Estava com a minha família em um restaurante quando passou a proprietária do estabelecimento para ver se estávamos satisfeitos com o atendimento, uma cortesia que ela fazia de mesa em mesa. Respondemos a gentileza e imediatamente começamos a falar sobre os filhos e suas fases, dos namoros, do ciúme que nós, os pais, temos das filhas e outros tópicos. Falar sobre a nossa família talvez seja um dos assuntos mais comuns e normalmente muito agradável.
Não obstante estarmos sempre conversando sobre a vida familiar, percebi que citamos somente uma faceta dessa instituição e esquecemos de um outro importante aspecto, que é a sua função na sociedade civil. Família, nesta última perspectiva, quase não é mencionada nos debates públicos ou nas mídias; ou, quando acontece, é colocada como coisa acidental.
Reparem, por outro lado, a infinidade de pautas empurradas pelas agendas das diversas outras classes e grupos. Essa situação ocorre devido à chamada Janela de Overton ou Janela do Discurso, termo cunhado por Joseph P. Overton para explicar o poder de influência que determinados atores sociais possuem sobre as massas, dando visibilidade a determinados assuntos ou, no limite, quando há intenções imorais e desonestas, manipulando o que e como as pessoas pensam sobre diversos temas.
Isso quer dizer que o discurso político está circunscrito numa moldura flexível que ora é deslocada para um lado, ora fechada do outro, dependendo da atuação dos agentes com capacidade de influenciar esse processo. Quando determinada pauta está na janela do discurso, provavelmente será discutida politicamente e se transformará em garantias ou supressão de direitos, ou talvez inserida em programas governamentais.
Os deslocamentos, por exemplo, vão desde a mudança da aceitação do cigarro em lugares públicos e fechados, por causa da propaganda antitabagista recorrendo a cientistas, até temas de cidadania, aborto, sexualidade e criminalização de drogas.[i]
As diversas Organizações Não Governamentais (ONG), tais como Associações e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), corporações socialmente engajadas, digital influencers e demais think tanks são forças poderosas capazes de alcançar resultados muito favoráveis aos grupos que elas defendem. Infelizmente esse tipo de movimento de articulação visando defender os interesses das famílias é raro por essas bandas. Se pouco se fala sobre os assuntos caros às famílias é porque a mobilização em torno delas é pequena.
Uma simples pesquisa revela a quantidade gigantesca de organizações que dão voz às questões raciais, de gênero, do feminismo, das diversas categorias de trabalhadores, do incentivo ao desporto, da valorização às artes, etc. Elas promovem apresentações musicais e artísticas, congressos e manifestações e pressionam empresas e órgãos a renderem profundas deferências aos seus pontos de vista. Quantos eventos, em contrapartida, carregam bandeiras em prol da família? Algum time de futebol lançou uma camisa comemorativa em homenagem às famílias brasileiras nos últimos anos?
Fomos, portanto, condicionados a enxergar a dinâmica social em estruturas de classes (em lutas, na verdade), o que requer arranjos complicadíssimos para inculcar tal ideia no imaginário e fazer esquecer o fato de que se existe uma comunidade é porque ela foi formada por famílias.
Não é de se espantar que o debate público esteja predominantemente restrito à visão progressista que avança com flexibilidade e fluidez. São muitos agentes representativos atuando paralelamente e simultaneamente para manter esse quadro.
Se não houver articulações para alçar representantes legítimos em quantidade suficiente para arrastar a janela de discussão, a família não será algo além de uma “coisa” que acidentalmente existe, de modo algum percebida pela sua principal característica: o núcleo pelo qual a sociedade ocidental se organiza, conforme afirmado por Aristóteles quando disse que “as casas e famílias têm sua comunidade pelo seu bem viver”[ii] (grifo nosso).
[i] Fonte: https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/janela-de-overton?gclid=CjwKCAjwrqqSBhBbEiwAlQeqGkpmPHXQu__wVo0VQ2BuH9snqqVZ-8iLP0E4nTI5qH8SzrgxOP52XhoCFqwQAvD_BwE . Acesso em 4 de abril de 2022.
[ii] Aristóteles. Política; tradução, introdução e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva. São Paulo: Edipro, 2019, p.133.