“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21) — mas, com efeito, o que César deve a Deus?

Tornou-se uma moda, ou melhor, um dogma moderno, dizer que a política é o campo do “possível”. Ainda, que a política é o campo de ação prática. Portanto, tudo é possível na medida em que é possível. Tudo pode ser considerado uma ação prática dentro de um ponto de vista viciado.

As miudezas políticas, as fofocas dos bastidores, as tramas obscuras das portas fechadas, etc., tornaram-se o suprassumo não somente da análise política, mas da vida humana per se. O analista determinado em desvendar quaisquer destes mistérios pode se considerar um sujeito competente no assunto. E o motivo parece-nos simples: as pessoas anseiam pela novidade, pela empolgação, pela adrenalina do quebra-cabeça dos bastidores políticos.

As análises das miudezas do dia, dos comentários mais superficiais e pueris, das fofoquinhas entre partidos políticos e assessores pagos com o nosso dinheiro, são portas abertas para carreiristas e oportunistas que possuem grande chance de acertos, afinal, em terra de cegos quem tem olho é rei!

De alguns anos para cá, mesmo com o boom da situação política no Brasil, as grandes massas concentraram-se em resolver vários problemas imediatos — que eram (e ainda o são) em grande demasia e burocráticos sem compreender, de fato, à substância dos mesmos problemas. Isto é, atuaram no campo do puro devir, das questões mais acidentais, enquanto não se deram conta de fundamentar suas ações do campo prático.

Dizia Olavo: “Digo desde 2013: Não tentem liderar, sigam apenas o povo. Façam o que o povo quer. O brasileiro é hoje o povo com maior consciência política no mundo. Já a elite — incluindo jovens intelectuais de esquerda e direita — a mais alienada”.

Pois bem, as ações práticas sem proposições fundamentadas, podem fazer, num determinado momento, que ocorra ainda maiores confusões do que sua intenção inicial. Se não se sabe o fim devido de que se quer alcançar, o princípio da ação será vazio de sentido, de propósito, e, inevitavelmente, cairá em bom grado no colo daqueles que pensaram de maneira maquiavélica naquilo em que o povo comum deveria ter pensado antes. Creio que o melhor exemplo do que foi dito é a instrumentalização das grandes ações populares de 2015 e 2016 que foram “tomadas de assalto” pelos liberais pero no mucho. Todo o protagonismo prático procurado pelo povo ficou por conta de adolescentes existenciais que apareceram como os salvadores da pátria e combatentes do establishment.

Com efeito, o que é necessário compreender além da afirmação clara de que a presença do povo na política é completamente legítima enquanto se repousa o devido fim no bem comum , é que toda ação, sendo apenas uma modificação transitória e acidental no ser, não poderia ter em si mesma o seu princípio e sua razão suficiente. Esse aparente pequeno detalhe, mas essencialíssimo ao postularmos uma ação prática, ainda escapa à percepção de pessoas que sem sombra de dúvidas estão bem intencionadas ao lutarem pelo seu país e pelos seus entes queridos.

Contudo, para entender esse pequeno (importante) detalhe, requer-se que debrucemos nossa atenção à política como parte da razão prática e não apenas como um conjunto caótico de miudezas da rotina pueril da modernidade. Pois que, de revolução em revolução, o ethos moderno fechou as portas mesmo que recentemente, pois estamos falando de poucos séculos para toda a fundamentação do poder que construiu nossa civilização. Portanto, o verdadeiro analista, procurará o fundamento das ações dispares nos elementos civilizacionais e na história real dos povos e não pura e simplesmente nas intrigas do momento. Terá de se adquirir cultura para saber o que de mais elevado foi cultivado no determinado povo, o que o formou, quais são seus valores e o quê de suas particularidades se interligam àquilo que é universal, essencial, verdadeiro e imutável. Aqui fica claro que o mais importante não é a consideração da ação prática como princípio e fim, mas daquilo que a embasa e que não depende dela em si mesma para ser aquilo que é.

