Em junho de 2022, sob a Presidência do Governo de Jair Messias Bolsonaro, o Ministério da Saúde, através da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas), lançou o Manual de Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento, como “um guia para apoiar profissionais e serviços de saúde quanto às abordagens atualizadas sobre acolhimento e atenção qualificada baseada nas melhores evidências científicas e nas estatísticas mais fidedignas em relação à temática, sempre levando em conta a defesa das vidas materna e fetal e o respeito máximo à legislação vigente no País”, sendo um documento “dirigido aos gestores, serviços e profissionais de saúde para darem um atendimento de qualidade e respeitoso baseado nas melhores evidências que a população merece.”

Um dos pontos principais do Manual é que ele desmistifica algumas ideias enganosas e equivocadas, mas que historicamente continuam a servir de base para as narrativas do movimento pró-aborto. Uma delas é de que “milhões de mulheres morrem anualmente no Brasil em decorrência de aborto”. Essa afirmativa contraria os próprios números catalogados de mortes de mulheres no Brasil, seja em governos pró-vida ou nos que defendem a pauta do aborto. Segundo o Manual, “as principais causas de morte materna no Brasil são hemorragia, hipertensão e infecção. Mortes por abortos respondem por um número pequeno, quando comparado à totalidade, sendo a quinta causa […]”

Neste cenário real de causas mortis mais numerosas que não o aborto, o documento alerta que “uma gestão que realmente queira diminuir a mortalidade materna precisa focar nas três principais causas para realmente resolver o problema. Não deve, dessa forma, ser pautada por causas ideológicas nem tentar inflar números para subsidiar ações políticas.”

Outra narrativa comum dos que defendem o assassínio de bebês em gestação é a de que o aborto é uma “questão de saúde pública”, devendo ser priorizada a sua legalização no país. Ainda de acordo com o Manual citado, “um problema de saúde pública é algo que tem impacto na sociedade medido por mortalidade aumentada, morbidade, custos do tratamento para a sociedade e potencial epidêmico em caso de infecções. O número de mortes por aborto nos últimos sete anos foi de 411, o que representa uma média de cerca de 58 mortes maternas por ano.” Embora cada vida humana perdida para o aborto seja algo maléfico à humanidade, o baixo número de mortes anuais em decorrência de aborto descarta qualquer possibilidade de tratar esse tipo de mortalidade como uma questão de saúde pública no Brasil, que deva receber prioridade pelas autoridades. Há muitas outras doenças mais importantes afetando a saúde das mulheres brasileiras, e são essas que precisam ser o centro de ação dos governos.

Um terceiro discurso controverso, mas reiteradamente sustentado pelos defendem o aborto é de que o procedimento abortivo é seguro. No entanto, a realidade que se observa na experiência médica é outra. Segundo o Manual técnico, elaborado por um corpo médico, “o aborto realizado por médicos não é isento de riscos, tendo provocado duas mortes nos últimos sete anos, ainda que o número de procedimentos seja relativamente pequeno”. Desmistifica-se assim o jargão “aborto seguro!”. Não há aborto seguro: todos os abortos provocados são e continuarão a ser inseguros, pois se caracterizam como procedimentos de risco para a gestante, tendo como fim a morte quase certa do bebê em gestação.

Outra narrativa pró-morte que é soterrada pelas informações destacadas do Manual é a de que há uma permissão jurídica de “aborto legal” no Brasil: “não existe aborto ‘legal’ como é costumeiramente citado, inclusive em textos técnicos. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno. O acolhimento da pessoa em situação de aborto previsto em lei deve ser realizado por profissionais habilitados.”, com a recomendação de atestado escrito, por no mínimo dois médicos – sendo uns deles especialista “na área da doença que motiva a interrupção”, para que se siga com o abortamento.

