Para Ortega y Gasset importam apenas as ideias dos náufragos exatamente porque a realidade deles é a mais crítica e a mais limitada. A razão para imitá-las é o fato de serem ideias de alguém em uma situação extrema, portanto, vital.
Em oposição ao abstracionismo da ciência, que recorta a realidade e purifica-a das incongruências práticas, sendo assim sempre muito coerente e lógica, Ortega opõe o mundo real, que, apesar de confuso, incerto e variável, constitui a verdadeira vida.
Aquilo que a ciência trata é um artifício, uma ficção, uma analogia. A realidade mesma está onde as teses são contestáveis, as teorias sofrem oposição e há elementos ocultos direcionando as coisas — no mundo real.
A vida real não é tão harmonizada como as pessoas gostariam e, por isso, elas criam quadros imaginativos onde tudo se encaixa. Nossos sistemas de governo, arcabouços jurídicos e modelos sociais não são mais que artificialidades frágeis que acreditamos ser reais e estabilizadas.
Para superar o estado hipnótico em que se encontra, o homem precisa entender e assumir que seu mundo criado pela técnica é uma ilusão e aceitar o caos, que é o estado natural e essencial das coisas.
Encarar a vida de frente, com coragem, e não se refugiar no universo fantasmagórico das ideias abstratas é o que esclarece a mente. A consciência do caráter problemático da vida e a aceitação de que se está perdido é o início da iluminação.
O náufrago, diante do caos que se encontra e da limitação que lhe é imposta, começa a ordenar sua vida a partir daquilo que lhe está disposto. Com isso, é forçado a ser sincero, a encarar tudo com absoluta honestidade. Não há nele espaço para a farsa, para a afetação e para a pose. Não lhe cabe perder-se em sutilezas vãs e especulações estéreis.
As ideias dos náufragos são as que importam porque estão libertadas do fingimento e da enganação. Nelas, só sobrevive aquilo que realmente precisa ser considerado, aquilo que é vital.