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Camila Abdo

Genocídio Armênio – O genocídio esquecido

 

“Afinal de contas, quem é que se lembra hoje em dia sobre a destruição dos armênios?” – Hitler, dias antes de atacar a polônia e dar início ao Holocausto.

Dois genocídios são poucos falados e raramente lembrados: Holodomor e o armênio. Holodomor ocorreu na Ucrânia e significa “deixar morrer de fome”, protagonizado por Stalin. Já o genocídio armênio, foi o extermínio sistemático pelo governo otomano de seus súditos armênios, minoritários dentro de sua pátria histórica, que se encontra no território que constitui a atual República da Turquia. Até hoje a Turquia não reconhece o genocídio de armênios.

O que aconteceu

O Massacre Armênio foi o extermínio sistemático dos armênios, promovido pelo governo otomano de seus súditos armênios, minoritários, que se encontravam no território que constitui a atual República da Turquia.

O número total de pessoas mortas no genocídio é estimado entre 800 mil e 1,8 milhão. O dia 24 de abril de 1915 é convencionalmente considerado a data de início dos massacres, quando as autoridades otomanas caçaram, prenderam e executaram cerca de 250 intelectuais e líderes comunitários armênios em Constantinopla.

O genocídio foi realizado durante e após a Primeira Guerra Mundial e executado em duas fases: a matança da população masculina através de massacres e sujeição de recrutas do exército para o trabalho forçado, seguida pela deportação de mulheres, crianças, idosos e enfermos em marchas da morte que levavam ao deserto sírio.

Impulsionada por escoltas militares, os deportados foram privados de comida e água e submetidos a roubos, estupros e massacres periódicos. Outros grupos étnicos e cristãos, como os assírios e gregos otomanos, também foram igualmente perseguidos pelo governo otomano e seu tratamento é considerado por muitos historiadores como parte da mesma política genocida. A maioria das comunidades armênias que surgem após a diáspora deste povo por todo o mundo são um resultado direto do genocídio.

O genocídio armênio é reconhecido como tendo sido um dos primeiros genocídios modernos. Os estudiosos apontam para a forma organizada em que os assassinatos foram realizados a fim de eliminar o povo armênio, e é o segundo caso mais estudado de genocídio após o Holocausto, promovido pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

A Turquia, o Estado sucessor do Império Otomano, nega o termo “genocídio” como uma definição exata para os assassinatos em massa de armênios, que começaram sob o domínio otomano em 1915.

Nos últimos anos, o governo turco tem enfrentado seguidas reivindicações para reconhecer o episódio como um genocídio. Até o momento, 29 países reconheceram oficialmente os assassinatos em massa como um genocídio, uma visão que é compartilhada pela maioria dos estudiosos e historiadores deste período histórico.

Império Otomano

O Império Otomano ou Império Turco-otomano teve início por volta de 1300, no território em que é hoje a República da Turquia e terminou na Primeira Guerra Mundial. Os territórios abrangiam parte do Oriente Médio, do sudeste da Europa e do norte da África. Nos séculos XV e XVI, era uma das maiores potências do mundo e consolidou-se com a conquista das regiões pertencentes ao Império Bizantino.

O surgimento ocorre no início do século XI, a partir do momento em que tribos formadas por turcos nômades passam a se fixar na Anatólia, região que hoje corresponde ao território da Turquia.

O apogeu está na tomada de Constantinopla (1453). O nome “otomano” deriva do guerreiro Otman I (1258-1324), responsável pelo processo de consolidação do Império Otomano a partir do século XIII. Os otomanos são oriundos da tribo de Ghuzz, região onde está situado o Cazaquistão.

A religião predominante era a muçulmana.

Atrocidades

O extermínio abrangeu diversos métodos de torturas, como incêndios, afogamentos, uso de agentes químicos e biológicos, deportações, estupros, tráfico de escravos, marchas de morte e campos de extermínio.