O grande salto para essa compreensão dos princípios e fundamentos da ação, torna o analista, imediatamente, um quase arqui-inimigo do racionalismo moderno. Pois está indo além da malfadada compreensão de que a verdade só pode ser encontrada no reino da quantidade e da extensão, nunca em suas qualidades e essências. O subjetivismo epistemológico, na política, tornou-se o liberalismo na prática. Uma sociedade naturalista fundada da vontade arbitrária do homem, pela sua ação pura o que é uma contradição em termos e pelo indiferentismo em matérias essenciais, como a religião. Logo, toda ação política do homem deve ser em prol da manutenção de um status quo ligado à estrutura de poder substancial do Estado. Voltando ao comentário feito acima das manifestações brasileiras de 2015/16, vejam que essa máxima foi amplamente aplicada: não poderíamos exigir a queda de toda a classe política corrupta, mas apenas a retirada de um membro, para que não se modifique em nada o sistema como um todo. Não é possível modificar em nada o deus-Estado, ele impera na modernidade como uma divindade superior que regula todas as outras. É o emanador das crenças politeístas que hoje fazem o imaginário e a vida dos membros da Pólis.

Ainda sobre os princípios, é importante continuar salientando pois, numa visão realista e natural, sabe-se que o homem é não é causa de si mesmo, diferentemente dos dogmas naturalistas modernos, mas é causado pelo Ser Necessário. Assim, sendo o homem um composto de corpo e alma, assim se entende que o poder temporal é um corpo com vários membros que possui uma alma: a autoridade espiritual. Contudo, no maravilhoso mundo da Luz que disse derrotar as superstições religiosas, essa ordem natural das hierarquias mescla-se à vontade arbitrária das potestades temporais. A famigerada razão de Estado assimila toda a problemática espiritual em sua engrenagem de poder. Nivela por baixo todos os credos como se fossem espécies do mesmo gênero e, num momento seguinte, dita quais devem receber mais valor e quais não devem, pois todas fazem parte de um grande engenho da humanidade. As religiões tornam-se meras compreensões do homem no mundo e perde-se todas as questões transcendentais da salvação das almas e dos grandes propósitos da existência. Isto é, as religiões têm uma mera utilidade temporal dentro de uma lógica fideísta, subjetivista e acidental. É aquilo que o sujeito deseja acreditar enquanto não obrigue mais ninguém a acreditar. Cada um tem o seu deus, cada cabeça uma sentença, etc. Não à toa que esse efeito maluco, na política, culmina na divinização das miudezas. O que importa são os indivíduos atomizados e suas ligações com o poder. Não há proposições, não há objetividade, mas apenas convenções temporárias para uma determinada estrutura prevalecer-se sobre outras. Eis a grande substituição da Cristandade: a distinção e ordenação do poder temporal à autoridade espiritual ofende a razão humana, mas a mescla arbitrária dos dois numa Religião racionalista da Humanidade, não. É óbvio que se isto se trata de uma ofensa à inteligência natural do homem e a Deus. Afinal, as grandes revoluções modernas, como reiterei diversas vezes em vídeos e artigos, atentaram-se contra uma coisa em específico: à busca do homem salvar-se da Cidade dos Homens sitiada para contemplar a Deus por essência em sua Cidade.

Reparem que essa visão da política, isto é, enquanto militância temporal para o alcance do fim devido do homem, vai além das mesquinharias e empolgações das novidades pueris. Trata-se, com efeito, de analisar o homem em toda a sua dimensão corporal e espiritual. Engana-se aquele que acusa aos cristãos de ignorarem os aspectos temporais e os problemas da existência humana enquanto tal. Afinal, não somos gnósticos, mas cristãos! Entendemos que a vida temporal humana deve ser educada em todas as suas potências em sua vocação e santidade e que, a política, é um dos meios para que o homem possa viver bem consigo mesmo, com sua família e sua comunidade. Por essa razão não defendemos revoluções de “cima para baixo”, mas a formação da Cidade de “baixo para cima”, fundamentando a estrutura de poder nas relações naturais e substanciais do homem — e não pela artificialidade do poder moderno que, sem sombra de dúvidas, não é absolutamente indiferente, mas propõe que o homem deve ser sempre absoluto em si mesmo, divino, livre das questões contingentes reais que o abarcam.

Em contraste com os rococós mesquinhos da política rotineira, que, como dito, deve ser analisada à luz de uma fundamentação realista, temos à compreensão de que Nosso Senhor Jesus Cristo deve reinar, não apenas nos corações, mas nas sociedades. Pois a Santíssima Trindade é a razão fundamental de todo e qualquer arranjo humano. Dizia Jorge Barrera, importante autor escolástico, que a política, nos tempos clássicos e na Cristandade, era o estado da coisa pública (res publica). Ou seja, tratava-se de uma concepção tradicional dos homens e de formas de organização social fundamentadas em princípios imutáveis. No advento do Estado moderno, temos a coisa pública do Estado. O Estado, portanto, perde sua posição acidental e torna-se substância. É a res cogitans, o regulador pensante de toda a vida humana, como dizia José Pedro Galvão de Sousa.