Para os casos de permissão legislativa de abortamento em face de estupro, o Manual, citando a Portaria do Ministério da Saúde (MS) Nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), esclarece que “são documentos necessários para a justificação do aborto nos casos de estupro: 1) Termo de Relato Circunstanciado do evento; 2) Termo de responsabilidade; 3) Termo de consentimento assinados pela mulher ou quando incapaz, por seu representante legal; 4) Parecer Técnico assinado pelo médico e 5) Termo de aprovação de procedimento de interrupção da gravidez decorrente de estupro assinados por no mínimo 3 (três) profissionais de saúde.” Além disso, o Manual recomenda que “antes de proceder à interrupção da gravidez, a equipe multidisciplinar responsável pelo atendimento da vítima deverá informar sobre a existência do programa “Entrega Legal ou Voluntária”, que possibilita à mulher levar a gestação a termo e, após o nascimento, entregar a criança para adoção”, conforme menciona o artigo 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, BRASIL, 1990). Seguindo o Estatuto de Proteção à Criança, e de acordo com o Manual, “essa alternativa de entregar o bebê para adoção tem o fim de preservar a vida do feto, independentemente das circunstâncias em que ocorra a gestação.”

O Manual também estabelece uma “nova” abordagem em relação à proteção à vida humana – infelizmente, o que não ocorreu nos últimos documentos emitidos pelo Ministério da Saúde de governos anteriores -, destacando a necessidade de reconhecimento do direito à vida desde a concepção, como prioridade máxima a ser atingida pelos países signatários de Tratados Internacionais que reconhecem o direito humano universal à vida, em qualquer uma de suas fases de desenvolvimento.

Conforme o documento técnico, “dentre esses documentos, destaca-se o Pacto de São José da Costa Rica, o qual, em seu artigo 4º., alínea 1, prevê expressamente a proteção ao direito à vida desde a concepção. O Pacto de São José da Costa Rica foi internalizado em 1992, por meio do Decreto Presidencial nº 678/1992.”, evidenciando ainda que “há mais de 30 anos, o Estado brasileiro é signatário de acordos globais que recomendam a prevenção de abortos de qualquer forma com o intuito de fortalecer famílias e crianças, protegendo a saúde de mulheres e meninas”.

Mais recentemente, “em 22 de outubro de 2020, foi assinada, por 32 países, a Declaração de Consenso de Genebra, fruto da iniciativa promovida pelos Estados Unidos da América que objetivou alcançar uma saúde melhor para as mulheres, preservar a vida humana, apoiar a família como parte fundamental de uma sociedade saudável e proteger a soberania nacional na política global”. A assinatura conjunta dessa Declaração, posicionou o Brasil como uma forte liderança e exemplo mundial na proteção à vida humana, desde a concepção.

Mais à frente, o Manual traz abordagem equivocada quando trata da não punibilidade de abortos decorrentes de gestações de bebês com anencefalia, lacuna interpretativa jurisprudencial aberta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, após o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), nº 54. De acordo com o texto do Manual:

“Em 2012, além dos casos claramente previstos no Código Penal, por força de decisão do Supremo Tribunal Federal, prolatada no âmbito da ADPF nº 54, o aborto também restou autorizado na hipótese de anencefalia, obviamente, com expresso consentimento da gestante […] Essa decisão gerou muita controvérsia, por não deixar de constituir um alargamento do texto legal, tendo sido considerada exemplo do ativismo do Poder Judiciário. Muito embora até caiba essa crítica, no que concerne ao Direito Penal, trata-se de precedente plenamente defensável, pois, com relação a qualquer crime, para que se justifique a punição, faz-se necessário que seja exigível conduta diversa. com relação a qualquer crime, para que se justifique a punição, faz-se necessário que seja exigível conduta diversa. Em outras palavras, o Estado só pode recorrer ao Direito Penal para coibir um determinado comportamento, se for razoável exigir conduta diversa e, uma vez constatada a anencefalia, que inviabiliza a vida extrauterina, resta caracterizada a inexigibilidade de conduta diversa da interrupção da gravidez.”

