Sou um entusiasta das palavras, e muitas vezes já escrevi sobre a importância das mesmas. Para alguém que despreze tal importância, sugiro que passe um dia apenas sem usar palavras de modo algum, nem mesmo para pensamento — pois pensamos com palavras. É impossível, se houver ao menos um pouco de humanidade e civilidade no sujeito.

A forma como nos expressamos fala muito de nós, e até nos molda. Um léxico pequeno, ou seja, um repertório linguístico pobre, gera uma mente que pensa pequeno, limitada. Se excluirmos de nosso vocábulo diário palavras como amizade, perdão, amor e compaixão, o que sobrará de nós? Não digo que as coisas existem necessariamente porque as palavras existem, mas as palavras são símbolos das coisas, e muitas vezes nosso contato primeiro com tais coisas. Posso ter um amigo sem usar a palavra “amigo”, mas de que modo diremos um ao outro o que somos um para o outro de modo preciso? É possível amar sem dizer de tal amor, mas é de um amar faltoso, com a lacuna de um “eu te amo”.

Muito do que entendemos do mundo está relacionado com as palavras que damos aos sentimentos, objetos, relações, etc. Oh, quão angustiante é a vida de um indivíduo que, diante de seu analista, diz estar “muito coisado” ou “meio sei lá”, por faltarem-lhe as palavras para dizer o que sente realmente.

Imaginemos, pois, que muita gente por aí, por razões ridiculamente ideológicas, andam a excluir — e incentivando a excluir — palavras do vocabulário político e social. Motivo? “São palavras de esquerdistas”, dizem com toda a ignorância. A verdade é que os conservadores andam a reclamar de frieza entre os pares, falta de união e até traição, quando propositalmente resolveram arrancar de suas gargantas belas palavras como “companheirismo” e “camaradagem” — que aqui tratarei como sinônimos. Dirigem-se ao público por “galera”, “pessoal”, e cobram mais companheirismo, quando não tratam ninguém com símbolos de companheirismo.

“[…] se os machos da tribo não guardarem a camaradagem, essa instituição dificilmente será respeitada”, disse G. K. Chesterton em O que há de errado com o mundo. A camaradagem não é amizade, e também não é amor, diz o autor, mas admite que, quando muita, a camaradagem pode ser metade da vida humana. Camaradagem é estar sob a mesma condição cósmica, é estar num estado de companheirismo e igualdade quase que de forma física, como acender o cigarro um do outro, ou compartilhar uma mesma mesa de jantar. Nem é amor, nem amizade. É a medida certa e ideal na maioria das relações sociais e políticas. Alguém que se dirige a uma plateia (não no caso de uma comunidade religiosa) por “irmãos”, “amigos” ou — valha-me Deus — “meus amores”, estará mentindo ou, no mínimo, sendo imprecisamente infeliz. Não basta pedir e desejar uma “direita unida”, é preciso falar — e agir, claro — de tal modo.

Não digo de forma alguma que devemos aderir ao vocabulário revolucionário. Mas digo que as palavras foram sequestradas por eles, e algumas merecem resgate e menos desprezo. Querem os conservadores serem frios, distantes, desunidos ou imprecisos? Creio que não.

Eis a sugestão: resgatem dos infernos do logos revolucionário as melhores palavras, perdoem-nas, não as temais e nem as usem de modo tão formal, como fazem os revolucionários. Ensinem seus camaradas a não se afligirem diante das mesmas — sim, chegamos a esse ponto, por ignorância e afetação.