de que não teria havido ordem de Cuba também foi desmentida pelo próprio Chanceler cubano, Felipe Pérez Roque, que do alto de sua arrogância patronal confirmou tudo. Também não deu certo a tentativa de esconder o eixo do mal ao dizer que eles tinham sido entregues às autoridades cubanas. Na verdade entregaram sim, pois a autoridade de Fidel Castro já se estende como nunca antes por grande parte da América Latina, principalmente sobre Venezuela e Brasil. Chávez e Lula não passam de sátrapas do Foro de São Paulo. E ainda existem nacionalisteiros tacanhos que acreditam numa divergência entre os dois!
Ao verificar que não dava certo e levando em consideração a indignação popular palpável nas cartas dos leitores, perceberam que teriam mesmo que seguir a recomendação de misturar o verdadeiro com o falso. Entenda-se: não se pode ceder à “sanha reacionária” de graça; se não tem outro jeito, misture-se ao protesto a idealização de algum símbolo da mitologia comunista. Invocou-se então o caso Olga Benário, um dos mais caros símbolos comunistas nacionais: “desde a entrega de Olga aos nazistas não acontecia nada disto no Brasil”. Pouco importa se for percebida a justa comparação de Castro com Hitler, e do governo Lula com a ditadura Vargas, o que importa é chamar a atenção para o outro caso com dados biográficos previamente falsificados em livros, filmes, teatro e TV. O momentâneo desprestígio de Castro e Lula é um preço a pagar e será consertado rapidamente porque o “estado de espírito coletivo” já está predisposto a isto. “A opinião pública é uma criança grande (…) a desinformação não visa à inteligência, dirige-se em profundidade a todos os níveis da sensibilidade: ao coração, às tripas, ao baixo-ventre, porque no homem as paixões sempre foram mais fortes do que a convicção” (op.cit.). E que país, além do melhor futebol, possui a maior quota de idiotas úteis sensíveis do que o Brasil? Apele-se para a sensibilidade e mais da metade do trabalho já está feito.
O mito Olga
Olga Gutmann Benário, nascida em 1908 em Munich, já aos 15 anos entrava para a Juventude Comunista Alemã. Aos 20 anos comandou o cinematográfico seqüestro de seu namorado e experiente militante comunista, Otto Braun, da prisão de Moabit, em Berlim e ambos fogem para a União Soviética. Separaram-se logo depois, Olga se tornara uma fanática comunista e Otto, um exímio escritor, não tinha o mesmo fanatismo e veio a ocupar cargos menores até 1961 quando se tornou Primeiro Secretário da Associação dos Escritores Alemães (da Alemanha comunista). Olga, já novamente casada, entra para a Academia Militar Soviética e torna-se uma profissional do serviço secreto militar (GRU [i]), assumindo a Diretoria de Agitação e Propaganda (agitprop). Sua função internacional era escolher novos dirigentes comunistas para os países nos quais a URSS tentava se infiltrar e tomar o poder.
Três anos depois dela chega a Moscou Luís Carlos Prestes que, entre 1924 e 1927 fez parte da Grande Marcha comandada por Miguel Costa que veio a ser conhecida como “Coluna Prestes”. Exilara-se na Argentina em 1928 onde estudou marxismo e finalmente foi, a convite do governo, para a URSS. Em 1934, já membro do Comitê Executivo do Komintern [ii] só foi aceito pelo Partido Comunista do Brasil por pressão do governo soviético que o preparara para uma espetacular ação militar de tomada do poder no Brasil. Prestes havia exagerado consideravelmente a extensão do seu prestígio político no Brasil, e assim fornecido ao Komintern a expectativa – completamente errônea, como se veria – de um levante comunista vitorioso. Olga é designada para acompanhar e fazer a segurança de Prestes e mantê-lo fiel à linha do Partido. Em 1935 abandona o marido por ordem do Partido, recebe passaporte falso como esposa de Prestes (“Antônio Vilar”), com o nome de Maria Bergner Vilar e ambos chegam ao Brasil via Nova York.
Em julho, Prestes divulga um manifesto incendiário e propõe a derrubada do governo Vargas, desencadeando a revolução que ficou conhecida como Intentona Comunista. A tentativa de golpe foi realizada à revelia da liderança formal do PCB, e em articulação direta com a direção do Komintern, que mantinha junto a Prestes um grupo de militantes comunistas internacionais, composto, além de Olga, do argentino Rodolfo Ghioldi, os alemães Arthur Ernest Ewert (“Harry Berger”) e sua mulher Elise, Ranieri Gonzales, Inês Túlchniska, Abraham Gurasky e outros militantes ligados ao Comitê Executivo do Komintern , num total de 22 agentes coordenados por Páviel Vladimírovich Stuchiévski e Sófia Semiônova Stúchskaya.
