A última dos palpiteiros é alegar que toda big tech, por ser um serviço, possui o direito de censurar canais como o Terça Livre e de não ceder suas plataformas por mero desejo após iniciada a relação jurídica entre eles. Isso é uma tremenda falta de conhecimento jurídico.

Big techs possuem um vinculo contratual com os seus usuários. Vínculos contratuais são regidos por princípios como o de continuidade, de expectativa, de obediência contratual e de clareza das partes quanto às suas sanções, justamente porque essas precisam levar em conta a equidade e a legalidade.

Normalmente, há todo um caráter de oficialidade para rompimentos de contratos formais. O mais comum é através da notificação extrajudicial, onde uma parte expõe à outra detalhadamente as razões da rescisão, justamente para convencimento de que incidiram cláusulas ou de que numa litigância a parte interessada na permanência do contrato teria uma derrota.

Violando esses princípios, as big techs rescindem a relação via e-mail, sem nenhuma clareza, justamente para que não sejam contestadas e para não criar prova contra elas mesmas. Não é à toa que, sem falar ou justificar absolutamente nada, se apegam a clichês como “graves violações”, “discurso de ódio”, ou mesmo utilizam não mais de duas linhas de descrição das violações.

Ora, a jogada aqui é não ter de se explicar e dar à outra parte a impressão de ser inalcançável, desmotivando qualquer litigância ou ato político contrário. Até porque, já imaginaram se o Terça Livre divulgasse que “o Google alega que nos excluiu por atacar o Biden” ou “porque divulgamos um estudo sobre hidroxicloroquina”? É óbvio que o próprio rompimento seria daí um tremendo escândalo, passível de danos de toda a sorte. Nesse caso, pra quê entrar em pormenores se você pode se assentar em bom mocismo, isenção e manipulando narrativas?

Não obstante, se nos Estados Unidos a liberdade contratual prepondera entre as partes, no Brasil é a lei que prepondera em relação ao estabelecido em contrato. Sendo assim, como é altamente inconstitucional a censura, a limitação do livre discurso e de outras liberdades, são as empresas de tecnologia que precisam obedecer esses direitos fundamentais se querem permanecer no país.

Permitir que atos como o que aconteceram com o Terça Livre se tornem possíveis é diminuir a Constituição do país. Ou o governo acorda e cria mecanismos legais que estabeleçam que a censura é intolerável em qualquer sentido por ser uma intervenção direta nas liberdades brasileiras, ou vai ser o governo que permitiu que uma nova espécie de tirania surgida no exterior fosse semeada em solo brasileiro.