Se eu pudesse organizar uma obra para representar o espírito de nosso tempo (zeitgeist, os sentimentos gerais e pensamentos de nossa atual cultura e época), simplesmente compilaria três poemas modernos e fecharia o trabalho: Tabacaria (1928) de Fernando Pessoa, Os homens ocos (1925) de T. S. Eliot e José (1942) de Carlos Drummond de Andrade. São três poemas que falam, sobretudo, a respeito do vazio existencial no homem moderno. Um vazio do tamanho de Deus, diria Dostoiévski.

São poemas sobre gente que não é nada, não pode querer ser nada, com o elmo cheio de nada, sem nome, sozinhos no escuro. Essas são palavras dos poetas, gênios sensíveis, que não somente sentiram, mas traduziram com magnanimidade as manifestações de nosso tempo, desenrolando-as sob nossos olhos, como um pergaminho: vazio, solidão, incompreensão, abandono, desesperança, impotência, incerteza.

A tendência do vazio é ser preenchido. E esse “elmo cheio de nada” da humanidade decadente está na verdade cheio até demais, com licença poética, cheio de vazio: ideologias, julgamento, descrença, imoralidade, ressentimento, ódio, desejo por destruição — e tudo culminará nisso, pois o último estágio do vazio existencial é a destruição, que gera mais vazio. Somente um Ser que cria do nada, do vazio, é quem pode acabar com este ciclo vicioso no qual entramos.

A modernidade é um imenso vazio, cheio de velhas novidades — “um museu de grandes novidades” — de inaugurados caminhos que levam aos antigos vícios, das modinhas que já nascem ultrapassadas. Felizmente há pessoas que não suportam serem “modernas”, preferindo sanidade à loucura completa. É certo que serão afetadas pelos vazios externos e terão vez ou outra um vazio de estimação, mas não é de vazio que serão preenchidas.

Por capricho, eu colocaria um posfácio nessa tal obra sobre o espírito de nosso tempo, tão poético quanto merecido: “cabeça vazia, oficina do diabo.” Caberia aos modernos a escolha: preencher o vazio existencial com propósitos divinos, ou continuarem sendo oficinas do diabo.