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Ucrânia, Rússia e a demolição do ocidente

Em razão do atual conflito envolvendo a Federação Russa e a Ucrânia, foi necessário aprofundar cada vez mais as pesquisas e entendimentos históricos que envolvem o conflito, porém alargando cada vez mais o período histórico, saindo do lugar comum do século XX. Sobretudo, é necessário olharmos além do proposto no campo geopolítico dos dias de hoje, mas observar as razões históricas e políticas alegadas não somente pelo Presidente russo Vladimir Putin, mas também de seu conselheiro Aleksandr Dugin.

Quanto mais me aprofundo sobre a história russa, suas ideologias internas e os conceitos do eurasismo (ou eurasianismo), mais claro vai ficando que um dos verdadeiros motivos de fundo deste conflito é de cunho espiritual. Um dos focos principais é o fim da Igreja Católica[1].

A própria Polônia ainda no século XVI à época integrante da Comunidade Polaco-Lituana que compreendia em seu território o lado oeste da atual Ucrânia, foi alvo de movimento semelhante por parte da “ortodoxia russa” e o argumento principal era o fim dos “papistas polacos” para a unificação do povo russo em torno de um ideal.

Moscou utiliza o cristianismo nacionalista ortodoxo como uma muleta ideológica ao menos há 5 séculos.

Sempre com o conceito de defender a tradição, mas no fundo as tradições autocráticas do Estado, travestido de um poder clerical, sempre colocando o ocidente como o portador do mal a ser combatido, para assim proteger a sua própria estrutura de poder interno.

Voltemos no tempo:

No final da idade média, a consciência nacional e unificada russa ainda não estava consolidada, mas já estava definitivamente ligada à ortodoxia. Porém, a Igreja Ortodoxa Russa foi se afastando de Bizâncio e tornando-se cada vez mais “nacional”.

Após a queda de Constantinopla, capital do Império Bizantino (1453), Moscou transformou-se no centro religioso dos territórios russos, e o Metropolita de Kiev e de toda a Rus passa a residir na cidade e serem eleitos pelos bispos russos, o que tornou independente a Igreja Ortodoxa Russa.

Justamente nesta época começa a surgir a ideia de Moscou a terceira Roma, sucessora do império Bizantino. Em 1472, Ivan III, casou-se com Sofia Paleóloga, sobrinha do último Imperador Bizantino. Ele então se autointitula de “autocrata” e “Czar”. Este último em referência ao título de César.

Vale notar que Carlos Magno foi coroado o “Imperador dos Romanos” pelo Papa Leão III no ano 800, 254 anos antes do Grande Cisma[2] e 672 anos antes de Ivan III proclamar-se Czar.

Mas o que isso tem com a guerra atual?

No dia 06 de janeiro, o ditador da Bielorússia Aleksander Lukaschenko disse dentro de uma igreja ortodoxa em virtude das comemorações do Natal Ortodoxo:

“Devemos nos unir aos nossos irmãos, Rússia, Cazaquistão e Ucrânia. Faremos tudo para recuperar a Ucrânia”.

Esta declaração definitivamente não diz respeito apenas à questão geopolítica. Vale ressaltar que Vladimir Putin, dois dias antes de invadir a Ucrânia foi à TV russa declarar que as questões que envolvem a tomada da Ucrânia possuem antes de tudo um cunho espiritual.

Durante este período de guerra dentro da Ucrânia, podemos testemunhar a preocupação do povo Ucraniano movendo símbolos católicos e crucifixos para Bunkers, e o próprio governo ucraniano pedindo para que a Rússia não destrua a milenar Catedral de Santa Sofia. A ação foi tomada pelo iminente risco de bombardeio da catedral por parte do exército russo.

Estes cristãos não são dignos segundo Dugin, não professam uma fé que deva ser respeitada. Deixo aqui a tradução de post feito pelo próprio, no mesmo dia 13 de março em suas redes:

“Ortodoxos e muçulmanos estão unidos na batalha contra o Anticristo (Dajjal) do Ocidente.”

“É assim que o verdadeiro tradicionalismo eurasiano é criado.”

Perceba que ele fala que a ideologia, eurasismo, será baseada em um tradicionalismo estatal que irá utilizar os ortodoxos e muçulmanos para sua implementação. O que é muito diferente de salvar as bases do cristianismo ou mesmo os povos do ocidente.

A intenção do eurasismo é a criação de uma identidade social e uma unidade coletiva. Um projeto coletivista, autocrático e autoritário. Uma das grandes armadilhas neste contexto está justamente neste apelo à tradição através de frases de efeitos, onde os alvos de subversão não são apresentados à ideologia como um todo, pelo contrário, a grande maioria sequer conhece as bases ocidentais para realizar um verdadeiro contraponto.

Enquanto o ocidente estiver dormente e observando os acontecimentos atuais com o olhar histórico da última ou da próxima eleição, estaremos fadados a um jogo de pique bandeira, acreditando em pequenas vitórias e aceitando pequenos recuos como parte do jogo político simplista. O problema? Nossa civilização ocidental está sendo destruída por dentro com nossas próprias mazelas e agentes revolucionários em suas várias frentes ideológicas. Estes pontos são utilizados como pretextos pelos “eurasistas” para difundir sua propaganda “tradicionalista” e avançar com um projeto herético-histórico embebido também em diversas ideologias revolucionárias, entre elas o marxismo. Este cenário levará uma quantidade enorme de pessoas a aceitar o dominador externo, crendo piamente que serão salvos por estes, quando na verdade, se muito, serão oprimidos e “escravizados ideologicamente” de maneira ainda mais brutal.

[1] Aqui não pretendo iniciar uma discussão sobre o cristianismo ocidental (católicos e protestantes), mas a exposição é pautada justamente com visão ao Grande Cisma da Igreja de 1054, este é o ponto de observação primordial para a cosmovisão da Ortodoxia Russa.

[2] O Grande Cisma foi o evento que causou a ruptura da Igreja Cristã, separando-a em duas: Igreja Católica Apostólica Romana e Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, a partir do ano 1054,[1][2] quando os líderes da Igreja de Constantinopla e da Igreja de Roma se excomungaram mutuamente.

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