Há uma guerra acontecendo, com o potencial de acarretar sérias consequências a todo mundo. Diante disso, acredito ser importante fazer uma análise mais aprofundada sobre as razões ideológicas que existem por trás das ações do governo de Vladimir Putin, e que estão além dos motivos geopolíticos e econômicos declarados.
Nem todo mundo sabe, mas Putin possui como que um conselheiro permanente em assuntos estratégicos. Alexandr Dugin é a mente por detrás de muitas das decisões do presidente russo e o principal responsável por fornecer para o governo uma estrutura ideológica que lhe dê sustentação.
Há dez anos, o professor Dugin – que possui alguns admiradores aqui no Brasil – foi convidado para um debate, por escrito, com o professor Olavo de Carvalho. O debate, então, transformou-se em um livro, chamado “Os Estados Unidos e a Nova Ordem Mundial”. Nele, a ideologia duginiana foi exposta e devidamente contraditada pelo professor Olavo. Nas próximas linhas, farei uma síntese daquilo que Dugin expôs, para que possamos começar a entender o seu pensamento.
Segundo o professor Dugin, depois do fim da guerra fria, nasceu uma Nova Ordem Mundial, baseada na cooperação entre os EUA e a URSS. No entanto, com a dissolução desta, os Estados Unidos passaram a buscar o controle hegemônico da política e da economia mundiais. Para isso, eles apostariam em três vias concomitantes: a do Império Americano (da preferência dos neocons), a da unipolaridade multilateral (da preferência dos democratas) e o do simples e direto governo mundial (delineada nas mesas do CFR).
Tudo isso porque, conforme pensa Dugin, os EUA enxergam a si mesmos como o pico da civilização e o fim da história. Com isso, entendem-se obrigados a impor uma ordem global unilateral, tendo seu estilo de vida como o modelo a ser seguido em todo o mundo. Nessa tentativa de imposição, os EUA estariam promovendo um período de transição, que seria a passagem do liberalismo para um tipo de pós-humanismo, com a destruição de qualquer entidade social holística e com a fragmentação e atomização da sociedade.
O que Dugin quer dizer é que os Estados Unidos querem impor o seu estilo de vida, baseado na competição, no individualismo e no materialismo sobre todo o mundo, sufocando as formas mais tradicionais e naturais de existência, dissolvendo as identidades nacionais e desprezando as raízes culturais dos povos.
Porém, explica Dugin, contra essa ordem americana, existem grupos que se opõem, propondo configurações globais alternativas. Um deles seria o mundo islâmico e outro o neo-socialismo. Porém, há também o eurasianismo, o qual o professor representa. O Eurasianismo propõe simplesmente a divisão do mundo em grandes espaços, com a união de nações através da comunidade de valores e princípios. Seria, então, um mundo repartido em blocos ideológicos, cada um possuindo seu próprio estilo de vida e, consequentemente, sua própria maneira de viver, incluindo aí, seu próprio sistema econômico. A proposta eurasiana é o rompimento com a ordem político-econômica global, como ela vem sendo desenhada, para apresentar um modelo alternativo, que, se diz não querer dominar o mundo inteiro, certamente quer ter autonomia para dominar as nações que estiverem sujeitas à sua própria ordem.
Sendo assim, é um objetivo manifesto da ideologia eurasiana fazer com que a Rússia rompa com o sistema global atual. Isso significaria, segundo sua perspectiva, a libertação em relação ao imperialismo americano e uma verdadeira independência daquilo que é considerado por ela como uma imposição de uma forma de vida que é uma afronta às tradições e história russas.
Há diversas teorias que sustentam a ideologia eurasiana e que precisam ser compreendidas com mais profundidade. Por ora, é preciso entender que se trata de uma ideologia revolucionária, com elementos socialistas e fascistas, que tem como objetivo não apenas romper com uma ordem imposta desde fora, mas que pretende criar uma nova ordem, da mesma maneira autoritária.