Certamente você já leu descrições de coisas totalmente críveis com a utilização da palavra “incrível”, ou já ouviu alguém dizer que algo fosse “insuportável”, tratando-se de algo comum a todos, tão banal como barulho de crianças brincando na rua ou vizinho ouvindo música da pior qualidade.

Por que isso acontece? Segundo C. S. Lewis, as pessoas preferem antecipar certo juízo de valor às coisas, como uma espécie de marketing, de propaganda, para aprovação ou reprovação. Mas não marketing somente no sentido profissional (o que ocorre com frequência), mas no sentido pessoal, privado, e até mesmo político. Leiamos as palavras de Lewis:

“Verbicídio, o assassinato de uma palavra, acontece de muitas maneiras. Inflação linguística é uma das mais comuns: aqueles que nos ensinaram a dizer “terrivelmente” em lugar de “muito”, “tremendo” em vez de “grande”, “sadismo” em vez de “crueldade” e “impensável” como substituto de “indesejável” eram verbicidas. Outra forma é a verbosidade, isto é, o uso de uma palavra como promessa de pagamento que nunca será cumprida. […] Pessoas normalmente cometem verbicídio quando roubam uma palavra de seu contexto original e aplicam-na como slogan que define um partido, apropriando-se de sua “qualidade marqueteira”. […] a maior causa de verbicídio é o fato de que, obviamente, a maioria das pessoas anseia muito mais expressar sua aprovação ou desaprovação das coisas do que descrevê-las. — C. S. Lewis in Estudos de palavras (grifo meu).

No mundo de hoje, as hipérboles (exageros linguísticos) são muito comuns, sobretudo em peças de publicidade e no meio político, que mais assassinam o verbo que qualquer péssimo escritor. Isso acaba se refletindo em outras instâncias da vida, repare que os jovens preferem músicas e filmes agitados, ao passo que se entediam facilmente com músicas mais intimistas ou vendo um drama cinematográfico “arrastado”, como é a vida, muitas das vezes.

O verbicídio não é apenas suposto desrespeito ou corrupção da linguagem, mas um início, meio, e fim para a corrupção de uma pessoa, levando à falsidade, desonestidade, mentira, fingimento e toda sorte de perversões. Já disse Jesus em certa ocasião: o que sai da boca de um homem é o que o torna impuro. Mateus 15:11

É necessária muita atenção ao analisarmos discursos ou discursarmos. A palavra que se usa é para fazer juízo ou para descrever alguma coisa? Quais as intenções de tais palavras? Quando um político chama outro de “genocida”, é uma descrição da realidade ou um juízo de valor? Quando uma obra é descrita como “grandiosa”, a intenção é a descrição das qualidades da obra ou uma antecipação de propaganda para criar uma impressão desejada? As palavras devem dar ordem, meus amigos, não estimularem o caos — o que é o mais comum nos dias de hoje. Saber usa-las bem — e entendê-las bem — é primordial para sermos chamados de “animais racionais”. Palavras usadas nesse “jogo” de aprovar e reprovar (pessoas, produtos, condutas) vão perdendo o significado. Perceba que estou repreendendo o “jogo” — política, marketing, fingimento, etc. —, não os casos de modo generalizado, onde de fato faz-se necessário dar juízo, aprovar e reprovar.

Compreende-se, claro, que o esvaziamento das palavras pode-se dar também de modo orgânico, natural, e não somente “profissional”. Como nos conta Horácio em sua Arte Poética: “[…] nunca perduram a glória e graça viva da fala. Muitos ainda renascem depois de caírem e caem estes vocábulos que hoje têm glória, se o uso decide, já que detém a lei, a norma e arbítrio da fala”. vv. 69-72

O uso decide. E muitas vezes usa-se mal as palavras. Já reparou que continuamente precisamos usar a palavras “real” ou “verdadeiro” para enfatizar algum termo? Exemplos: João é um “cavalheiro de verdade”; Maria é uma “cristã verdadeira”. Bem como expressões como democrata e moderno, recentemente precisam de validação de ser real. C. S. Lewis nos alerta que, quando precisamos enfatizar dessa maneira, quer dizer que o significado de uma palavra está chegando ao fim:

“Um habilidoso médico de palavras dirá que a doença é mortal naquele momento em que a palavra em questão começa a abrigar os parasitários adjetivos “real” ou “verdadeiro”. Enquanto “cavalheiro” tiver um significado claro, basta dizer que fulano é um cavalheiro. Quando começamos a dizer que ele é um “cavalheiro de verdade”, ou “um verdadeiro cavalheiro”, ou “um cavalheiro na verdadeira acepção da palavra”, podemos ter certeza de que a palavra não viverá por muito tempo.”

Lewis conclui em Sobre Histórias: “quando você, por mais reverentemente que tenha sido, tiver matado uma palavra, você também […] terá apagado da mente humana o que a palavra em sua origem representava. Os homens não continuam a pensar naquilo que esqueceram como dizer.”

Usar as palavras certas, de modo justo, é resguardar (e talvez salvar) aquilo cuja palavra representa. O verbicídio é, por tabela, o assassinato das mentes. Assassinato de mentes é assassinato do restinho de humanidade que há em nós. Não ignoremos tal batalha contra os verbicidas, sobretudo contra verbicidas profissionais. São todos uma terrível ameaça.