Publicado originalmente em Folha de S. Paulo, 26.11.81
Pagam-se as dívidas logo na primeira ocasião. Lembro essa banalidade com o intuito de me penitenciar. Em meu penúltimo artigo anunciei que trataria em breve de determinado tema. Sobreveio o projeto de lei do usucapião e as obrigações especiais, que meu passado remoto e recente me impõem face a este tema, levaram-me a escrever de imediato sobre o assunto. O excesso, quase inconcebível , de minhas presentes ocupações, tem-me impedido de escrever para a “Folha”. E é com certa má consciência de caloteiro, que trato de remediar hoje o atraso com que volto ao tema acenado.
Falara em meu “Moderno, pra-frente, no vento” (“Folha de São Paulo”, 24/10/81), da modificação profunda que se vai operando em amplos e importantes setores da nação norte-americana. Profunda sim, pois incide sobre uma zona psicológica que afeta a um tempo a linguagem, os trajes, as maneiras, a escolha das residências, bem como os objetos de utilidade e decoração, o modo de encarar os problemas internos e externos do país, e a escolha dos candidatos a todos os cargos eletivos — desde o modesto vereador de cidadezinha perdida nas imensas vastidões do território norte-americano, como de candidatos à Câmara e ao Senado federais, ou ao próprio presidente da República.
Em termos mais concretos, os motivos que levaram muitos norte-americanos a preferir Reagan a Carter, levam-nos igualmente a optar pelo uso de móveis de madeira em algum delicado estilo tradicional, em vez dos móveis de fórmica. A usar paletó e gravata, pondo de lado a camiseta sem mangas. A lavar, cortar e pentear a grenha capilar, até há pouco franqueada aos ventos… e aos insetos. A utilizar uma linguagem e um trato pessoal marcados pela distinção, em lugar da “espontaneidade” ou da “descontração” que serviram até há pouco de rótulo para a vulgaridade e o desmazelo. E note o leitor que em matéria de trajes só mencionei os masculinos, pois no que diz respeito aos femininos teria que estender-me naturalmente muito mais.
Espíritos objetivos, os quais queiram estar a par dos rumos mais recentes da modernidade, não podem ignorar que desta faz parte — agora — precisamente a nação em cujas mãos está o bastão de mando do “moderno”.
Infelizmente as informações sobre esta matéria têm sido das mais escassas em nosso País. Mas a lacuna foi preenchida recentemente — de modo documentado, amplo e finamente penetrante — por um número especial todo dedicado ao assunto que deu a lume “Catolicismo”, o brilhante mensário de cultura fundado pelo insigne bispo d. Antônio de Castro Mayer, e dirigido com superior realce e acerto pelo Prof. Paulo Corrêa de Brito Filho (n.º 368-370, agosto-outubro de 1981; Administração: tel. 221-8755, São Paulo).
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Passo a mencionar algumas das informações dadas por “Catolicismo”.
Sob o título de “Libertação da Linguagem”, William Safire comentava no jornal “The New York Times magazine!” de 1/3/81: ”Desde que os norte-americanos se tornaram saudosos dos velhos padrões e valores, tanto a política da linguagem como a linguagem da política tornaram-se mais conservadoras. A partir do momento que um público instruído se tornou felizmente estimulado, o permissivismo converteu-se em palavrão. O slogan “vale tudo” já não vigora.”
Sensível a essa nova onda, que tanto beneficiou sua eleição, ”Reagan tem sido tão meticuloso em suas vestes quanto na linguagem. (…) O de que os homens do poder às vezes se esquecem é que são produtos de outros tempos, de outros acontecimentos, de outra gente. A manutenção da dignidade é a demonstração de que eles compreendem que pagam tributo especial a algo que está acima deles mesmos” (artigo, “Demonstrações de Dignidade”, “Time”, 9/3/81).
Em consonância com esta transformação, normas elementares foram reinstauradas na Casa Branca: agora vigoram nela um “código de vestir-se” e “normas de boas maneiras” (artigo, “Deixe-os comer bolo — mas não em suas mesas de trabalho”, “Newsweek”, 9/2/81).
Disso dou alguns exemplos: a) os “bluejeans” foram proibidos; b) igualmente as calças compridas femininas; c) o paletó e gravata tornaram-se obrigatórios para os homens; d) ao contrário do costume anterior de chamar a pessoa por seu primeiro nome, restaurou-se o trato de “senhor” (“Mister”); e) as xícaras de plástico foram substituídas por xícaras de porcelana; f) os funcionários foram proibidos de tomar lanche nas salas de trabalho; g) a sala de imprensa foi colocada em ordem: os jornalistas devem “permanecer sentados, levantar a mão e esperar a sua vez”, nas entrevistas. ”Apesar de seu costume de pular e gritar, o grêmio da imprensa obedeceu — um bem-educado início para uma nova era de polidez” — comenta a revista “Newsweek”; h) uma outra novidade é a polidez dos funcionários: o diretor da Casa branca, Baker comentou que eles são um símbolo para a nação e, por isso, precisam comportar-se convenientemente, mesmo quando não estejam em serviço (cfr. “Time”, 9/3/81); i) nas Forças Armadas retornaram as regras de cortesia, apresentação e disciplina militar.
Que reflexos produziram esses fatos sobre o povo? Ouçamos uma voz expressiva: ”Em 1976, assistimos a uma posse presidencial em sapatos de couro comuns, em ternos de trabalho e roupas usadas, e quatro anos depois presenciamos o espetáculo de grandes limusines, fraques, vestidos de gala. O contraste é muito mais significativo do que uma questão de gosto pessoal. Assinala um conflito fundamental de valores sociais!” — diz Rosalind Wiliams, do Massachusetts, Institute of Technology, MIT (“The New York Times”, de 25/2/81).
Por isto mesmo, e nesta linha, a atmosfera na Casa Branca mudou. Tudo está em ordem, uma limpeza geral foi excetuada, a pintura foi refeita (cfr. “Time”, 9/3/81).
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Só os espíritos frívolos podem afirmar que tais mudanças no edifício em que se exerce a suprema direção do país e as demais introduzidas por um presidente recém-eleito e desejoso de sincronizar com a nação, carecem de importância. Pelo contrário, elas exprimem uma feliz transformação no que há de mais profundo no espírito de importantíssimos setores do país. O que ainda melhor se aquilatará ao apreciar a tonificação admirável dos valores familiares, que se vêm operando nesses mesmos setores.
Conhecedor do interesse de nosso público por esses assuntos, dele pretendo tratar no próximo artigo… ocasião em que espero que as circunstâncias me permitam não ser caloteiro.
Esse texto me fez lembrar de: “ mente sã em corpo são “, pois a decência e a compostura, a busca do belo e verdadeiro elevam a alma.