Incêndios

O membro do Nili, Eitan Belkind, infiltrou-se no exército otomano como um oficial e foi designado para o quartel general de Kemal Paxá. Ele alega ter testemunhado a queima de 5.000 armênios.

O depoimento de 12 páginas de Wehib Paxá, comandante do Terceiro Exército, datado de 5 de dezembro de 1918, foi apresentado nos julgamentos de Trebizonda (29 de março de 1919) e consta nas acusações os relatos da queima em massa da população de uma aldeia perto de Muş. Todos morreram.

Wehib Paxá disse que: “o método mais rápido para a eliminação das mulheres e crianças que se concentravam nos vários campos foi o de queimá-las”. E, também, que os “prisioneiros turcos que aparentemente tinham presenciado algumas dessas cenas ficaram horrorizados e enlouquecidos com a lembrança desta visão. Russos afirmaram que, vários dias depois, o odor da carne humana queimada ainda impregnava o ar”.

Afogamento de mulheres e crianças

Oscar S. Heizer, o cônsul estadunidense em Trebizonda, relatou: “Muitas crianças foram colocadas em barcos, levadas e jogadas ao mar”. O cônsul italiano de Trebizonda, em 1915, Giacomo Gorrini, escreve: “Vi milhares de mulheres e crianças inocentes colocadas em barcos emborcados no Mar Negro”. Os julgamentos de Trebizonda relataram que armênios podem ter sido afogados no mar Negro.

Philip Hoffman, encarregado de negócios estadunidense em Constantinopla, escreve: “barcos de carga enviados de Der Zor descendo o rio (Eufrates) chegavam a Anah (Iraque), a 30 milhas de distância, com três quintos dos passageiros desaparecidos”.

Agentes químicos e biológicos

Durante os julgamentos na corte marcial em Trebizonda, a partir das sessões realizadas entre 26 de março e 17 de maio de 1919, o inspetor dos serviços de saúde Dr. Fuad Ziya escreveu em um relatório que o Dr. Saib causou a morte de crianças com injeções de morfina. A informação teria sido fornecida por dois médicos (Drs. Ragib e Vehib), colegas de Saib no hospital Crescente Vermelho de Trebizonda, onde essas atrocidades alegadamente teriam sido cometidas.

Os médicos ainda denunciaram que dois prédios escolares foram usados para organizar crianças, enviá-las para o mezanino e matá-las com equipamentos de gás tóxico.

Inoculação de tifo

O cirurgião otomano, Dr. Haydar Cemal escreveu: “na ordem do escritório central de saneamento do Terceiro Exército, em janeiro de 1916, quando a propagação do tifo era um problema agudo, armênios inocentes previstos para deportação em Erzincan foram inoculados com sangue de pacientes com febre tifoide, sem que este sangue fosse tornado inativo”.

Já Jeremy Hugh Baron relatou que: “Os médicos foram diretamente envolvidos nos massacres, envenenando bebês e fornecendo atestados de óbito falsos indicando morte por causas naturais para crianças”.

Deportações

Em 29 de maio de 1915, o Comitê para a União e o Progresso aprovou a Lei temporária de deportação (Lei Tehcir), dando ao governo e militares otomanos autorizações para deportar aqueles vistos como uma ameaça à segurança nacional. A Lei Tehcir trouxe algumas medidas relativas à propriedade dos deportados, mas em setembro uma nova lei foi proposta.

Por meio da “Lei sobre propriedades e bens abandonados por deportados” (também conhecida como a “lei temporária sobre expropriação e confisco”), o governo otomano tomou posse de todos as propriedades e bens armênios “abandonados”.