Resumindo: o Manual, incorretamente, assume a narrativa pró-aborto de que a anencefalia impede a vida extrauterina, contrariando não apenas considerável parcela de médicos que discorda desta afirmação, bem como o movimento pró-vida, pois a realidade de fatos documentados apresenta casos de bebês que, mesmo com anencefalia, viveram por anos após nascidos.

O documento lançado pelo Ministério da Saúde destaca ainda o tema do sigilo profissional, garantindo à menor de idade (criança e adolescente) todo o sigilo no seu acompanhamento durante a gravidez, seja esta de que origem for (natural, decorrente de estupro etc.). Trata também da objeção de consciência (Código de Ética Médica, art. 7º), ressaltando o direito do médico de “recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência” (art. 28). Conforme o documento, “o médico tem o total direito de objeção de consciência para realizar um aborto. Isso não pode ocorrer se houver iminente risco de morte. Nas outras situações previstas em lei, o estabelecimento de saúde tem a obrigação de disponibilizar um médico sem objeção de consciência.”

Uma análise cuidadosa que precisa ser realizada é sobre a parte final do parágrafo citado acima, que exige a obrigação de estabelecimentos de saúde em prover médicos sem objeção de consciência, mas nada ressalta sobre a obrigatoriedade de que os estabelecimentos de saúde também garantam a presença em seu corpo funcional de médicos adeptos da objeção de consciência para os casos de abortamento. Qual a intenção do texto do documento? Orientar pela necessidade de médicos adeptos do aborto nos estabelecimentos de saúde, sem se referir à mesma obrigatoriedade de médicos pró-vida?

No que se refere ao procedimento de avaliação do abortamento, e referindo-se à Portaria Gabinete do Ministro (GM)/Ministério da Saúde (MS) nº 2.561/2020, o Manual estabelece que o procedimento “é composto por quatro etapas, em que a gestante receberá a atenção e a avaliação de uma equipe de saúde multiprofissional (art. 3, § 1º), composta por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo (art. 3, § 3º)”, afastando qualquer possibilidade “de justificação e autorização da interrupção da gravidez” por meio remoto, “cuja realização por telemedicina [Portaria nº 467, de 20 de março de 2020] não é autorizada e que deve – obrigatoriamente – ser acompanhado presencialmente por um médico no  ambiente hospitalar, onde se tem todos os aparelhos e recursos para salvaguardar a mulher de eventuais intercorrências decorrentes do procedimento em si ou da reação adversa dos medicamentos.”

Ressalta o Manual que “a vítima de crime contra a liberdade sexual e de crime sexual contra vulnerável, previstos nos capítulos I e II do Título IV do Código Penal, encontra-se em estado de extrema vulnerabilidade, e induzir o abortamento por telemedicina, utilizando-se de fármacos de controle especial, pode causar danos irreversíveis à mulher, uma vez que a imperícia por incapacidade técnica para realizar o procedimento em casa possibilita o perigo de advir um aborto incompleto, ruptura do útero, sangramento excessivo podendo levar a morte e o eventual efeito psicológico de observar a expulsão do conteúdo uterino. Esses fatores impõem, portanto, a internação da mulher em ambiente hospitalar até a finalização do processo.” Conclui reforçando a orientação “de que se possa proteger a integridade física das mulheres e zelar pela promoção da vida, o Ministério da Saúde compreende ser ilegal, e, portanto, não recomendável, o abortamento via telessaúde.”

O Capítulo 4 do Manual detalha toda a parte de acolhimento e orientação da gestante sobre a situação pessoal e familiar vivenciada, seja para a condução da gravidez até o nascimento com vida do ser humano que está sendo gestado, bem como em relação à sua decisão pelo abortamento.

