PHVOX – Análises geopolíticas e Formação
Brasil

Um diálogo da história brasileira com a realidade atual

Ao iniciar a leitura de um importante livro daquele que considero o maior escritor brasileiro em atividade, onde o autor faz uma reflexão filosófica a respeito da falta de previsibilidade das coisas que ocorrem no Brasil, diante da incapacidade das pessoas de avaliarem os cenários em tempo real, devido ao desconhecimento da história, tive a ideia para escrever o presente artigo.
Em primeiro lugar, informo que a obra de que falo é O futuro do pensamento brasileiro (CARVALHO, Olavo de. Campinas: Vide Editorial, 2016). Confesso que ela me inspirou a refletir a respeito da necessidade de contribuir com o assunto tão brilhantemente desenvolvido pelo louvado autor.
Passo, então, sem maiores delongas, ao tema que quero abordar.
Aqui no meu trabalho solitário de estudos no claustro para tentar produzir uma certa cultura na literatura e difundir o pensamento conservador na sociedade, eu tenho buscado muitos fundamentos para meus pontos de vista, sempre tentando encaixar os fatos à luz da história. E, nessa atividade, costumo analisar as razões pelas quais o tempo atual está da maneira que está, procurando sempre investigar as suas raízes no passado.
São muitas as minhas perguntas, que ultrapassam bastante as (parcas) respostas que tenho.
Contudo, malgrado a ausência de respostas adequadas para nossos problemas estruturais e sociais desse século XXI (que, aliás, em minha concepção não é a era moderna ou pós-moderna, como dizem alguns, mas sim a era do relativismo, na qual dogmas são flexibilizados, princípios são desconsiderados, valores são ultrapassados, e todos, sem exceção, utilizados sob condicionantes impostas indevidamente), a única coisa que sei, sem sombra de dúvidas, nesse exercício mental que adrede faço, é que olhar para a nossa história poderia muito bem ter nos tirado de muitas dessas – digamos assim – enrascadas em que estamos metidos hoje. E não só olhar para a nossa história passada, mas também saber detectar a importância do momento vivido no presente, de acordo com esses fatos históricos, para que seja mirado o futuro com certa previsibilidade.
O problema é que pouca, aliás, pouquíssima gente mesmo, consegue enxergar a história no momento em que ela ocorre e tem capacidade de detectar o valor do momento que está sendo atravessado. E esses poucos com essa capacidade, que alertam os seus contemporâneos em tempo real a respeito dos fatos vividos e suas consequências para o futuro, são tidos, muitas vezes, por lunáticos, no mau sentido, ou então por profetas, no bom (ainda que neste particular com certo tom pejorativo).
Mas não se trata nem de um nem de outro.
Com efeito, os poucos entre nós que têm a condição de avaliar a importância dos fatos presentes, encaixando-os nos acontecimentos do passado, dentro da fórmula de “tentativa e erro” que deve nortear as ações da sociedade rumo ao seu aprimoramento, fazendo previsões a respeito do nosso futuro, assim agem porque usam a História como a principal ferramenta desse processo. Eles lhe atribuem a importância primordial que possui: como o conjunto das ações humanas em certo período do passado que conduziram a certo resultado no futuro, na relação de causa e efeito da sociedade, com todas as consequências daí decorrentes.
Tem uma frase popular que diz assim: “depois que a onça está morta, todo mundo é caçador.” Ela quer dizer que quando alguma coisa já aconteceu é fácil analisar e dar a opinião a respeito dos fatos, apontando aos outros o dedo em tom crítico e dizendo como seria fácil evitar aquele erro que se descortinou no futuro. Mas certamente se a sociedade brasileira tivesse a capacidade de fazer previsões sérias em tempo real, no chamado “calor dos fatos”, olhando para o passado e para a História que nos foi legada por nossos antepassados, muitos dos problemas que atravessamos atualmente não existiriam.
Por exemplo, hoje em dia não há a menor dúvida em se reconhecer que a proclamação da república, em 15 de novembro de 1889, foi um erro; especialmente da forma pela qual ela aconteceu: na calada da noite, sem participação popular, e sem preparação de terreno para a entrada em vigor no novo regime político. Facilmente percebe-se, quem olha o passado, que essa é a causa das crises institucionais que se seguiram e se seguem até hoje, passados mais de 130 anos da queda da monarquia.
Mas e lá no momento em que os fatos estavam ocorrendo? O que as pessoas teriam dito a respeito?
Sem pretender ser anacrônico, eu acredito piamente que naquela exata época dos fatos havia pessoas alertando que o modelo que se estava adotando desembocaria no futuro em crises institucionais (como dito antes) e até em golpes militares. Óbvio que esses que alertaram todos a respeito do futuro não foram ouvidos, e o resultado está aí: as previsões que fizeram estavam corretas.
Veja-se outro exemplo: já na história moderna brasileira (mas ainda antes da atual fase da república iniciada em 1985 com a redemocratização), durante o regime militar instituído em março de 1964 certamente algumas pessoas alertaram quem estava no poder a respeito do erro estratégico de se entregar a cultura e a educação para os ativistas de esquerda em nome de uma suposta “pacificação social”.