O parlamentar otomano, Ahmed Riza, protestou contra essa legislação:

“É ilegal designar os ativos armênios como “bens abandonados”. Os proprietários, não abandonaram suas propriedades voluntariamente, eram forçosamente retirados de seus domicílios e exilados. Agora, o governo através de seus esforços está vendendo seus bens… Se somos um regime constitucional funcionando de acordo com uma lei constitucional, não podemos fazer isso. Isto é atroz. Pegue meu braço, expulse-me de minha aldeia e, em seguida, venda meus bens e propriedades. Tal coisa nunca pode ser permitida. Nem a consciência dos otomanos nem a lei poderá permitir que seja.       ”

Em 13 de setembro de 1915, o parlamento otomano aprovou a “Lei temporária de expropriação e confisco”, afirmando que todos os bens, incluindo terras, gado e casas pertencentes aos armênios, seriam confiscados pelas autoridades.

Com a implementação da Lei Tehcir, o confisco de bens e o massacre de armênios que se seguiu à sua promulgação indignaram grande parte do mundo ocidental. Enquanto os aliados do Império Otomano na guerra ofereceram pouca resistência, uma riqueza de documentos históricos alemães e austríacos atestam o horror das testemunhas nos assassinatos e fome em massa de armênios.

Nos Estados Unidos, o jornal The New York Times relatou quase diariamente sobre o assassinato em massa do povo armênio, descrevendo o processo como “sistemático”, “autorizado” e “organizado pelo governo”. Mais tarde, Theodore Roosevelt caracterizou este como “o maior crime da guerra”.

Marchas da morte

Os armênios foram levados para a cidade síria de Deir ez-Zor e para o deserto em redor. Evidências sugerem que o governo otomano não forneceu quaisquer instalações ou suprimentos para sustentar os armênios durante a sua deportação, nem quando eles chegaram.

Em agosto de 1915, o New York Times repetiu um relatório que reportava que “nas estradas e no Eufrates estão espalhados os cadáveres dos exilados, e os que sobrevivem estão condenados a uma morte certa. É um plano para exterminar todo o povo armênio”. Os massacres priorizavam a elite, muito embora, ao final do genocídio, a maior parte da comunidade armênia foi afetada.

Tropas otomanas escoltando os armênios não só permitiram roubos, estupros e assassinatos dos últimos, como muitas vezes participaram destes atos. Privados de seus pertences e marchando para o deserto, centenas de milhares de armênios morreram.

“Naturalmente, a taxa de mortalidade por fome e doença foi muito alta e aumentou com o tratamento brutal das autoridades, cuja relação para com os exilados, conduzindo-os para o deserto, não é oposta à de mercadores de escravos. Com poucas exceções, nenhum abrigo de qualquer tipo foi fornecido e as pessoas provenientes de um clima frio são deixadas sob o sol escaldante do deserto, sem comida e água. Alívio temporário só pode ser obtido por poucos capazes de subornar funcionários”.

Campos de extermínio

Acredita-se que 25 grandes campos de extermínio existiram, sob o comando de Şükrü Kaya, um dos maiores colaboradores de Mehmed Talat. A maioria dos campos situavam-se perto das modernas fronteiras entre Turquia, Síria e Iraque. Alguns foram apenas campos de trânsito temporários. Outros, como Radjo, Katma, e Azaz, podem ter sido usados apenas temporariamente, para valas comuns; estes sítios foram revogados por volta do outono de 1915. Alguns autores também afirmam que os campos de Lale, Tefridje, Dipsi, Del-El, e al-‘Ayn Ra foram construídos especificamente para aqueles que tinham uma expectativa de vida de alguns dias.

O fim do genocídio

Em 1923, com o fim da guerra, a Armênia foi anexada à URSS. Entretanto, a população de armênios que conseguiu voltar para regiões centrais da Turquia passou a ser novamente alvo de ataques dos turcos, tal como enfatiza Yuri Vasconcelos:

“Desta vez, a violência foi dirigida a armênios que haviam retornado às suas casas na Anatólia Oriental após o final da Primeira Guerra Mundial. As execuções, torturas, expulsões e maus-tratos foram arquitetados e promovidos pelo governo nacionalista de Mustafá Kemal Atatürk, considerado o pai da Turquia moderna. Em 1923, a população armênia na Turquia estava restrita à comunidade existente em Constantinopla.”

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