Infelizmente o Manual, neste Capítulo, é relativamente superficial sobre as orientações a serem repassadas pelo corpo médico multidisciplinar sobre os diversos efeitos negativos (físicos, mentais, emocionais, relacionais etc.) decorrentes do abortamento, principalmente para a mulher e/ou esposo e família. No item 4.1.3 (Acolhimento), o Manual traz a orientação para se “identificar e avaliar as necessidades e riscos dos agravos à saúde em cada caso, resolvendo-os, conforme a capacidade técnica do serviço, ou encaminhando-a para serviços de referência”.

Mas quais os riscos à saúde? O Manual poderia ter sido mais específico, trazendo dados estatísticos e esclarecedores sobre os malefícios do aborto provocado, fartamente documentados em pesquisas e artigos médicos, nacionais e internacionais.

Da mesma forma em relação aos danos causados pelo abortamento para o “parceiro” da gestante (marido, namorado etc.), o Manual é suscinto, trazendo apenas a orientação de informar “as possíveis repercussões do abortamento no relacionamento com o parceiro”, sem tecer mais detalhes sobre os graves riscos familiares e relacionais oriundos da prática do abortamento provocado, como os apresentados, a título de exemplo, no livro Fatherhood Aborted.

Na mesma linha de raso aprofundamento sobre os efeitos do aborto, no ponto 4.1.1 do documento o Manual traz apenas a recomendação de que “do ponto de vista da escuta e da orientação oferecida pela psicologia, alguns aspectos podem ser aprofundados a depender da disponibilidade da mulher e das condições do serviço para este atendimento. Podem estar incluídas no roteiro de conversa questões como a maternidade e o desejo de ser ou não ser mãe, a sexualidade e o relacionamento com o parceiro. Assim como, na perspectiva da prevenção da repetição do abortamento, é importante o espaço para elaboração subjetiva da experiência, com a verbalização dos sentimentos, a compreensão dos significados do abortamento no contexto de vida de cada mulher.” Destaca ainda a obrigatoriedade de se “informar sobre os procedimentos e como serão realizados, sobre as condições clínicas da usuária, os resultados de exames, os cuidados para evitar complicações posteriores e o acompanhamento pós-abortamento”, mais uma vez o devido aprofundamento técnico a esclarecer os reais efeitos negativos pós-abortamento.

Na parte das Orientações Gerais (4.2.1, página 35), novamente o Manual de Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento não detalha aspectos que são de extrema importância para o conhecimento dos efeitos negativos do abortamento provocado, destacando apenas que “a fertilidade retornará logo após o procedimento, na maioria dos casos, se não houver causa mais grave para o aborto ou se não houver complicação. Assim, é necessária a orientação de planejamento reprodutivo e o acesso a métodos contraceptivos.”

Sobre as possíveis complicações do abortamento para a mulher, traz tão somente uma linha, com s frase “orientar sobre complicações”, permitindo que profissional de saúde se abstenha informar as diversas sequelas decorrentes do abortamento!

Sobre o procedimento abortivo, o documento apresenta um parágrafo que deve ser revisto por seus autores. A informação é a que “o aborto é a complicação mais comum da gravidez”. Sabe-se, de farta documentação e dados estatísticos levantados pelo próprio Ministério da Saúde, através do Sistema Único de Saúde (SUS), que o aborto não é a complicação mais comum da gravidez, estando apenas em quarto ou quinto lugar entre as causas-morte das mulheres que se submetem a tal procedimento.

