Publicado originalmente em o Legionário, N.º 212, em 4 de outubro de 1936.
Nunca nos fartaremos de insistir sobre a frivolidade das tentativas oficiais de recristianização, a que se entregam alguns tímidos políticos, no Brasil. Nossas leis são muito pouco conhecidas entre nós, católicos ou não. Todos os que se dedicam a estudos jurídicos e sociais sentem, em geral, um interesse muito maior pelo que se passa na França, na Alemanha, na Inglaterra ou na Itália, do que pelo que ocorre no Brasil. Por este motivo, a grande maioria das conferências ou dos trabalhos que no Brasil se fazem sobre a questão social, não passam de uma longa exposição de princípios. Dados estatísticos, informações concretas sobre nosso ambiente, conhecimento exato e científico do terreno em que pisamos, muito raros são os que realmente os possuem. Ninguém sabe se nossas leis são cristãs ou anti-cristãs, pelo simples fato de que muito pouca gente as conhece.
É por esta razão que muita gente pensa que o Brasil é um Céu aberto, em que a Igreja atingiu o cúmulo da prosperidade, simplesmente porque ninguém A persegue, e porque nossos dirigentes são atenciosos para com nossas Autoridades Eclesiásticas.
Certamente, a liberdade da Igreja é um bem precioso. Certamente, é também muito de se louvar que o Poder Temporal trate com a devida reverência o Poder Espiritual. Mas, chegados a essa situação, podemos descansar? Qual é a finalidade da Igreja? Não consiste ela em desenvolver extensiva e intensivamente o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo? É certo que o Estado não opõe obstáculos a esse desenvolvimento?
Muita gente pensa que sim. E nós afirmamos que não. Para isto, basta conhecer um pouco de nossa legislação social. Um exemplo entre mil: há uma lei que estabelece determinadas vantagens para as famílias dos operários falecidos em serviço. Essa lei contém uma cláusula expressa, determinando que, para o efeito de perceber essas vantagens, a “companheira” e os filhos ilegítimos do operário sejam equiparados à esposa e aos filhos legítimos.
Ora o efeito deste artigo consiste precisamente em estimular os operários a que não se casem. Realmente, é imenso o número de famílias que, na classe operária, se constituem à margem da lei civil e da lei religiosa. Gente de pouca instrução e de deficiente formação religiosa, nenhuma vantagem pode perceber, na realização do casamento civil, e até mesmo do casamento religioso.
E, por esta razão, não se casa. As conseqüências disto são óbvias. As famílias operárias são, freqüentemente, de uma instabilidade assustadora. Não passam, muitas vezes, de grupo de fugazes aventuras. Esposas sem maridos, homens bígamos, filhos sem pais, são coisas que se encontra com freqüência muito maior, do que se poderia supor.
Muito operário há, pois, para o qual a família regularmente constituída perante o Estado parece um luxo burguês. Compreende-se como a semeadura do comunismo é fácil e remuneradora num terreno assim predisposto.
Seria, pois, absolutamente natural que a lei, por todos os meios ao seu alcance, procurasse incitar as classes mais modestas a se casarem com regularidade.
A tal ponto é óbvia esta verdade que um grupo de abnegadas Senhoras paulistas, secundadas poderosamente pela Cúria Metropolitana, se dedicam noite e dia ao ingrato afazer de regularizar, a expensas próprias, as famílias proletárias constituídas de fato e não “de jure”.
A necessidade que tais senhoras, que não são estadistas, perceberam, parece que não a perceberam nossas autoridades.
Daí a lei absurda, que mencionamos, que, equiparando sob o ponto de vista das vantagens, as famílias legítimas às ilegítimas, estimula a indiferença das massas em relação ao casamento.
Se cada operário soubesse que só poderia obter tais facilidades para os seus mediante um casamento regular, seria certamente maior o seu empenho em casar-se. Mas, ao que parece, ninguém cogita disto.
Esta lei é um exemplo como muitos outros. Em um país assim, é possível considerar-se que a Igreja nada em um mar de rosas?
O país em que o casamento corre o risco de parecer um luxo para uso meramente burguês do qual o operário pode prescindir, não é um país em que periga a instituição da família?
E o que é que não periga quando periga a família?