O crescente aumento de tensões no Leste Europeu vem trazendo grandes preocupações no cenário internacional, ao mesmo passo em o Pacífico se transforma em uma Guerra Fria mais rápida, e menos assimétrica.

Que a situação há muito já anda complicada na Região do Indo-Pacífico, não é novidade para ninguém, apesar de observarmos sempre com muita estranheza os movimentos cada vez mais ousados da China em relação a Taiwan, ou mesmo em relação à atuação das forças aliadas do Ocidente na região – que também não é um movimento novo de forma alguma. O simbolismo da presença Ocidental no Oriente mudou, mas principalmente porque estamos enfrentando um jogo cada vez mais balanceado com os chineses – algo que não era bem a realidade durante a Guerra Fria nas relações com a Rússia. Naquele tempo, ainda que a União Soviética fosse encarada por muitos como uma “superpotência” (especialmente na academia), na realidade a bipolaridade existente se baseava única e exclusivamente no campo político-militar, uma vez que a União Soviética apresentava uma assimetria enorme em relação à real superpotência do período – Estados Unidos – em todas as outras esferas.

Até a queda do regime socialista na década de 1990, apesar de sua proeza militar e, em especial, nuclear, a comparação entre as duas principais potências que lideravam os blocos capitalista e socialista era fortemente desproporcional, com a economia soviética e a capacidade de estruturação dos governos socialistas enfrentando sempre sérias dificuldades de manutenção e desenvolvimento. Talvez por esse motivo também, e não apenas pela Dissuasão Nuclear, o mundo tenha se mantido durante meio século nas disputas por meio de Proxy-Wars e não tenha mergulhado em uma Terceira Guerra Mundial de fato. A verdade é que pouco fez também o projeto das Nações Unidas – embora carregue seus méritos, hoje em grande parte perdidos – para estabilizar de fato o Sistema Internacional, sempre falhando em lidar com as maiores disputas entre as potências na Alta Política (High Politics), ou mesmo para solucionar eventos regionais desastrosos – como as crises civis (ainda) vivenciadas na África, nos Bálcãs, no Cáucaso, no Báltico, no Oriente Médio, no Sudeste Asiático, na América Central, dentre outros locais.

Dessa forma, o que nos manteve até então afastados de uma perspectiva de conflito maior foi a Balança de Poder (real) por meio das tratativas entre as potências. Mas por quê funcionou? Muitos diriam novamente que a Dissuasão Nuclear foi determinante nesse ponto – o que de fato foi, uma vez que a perspectiva de destruição mútua nunca foi interessante mesmo – mas a grande diferença de capacidade e alianças entre os dois polos de poder político também foi uma das principais causas para isso.

Quando olhamos para as duas Guerras Mundiais, por exemplo, apesar de termos grandes diferenças no caráter de Poder Imperial entre os principais beligerantes, sob um olhar mais analítico, identificamos que em termos de capacidades e desenvolvimento, sempre houve grande equilíbrio entre as partes. Reino Unido, França, Alemanha, Estados Unidos e Japão, por exemplo, eram potências que tinham sim algumas diferenças de capacidade entre si, mas em níveis muito mais simétricos que na comparação União Soviética e Estados Unidos. A Alemanha, em 1940, por exemplo, não dispunha de um Império Colonial, nem possuía alianças muito habilidosas ainda, mas tinha uma capacidade econômica, militar e produtiva talvez até maior que Reino Unido ou Estados Unidos no mesmo período, o que pode muito bem ter sido um fator de grande importância para o estímulo bélico à época, especialmente pela perspectiva de manutenção durante o conflito.

No cenário de hoje (2021), temos novamente a formação de dois polos de poder político com objetivos contrastantes, como na Guerra Fria, mas a Balança de Poder existente entre seus principais membros (Estados Unidos, China, Reino Unido e Rússia) é hoje muito menos assimétrica e muito mais equilibrada do que aquela do século passado. O fator China traz um balanceamento de capacidades muito significativo ao antagonismo do Ocidente, agregando a uma possível frente anti-Ocidente um nível de capacidade econômica e produtiva que tem o potencial de se tornar, em breve, tão pungente quanto aquela do Ocidente – que também enfrenta um espiral de deterioração. Nesse sentido, um alinhamento de objetivos, ainda que bem pragmático, entre China e Rússia, como estamos vendo até o momento, pode ser um elemento decisivo para um novo conflito de proporções totalmente indesejáveis pela civilização, que talvez nem mesmo a Dissuasão Nuclear seja capaz de impedir por muito tempo. Vale lembrar que, uma vez, o Poder Aéreo e a capacidade de bombardear o inimigo dos céus já foi considerado um grande elemento dissuasivo (no período entre guerras), que muitos julgavam extremamente eficiente para desencorajar conflitos de maiores proporções. Pouco tempo depois, tivemos o frenesi Nazista e a Segunda Guerra Mundial.

Ainda, temos hoje outra preocupação que têm sido em muito ocultada pelo protagonismo do Pacífico na Geopolítica atual: novos (e grandes) problemas no Leste Europeu. Assim, como da última vez, temos a evolução rápida de dois Cenários com alto potencial Bélico em escala mundial: o Cenário do Pacífico e o Cenário Europeu; talvez com a diferença de que, hoje, o maior peso se concentra no Pacífico, e não mais na Europa. Dessa forma, talvez estejamos vivendo hoje um dos períodos mais delicados da história, no qual a eficiência da Dissuasão Nuclear será constantemente testada, de agora em diante. Será que o mundo conseguirá equilibrar uma realpolitik somada ao universo nuclear?

Arrisco-me a dizer que nossa principal esperança repousa muito mais sobre o fracasso do alinhamento e da complementariedade desenhados entre Rússia e China, do que na dependência constante do medo da fusão atômica. Precisamos, agora mais do que nunca, do mais alto nível de Diplomacia com Moscou. Contudo, isso não pode ser confundido – de modo algum – com demonstração de fraqueza ou passividade. Afinal, a Alta Diplomacia nunca foi sinônimo de Pacifismo ou subserviência, mas sim de Realismo, Pragmatismo e Força.