À página 38, o Manual relata uma importante informação: a viabilidade fetal deve ocorrer a partir “20-22 semanas ou peso fetal de 500 g”. Assim é que “esse pode ser o peso atual da viabilidade fetal, após avaliado por especialista, considerando questões tais como: motivo da prematuridade, idade gestacional, presença de CIUR (crescimento intrauterino restrito), uso de corticoide, etc.” Do mesmo modo, o documento afirma que “a idade gestacional também deve ser avaliada e vem decaindo com o avanço da tecnologia médica”, mostrando que a taxa de sobrevivência de bebês nascidos com 22 semanas de gestação chega a ser de 17%, e de bebês nascidos com 23 semanas, a taxa de sobrevivência chega a ser de extraordinários 85%! Segundo o Manual, “sob o ponto de vista médico, não há sentido clínico na realização de aborto com excludente de ilicitude em gestações que ultrapassem 21 semanas e 6 dias. Nesses casos, cuja interface do abortamento toca a da prematuridade e, portanto, alcança o limite da viabilidade fetal, a manutenção da gravidez com eventual doação do bebê após o nascimento é a conduta recomendada.” O documento amplia ainda mais este tema, afirmando em várias partes do texto que:

 

“A sobrevivência de todos os recém-nascidos aumentou com a melhoria do atendimento ao longo do tempo, com os avanços nos cuidados perinatais e neonatais. Por isso, a partir da 22/23ª semana de idade gestacional, os fetos precisam ser identificados como viáveis, como detentores do direito à vida e devem receber assistência conforme a sua vulnerabilidade.”

   

“A Coordenação de Saúde das Mulheres (Cosmu) do MS esclarece que o aborto com excludente de ilicitude, previsto no inciso II do art. 128 do Código Penal, não pode ser imposto independentemente da idade gestacional pelo fato da observância do conceito da viabilidade, que é definido como estágio de maturidade fetal alcançado, em determinado período de tempo, em decorrência da evolução do desenvolvimento humano ainda no ambiente intrauterino. Este é utilizado como marco temporal no qual o feto apresenta alguma capacidade de manutenção da vida fora do ambiente uterino, mesmo vindo a nascer precocemente por algum motivo. O período mais precoce desse estádio com a tecnologia atual, inicia-se a partir da 22 semana gestacional e é denominado de periviabilidade. O nascimento de um ser humano a partir dessa época é conceituada como parto prematuro e não mais como abortamento.”

 

“Um relatório de 2008, do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD) Eunice Kennedy Shriver, da Rede de Pesquisa Neonatal, demostrou que de 4.446 bebês nascidos, entre 1998 e 2003, com peso ao nascer (PN) > 400 gramas (IG entre 22 e 25 semanas), cada aumento de 100 g no peso ao nascer reduzia diretamente o risco de morte ou deficiência do neurodesenvolvimento (NDI), semelhante à redução do risco de um aumento de uma semana na idade gestacional. Em um relatório de 2019, da Rede de Pesquisa Neonatal NICHD, informou-se que de 205 bebês nascidos, entre 2008 e 2015, com um PN <400 gramas, IG entre  22 e 26 semanas, 26% dos bebês tratados ativamente sobreviveram à alta.”

 

“Assim, como já foi abordado, ao passar das 23 semanas gestacionais, inicia-se o processo de um parto prematuro onde não cabe o amparo legal que prevê a eliminação da vida intrauterina por meio da destruição do produto da concepção nos casos de violência sexual, já que, pelo seu tempo de desenvolvimento, já se daria no parto prematuro de um embrião em desenvolvimento; em razão disso, estariam resguardados pelo reconhecimento da dignidade da pessoa humana e, portanto, serem merecedores de proteção jurídica assim como asseguradas pelas disposições da Constituição da República.”

 

“A Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece, como um dos seus princípios basilares, o direito inviolável à vida, sendo certo que o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002) dispõe, em seu artigo 2º, que a lei põe a salvo desde a concepção. Assim sendo, esses recém-nascidos prematuros têm o direito à assistência médica custeada pelo Estado. Eles também têm direito a condições favoráveis e sadias para se desenvolverem. Assegura o Pacto de San José da Costa Rica, celebrado em decorrência da Conferência Americana sobre Direitos Humanos, realizada em novembro de 1969 e tendo sido ratificado pelo Brasil em 1992 e  cujo teor inspirou nossa Constituição, sendo o nosso País dele signatário, que toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção.”