Hoje, passados 50 anos do evento, provavelmente 8 entre 10 pessoas são capazes de enxergar o equívoco desse fato, pois permitiu que a esquerda se organizasse e ganhasse capilaridade na sociedade, enquanto a direita, que já havia sido alijada do processo político e praticamente banida do debate por aqueles que controlavam o Estado à época, mas quando os fatos aconteceram muito pouca gente foi capaz de fazer uma previsão correta do manifesto erro que se cometeria.
Como último exemplo trago aqui um assunto técnico, da minha área (Direito), ocorrido na história recente do Brasil. No final de 2004 foi promulgada a Emenda Constitucional 45, que instituiu a chamada “Reforma do Judiciário”, inserindo várias coisas no texto constitucional. O país, à época, era governado por Lula, e todos, praticamente todos, ficaram a favor da emenda promulgada pelo Congresso Nacional, que, como se noticiou então, viria por diminuir a morosidade do Judiciário, criar mecanismos de controle e fiscalização, e etc.
Hoje eu sei que foi justamente por causa dessa emenda que o Supremo Tribunal Federal aumentou exponencialmente o seu poder, por causa da redação criada no artigo 102, § 2º, que estabeleceu a eficácia erga omnes (contra todos) e efeito vinculante das decisões da Corte a toda a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, em uma nítida entrega de um “cheque em branco” para que o Tribunal fale em último lugar sobre tudo relacionado ao país, sem que exista qualquer meio de se rever o que por ele dito[1].
Mas e na época? Se houve juristas que se levantaram contra tamanho absurdo, alertando que no futuro próximo esse formato poderia desequilibrar o próprio princípio da separação de poderes (um dos postulados do Brasil) estampado no art. 2º da Constituição da República[2], ao permitir um STF com atribuições e competências gigantescas e universais, sem qualquer tipo de freio, dando a última palavra em tudo, em todas as esferas, eles não foram ouvidos. E se foram ouvidos, ninguém os levou a sério.
E nem seria mesmo difícil prever-se que desse modelo constitucional adotado no final de 2004 adviria um absolutismo judicial por parte do STF, que agora, passados quase 20 anos da entrada em vigor da emenda constitucional, age como quer e da forma que quer, sem qualquer tipo de controle, sem que ninguém consiga responder a conhecida frase: “quem vigia os vigilantes?”.
Bastaria ter-se conhecimento a respeito de valores como liberdade, democracia, e outras coisas até mesmo banais do ponto de vista jurídico e político/social, e conhecer-se as situações da história das consequências advindas de haver-se dado poder absoluto para algum órgão estatal, para se perceber que isso não acabaria bem.
Agora que “a onça está morta”, como eu escrevi antes, é fácil analisar a situação e dizer onde deveria ser agido diferente, e o que poderia ter sido feito de outra maneira. Mas e na época dos fatos, repito? É essa que é a indagação a ser feita aqui.
Vejam que acabei de dar três exemplos de situações nas quais o conhecimento da história, que possibilita fazer-se previsões a respeito do futuro, poderia ter alterado o rumo da nossa realidade fática atual. Mas infelizmente o imediatismo que acomete grande parte dos brasileiros e a falta de previsibilidade para as ações planejadas, pelo desconhecimento dos fatos passados, leva a esse cenário em que nos encontramos hoje, de crise política e instabilidade democrática, e falência completa do próprio regime republicano.
E o fenômeno não se dá apenas no plano político, e de forma institucional. Da mesma forma se dá a nível cultural – e aqui é, na verdade, o principal problema. Hoje em dia, pela completa falta de conhecimento da história e da completa imprevisibilidade do país, o campo cultural nacional é um ambiente que parece saído de um cenário dantesco de descida ao Inferno. Ninguém mais conhece a bela literatura brasileira que existia no passado, ou ainda até mesmo a música.
Esse desconhecimento do passado levou à falta de padrão e cultural dos dias atuais. É um processo óbvio e natural: se não existe mais parâmetro para ser comparado, então perde-se a régua da medida das coisas, e tudo passa a ser permitido e aceito, de forma descriteriosa. Daí a existência hoje em dia de músicos e escritores, que não serão aqui “fulanizados” ou “adjetivados” para não perder o foco da mensagem que quero passar, que estão bastante longe do parâmetro que existia no passado, em uma escalada de mediocrização e estupidificação da sociedade sem igual.
Ora, quando eu digo que nós, conservadores, miramos no exemplo de nossos antepassados, não quero dizer apenas que é porque temos ciência de que herdamos uma sociedade composta por um conjunto de valores e princípios que devem ser preservados, por já terem sido integrados à sociedade pois aprovados pelas pessoas. Quero dizer que é também porque devemos olhar para o passado, para a nossa história, para aprender com os erros de nossos antepassados ou nos mirar nos seus acertos e exemplos, rumo ao nosso aprimoramento e melhoramento.
Existe um longo caminho a ser percorrido até a construção de uma sociedade melhor. Existem muitas coisas a serem feitas. Existem muitas ações a serem tomadas. Mas existe, principalmente, a necessidade premente de se criar a conscientização que apenas olhando o passado é que poderemos fazer previsões a respeito do nosso futuro.
Uma sociedade se muda através da cultura e da educação. E ainda pelo conhecimento da História.
[1] Eis a redação do dispositivo:
“Art. 102. (…)
2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
[2] “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

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