Em 1925, o Papa Pio XI instituiu a festa em honra a Cristo Rei, baseando-se em sua Carta Encíclica Quas Primas, com à intenção de homenagear Aquele que é o princípio e fim de todas as coisas — inclusive da possibilidade do ser humano agir. Com grande sabedoria, Pio XI declara uma “guerra cristera” contra o então fortalecimento do laicismo — a separação entre Igreja e Estado que, analogamente, se tratou também da separação da compreensão do ser humano como ente composto de corpo e alma.

Diz o Padre Paulo Ricardo sobre esta festa:

Não devemos nos contentar, de fato, com o “cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais” (id.), pois ser cristão é muito mais do que isso: é confessar o reinado social de Cristo sobre todos os povos; é confessar que, acima de todos os césares deste mundo louco, há um Deus que tudo governa com sabedoria; é viver, enfim — e buscar que as pessoas ao nosso redor vivam — de acordo com as leis que essa Inteligência suprema ditou, desde toda a eternidade, para a nossa felicidade e eterna salvação.

Dom Marcel Lefebvre, em seu livro “Do Liberalismo à Apostasia” diz num seguinte tópico na pg. 186:

“Uma inclinação natural do homem para Deus?”

“A identidade das almas verdadeiramente orientadas para Deus nas outras religiões fica no segredo de Deus e escapa ao julgamento humano. Por isso é impossível basear sobre ela algum direito natural ou civil. Seria fazer a ordem jurídica das sociedades se basear em suposições furtuitas e arbitrárias. Finalmente, seria basear a ordem social na subjetividade de cada um e construir a casa sobre areia.”

E diz noutro tópico na pg. 221:

“A sã teologia, também a de Santo Tomás”

“Além da sabedoria natural, que é a sã filosofia, aquele que se queira preservar do liberalismo deverá conhecer a sabedoria sobrenatural, a teologia. Sabemos que a “teologia de Santo Tomás” é recomendada pela Igreja para se adquirir uma ciência profunda da ordem sobrenatural. Os padres do Concílio de Trento quiseram que a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino fosse colocada aberta bem no centro da Santa Assembléia, juntamente com a Sagrada Escritura e os Decretos dos Supremos Pontífices, para extrair dela conselhos, razões, juízos. Seguindo Santo Tomás, o Concílio de Trento dissipou as primeiras nuvens do naturalismo nascente.

Quem melhor do que Santo Tomás mostrou que a ordem sobrenatural ultrapassa infinitamente as capacidades e as exigências da ordem natural? Ele nos mostra como Nosso Senhor, por meio de seu sacrifício redentor, pela aplicação de seus méritos, elevou a natureza dos resgatados pela graça santificante, pelo batismo, pelos outros sacramentos, pelo Santo Sacrifício da Missa. Conhecendo bem esta teologia, aumentaremos em nós o “espírito de fé”, ou seja, a fé e as atitudes que correspondem a uma vida de fé.”

Impugna-se, portanto, àqueles que nos acusam de maneira injusta a ignorância em relação à importância da ação política. Estamos, apenas, colocando as coisas em seus devidos lugares.

Instaurare Omnia in Christo, dizia o lema de São Pio X.

O resgate cultural de que tanto se fala repousa na Liturgia e na educação humana em toda a sua integridade para que, na política prática, reine a lei impressa no coração do homem, como dizia o Apóstolo Paulo e que, com devida Justiça, reine a lei de Deus como princípio e fim de todas as coisas. Diferindo da desordem do neopositivismo jurídico que separa a lei positiva em ordem das leis naturais e divinas.

Que a Solenidade de Cristo Rei possa elevar o nosso entendimento político em relação às ações que tanto buscamos ter diante dos problemas que nos abalam. E que possamos, por fim, superar as histerias momentâneas para embasarmos às nossas necessidades mais imediatas naquilo que realmente importa.

VIVA CRISTO REY PARA TODO SEMPRE!