Um ponto considerado desnecessário, mas trazido pelo Manual, é a exposição de métodos anticoncepcionais de emergência. Segundo o texto, “outro método que deve ser destacado é a anticoncepção hormonal de emergência (AHE), considerando que sempre haverá mulheres convictas de que não voltarão a ter relações sexuais em curto espaço de tempo e, por este motivo, não usam métodos. Essas mulheres poderão estar expostas a relações sexuais inesperadas e não protegidas do risco de gravidez e de abortamento. A utilização da AHE poderá evitar a gravidez nesses casos”. Para um documento técnico, oriundo de um governo autointitulado pró-vida, a estratégia mais pertinente seria a de não dar ênfase a mecanismos de controle de gravidez, comumente conhecidos como “pílulas do dia seguinte”, que são considerados, por alguns médicos, como abortivo.

As consequências do aborto, não apenas para a mulher, mas também para seus parceiros e familiares, é outro assunto interessante e presente no Manual. Neste cenário de abortamento, todos são impactados diretamente pelo aborto, seja este provocado ou espontâneo. Segundo o Manual, “o aborto geralmente é um evento estressante para as mulheres e seus parceiros. Para muitos, representa a perda de um bebê mesmo em gestações iniciais”.

Há extensa bibliografia relatando casos de sofrimento, desilusão, angústia, ansiedade e sensação de luto pós-abortamento, principalmente entre parceiros e familiares da mulher que abortou. Dois livros são expoentes na demonstração da dor por que passam homens que vivenciaram situações de aborto: Fatherhood Aborted e Men and Abortion: Lessons, Losses, and Love.

O sofrimento do homem na vivência de um cenário de aborto é um tema que precisa ser cada vez mais aprofundado na luta em defesa da vida, pois o homem faz parte do contexto do aborto e tem papel fundamental no suporte à mulher que passou pelo doloroso processo do aborto, bem como na luta em defesa das mulheres e na busca pela eliminação do aborto provocado, como um mal à toda a humanidade.

Os abortamentos recorrentes são detalhados no Manual, com suas causas e, principalmente, consequências. Nesta parte do texto, o documento ressalta que “o risco de ter novo abortamento é maior entre as mulheres que já tiveram um abortamento, e aumenta com o número de abortamentos anteriores”.

Como já mencionado no meu livro, O que você precisa saber sobre Aborto (Ecclesiae, 2018), há uma tendência a abortos espontâneos recorrentes na proporção de abortos provocados realizados na gestante, o que indica que mulheres que pretendem engravidar, mesmo em algum momento mais tardio de suas vidas, precisam evitar abortos durante seu período ativo sexual. O aborto provocado, jamais sendo um procedimento seguro, tem como uma das graves consequências a possibilidade de impedir que mulheres deem à luz, pois aumentam as chances de, ante uma nova gravidez, as mulheres padecerem de abortos espontâneos.

Importante tema que não foi incluído no documento é a prevenção da gravidez através da abstinência sexual, principalmente para o público jovem e adolescente. O documento poderia ter trazido orientações sobre postergação de atividades sexuais precoces – com o início dos relacionamentos sexuais em momento de maior maturidade individual do homem e da mulher.

Este tipo de orientação é imprescindível não apenas para se evitar uma gravidez inesperada, mas também para diminuir a ocorrência de contaminação por DST’s, além da preservação do corpo e da integridade dos jovens, sejam meninos ou meninas.

No âmbito geral, o Manual de Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento renova as esperanças do movimento pró-vida brasileiro, já que busca reverter décadas de orientações receptivas ao aborto, em vários documentos emitidos por autoridades governamentais, além de desconstruir algumas narrativas ardilosas dos que militam na causa pró-aborto, causa esta que leva à exploração da mulher e à morte de crianças indefesas.