O movimento foi desencadeado principalmente em três Capitais: Natal [iii], Recife e Rio de Janeiro, onde foi deflagrado, simultaneamente no 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, no 2º Regimento de Infantaria e no Batalhão de Comunicações, na Vila Militar e na Escola de Aviação, no Campo dos Afonsos. Só no primeiro pereceram 28 militares. Mas o governo os derrota facilmente. Dos agentes estrangeiros apenas 9 foram presos, incluisive Olga. (Recomendo a leitura do livro Camaradas de Willian Waack, editado pela Cia. das Letras, 1993). Olga é deportada para a Alemanha, nasce sua filha Anita Leocádia em 1936 e, depois de passar pelo campo de Lichtenburg, acaba morrendo na câmara de gás do campo de concentração de Ravesnbrück em 1942.
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Até aqui os fatos. Lentamente a esquerda foi mudando os fatos para criar o mito sentimentalóide. Primeiro, a paixão entre Prestes e ela. As cartas de amor com declarações apaixonadas são um velho truque conhecido quando espiões querem se passar por amantes e não simplesmente camaradas reunidos para executar funções do Partido – note-se que não há documento algum que comprove o casamento deles, só os passaportes falsos mencionados. Oficialmente Olga continuou casada com Nikitin que foi obrigado a acatar as ordens do Partido para não morrer. Provavelmente as cartas foram redigidas pelos agentes do Komintern que realmente dirigiam o PCB, Páviel Vladimírovich e Sófia Semiônova. Não obstante, todos os fatos estão submersos em montanhas de desinformações através de livros, filmes, mini-séries, novelas, etc., para glamurizar a relação profissional entre eles, negando que entre comunistas, mormente na clandestinidade, em termos sexuais ningúem é de niguém e todos são de todos. No meu último artigo mencionei uma amiga, esposa de ex-companheiro da AP, que o abandonou porque não topou este estado de coisas.
O segundo ponto para despertar o sentimentalismo é o fato de Olga ter descoberto na prisão, ainda no Brasil, que estava grávida de Prestes e quando foi repatriada para a Alemanha estava com sete meses de gestação. Veio a dar à luz na prisão de mulheres da GESTAPO na Barnimstrasse e estranhamente para um regime cruel e assassino como o nazista, foi permitido que a filha permanecesse com ela até o fim do período de amamentação e depois entregue sã e salva a sua avó, mãe de Prestes, quando milhões de judeus de todas as idades, inclusive bebês de colo, foram gaseados e queimados. É bem verdade que a “Solução Final” ainda não estava em funcionamento, mas há algum mistério nesta “bondade” da GESTAPO. O fato de ter sido deportada grávida, notem bem, de uma futura cidadã de nacionalidade brasileira, é mostrado como ilegal. Estranho… Não são os mesmos comunistas que defendem o aborto livre porque o feto ainda não tem existência legal?
O embuste continua pelo fato de Olga ser judia. Depois do Holocausto, não há judeu que não se sinta justificadamente solidário aos seus; e nenhuma pessoa de bem que não se condoa do tratamento dado a inocentes que eram trucidados pelo simples fato de serem judeus. Mas Olga não era apenas judia e nem foi morta por isto: era agente de uma das organizações mais assassinas de todos os tempos, quantitativamente mais eficiente do que a que a matou e infinitamente pior do que o regime de Getúlio que queria derrubar. Era, portanto solidária e co-responsável pelos seus crimes.
O caso difere do dos atletas também porque houve julgamento do pedido de extradição pelo Supremo Tribunal Federal de uma pessoa procurada por condenação em seu país durante um regime democrático e com justiça independente, a República de Weimar, tão zelosa da democracia que se auto-destruiu de tão democrática! E que estava no Brasil para implantar aqui o regime criminoso e apátrida que teria megulhado o país num banho de sangue (ver nota ii). Mesmo o regime brasileiro sendo ditatorial à época, submeteu o pedido ao STF e hoje que vivemos numa democracia plena o STF nem tomou conhecimento do caso dos cubanos!
Ficam as perguntas aos leitores:
1. Que crime cometeram os atletas cubanos? A busca da liberdade? Isto é crime lá, na ditadura que Olga tentava instalar no Brasil. Mas aqui, ao menos por enquanto, não é!
2. Então, o que tem a ver um caso com o outro para serem noticiados como iguais?
Notas
[i] Na época IV Departamento do Estado-Maior do Exército Vermelho.
[ii] O Komintern (abreviatura de Kommunistítcheski Internatsional – Internacional Comunista) era uma organização de revolucionários profissionais, criada por Lenin em 1919 para implantar o comunismo em todas as nações e impor aos partidos comunistas de todo o mundo uma única direção e orientação. Os partidos comunistas que funcionavam nos diversos países deveriam existir apenas como secções destacadas do Komintern. O PCB, fundado em 1922, seguiu à risca essa determinação, adotando a denominação oficial de “Partido Comunista do Brasil – Secção Brasileira da Internacional Comunista”. A 5ª das 21 condições impostas pelo Komintern aos partidos comunistas nacionais era a seguinte: “Todos os partidos comunistas devem renunciar não somente ao patriotismo como também ao pacifismo social”.
[iii] Confirmando que a tal Utopia não existe, em Natal assaltaram as agências do Banco do Brasil e do Banco do Rio Grande do Norte e dividiram a grana entre eles! Claro, para garantirem “um mundo melhor possível” para si próprios, que é sua única finalidade!