A renovação contemporânea do pensamento gnóstico desenvolveu-se no Ocidente como uma consequência “espontânea” do movimento de secularização, que se descobre com o recuo que visava somente à religião dominante, a saber, o Cristianismo.” – Padre Joseph-Marie Verlinde

É preciso afirmar, taxativamente: a Modernidade não é, de fato, nada moderna! O caráter ocultista nos “dogmas” modernos, a saber, a primazia do humanismo absoluto, a separação entre Igreja e Estado, o liberalismo, é cada vez mais escancarado no mundo acadêmico e cultural. É de pouco conhecimento no debate direitista (sic.) atual o fundamento daquilo de que se diz combater com maior profusão: o errôneo e metonímico “progressismo”. Eric Voegelin, em sua magna obra, “Anamnese”, demonstra apodícticamente que a forma mentis moderna é a recauchutagem dos Antigos Impérios Cosmológicos e seus mitos esotéricos. Além disso, o próprio conservadorismo moderno – aparentemente antagônico às agendas revolucionárias — bebe de fontes místicas e espirituais de um esoterismo atávico, presente e atuante na política moderna. O dito “progressismo” nada mais é de que uma dialética histórica que assimila as duas vias revolucionárias: a Via da Mão Esquerda e a Via da Mão Direita, o caminho abrupto e acelerado e o caminho lento e soft.

Essas verdades, se quisermos realmente combater o bom combate contra as potestades diabólicas da modernidade (ou pós-modernidade), precisam ser ditas e encaradas racionalmente e experimentadas na realidade concreta.

Enfatizo em meus artigos e videoscasts a necessidade de resgatarmos – ao menos os princípios – da Filosofia autenticamente perene. E aqui não digo a quimera do perenialismo esotérico, mas da Sã Filosofia que, à luz da Revelação Cristã, formou toda uma Civilização temporal em ordem ao fim último devido do homem. É mister entender que a modernidade teológica, filosófica, metafísica, ontológica e científica se trata de uma inversão essencial: não é mais o Verbo que se Encarnou para redimir os homens de seus pecados mediante a Graça, mas é o Homem que se faz Deus no processo histórico imanente.

Em contraste, temos a essencialíssima síntese tomista da relação entre Deus e o mundo. Ou melhor, da absoluta transcendência de Deus em relação ao mundo!

Para assanhadinhos das novidades políticas do dia, esse debate passa longe de seus horizontes de consciência. Animados com cada notícia, com acontecimentos menores dos bastidores políticos-burocráticos, pensam que o saber político repousa apenas nas ações menores dos agentes políticos e não em seu fundamento especulativo. A razão metafísica pela qual cada agente político age direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente.

Contudo, para valorizarmos nosso conhecimento dessa ordem prática e temporal da rotina, é preciso resgatar os princípios eternos e imutáveis.

Sto. Tomás de Aquino em sua Suma Teológica apresenta, além das Cinco Vias para demonstrar o Ser Divino, à distinção real entre Ser e Essência. As duas teses explicam-se e ajudam-se mutuamente no entendimento da presença de Deus e do papel do ser humano no mundo.

O Ente por Essência – que é Deus mesmo – distingue-se realmente (distinguuntur realiter) do Ente por Participação (criaturas). A essência das criaturas é uma potência em relação ao Ato de Ser sustentado por Deus (Ser Subsistente por Si) e limita o modo de ser (modus essendi) de cada uma. Com efeito, a essência limita o ato de ser em cada espécie inteligível. Cada criatura criada por Deus é individualmente aquilo que é por conta de seu Ser criado recebido de Deus por participação.

Nessa tese Sto. Tomás sintetiza duas grandes tradições gregas, a saber, a platônica e aristotélica. Claro, sempre com aquela pitada magnífica da tese de Santo Agostinho quanto à participação das criaturas no Ser de Deus se dar pela presença da Graça. Em resumo, o encontro da natureza adâmica do homem com a Graça de Deus.

Se somos capazes de conhecer realmente aquilo cada coisa (res) do mundo é de fato, isto se dá por todo um campo de inteligibilidade criado por Deus. Por uma ordem pré-estabelecida que independe da particularidade e subjetividade de cada um para ser aquilo que é. Disso derivamos que há uma bondade essencialíssima na criação e no mundo físico. Se Deus fosse um Ser arbitrário, que engana aos nossos sentidos com às coisas sensíveis, nada conheceríamos e viveríamos numa verdadeira prisão cósmica. Por conta dessa ordem criada pelo Ser que é Ato Puro e não se confunde com à criatura, podemos saber que toda ação residente na razão prática implica uma Metafísica como causa primeira das causas secundárias.

Vejo, indubitavelmente, o enobrecimento que Deus dá aos homens diante desse constructo racional. Mesmo com à mancha do pecado em nossa natureza, somos capazes de conhecer a Deus pelos seus efeitos através da percepção e da demonstração chamada Quia (dos efeitos para a Causa Primeira). Ora, se no mundo, portanto, há uma ordem substancial entre sujeito cognoscente e objetos cognoscíveis, não há uma equivocidade absoluta entre nossa inteligência (alma) e a realidade, sequer uma univocidade. Mas sim uma analogia entis. Conhecemos aquilo que as coisas são pois participamos do Ser.

Essa ordem, em âmbito prático, postula-se metafisicamente e cientificamente por Quatro Causas: material, formal, eficiente e final. Se o homem é feito à imagem e torna-se semelhante de Deus pela vida natural e pela vida espiritual, as sociedades não são criações meramente atomísticas, impessoais e artificiais, mas organicamente estruturadas por essa mesma ordem natural e sua Lei, como causa eficiente. E a finalidade de cada alma presente nesse organismo social e temporal é o bem comum, conquanto a finalidade espiritual é a salvação pela Graça mediante os Sacramentos. Portanto, a ordenação entre o poder temporal e autoridade espiritual.

Toda estruturação jurídica, social e política da autêntica Cristandade inspirou-se nessa metafísica especulativa para resolver os problemas práticos da existência humana.

Entretanto, nas palavras do Pe. Joseph-Marie Verlinde, a renovação contemporânea do pensamento gnóstico desenvolveu-se no Ocidente como uma consequência “espontânea” do movimento de secularização, que se descobre com o recuo que visava somente à religião dominante, a saber, o Cristianismo”, a modernidade, longe de ser algo supostamente relativista e impessoal, culmina num absolutismo e num positivismo metafísico evidente. A modernidade e seu liberalismo possuem proposições positivas, afirmam algo e têm uma Cosmovisão.

Com o advento do Humanismo do séc. XIV, absolutismos monárquicos e nascimento dos nacionalismos modernos e a derrocada histórica da Escolástica e da Cristandade, temos a ascensão das sociedades secretas ocidentais que trazem consigo uma falsa Tradição: A Tradição esotérica e primordial.

Diferindo-se da Filosofia do Ser de Sto. Tomás, a metafísica das sociedades esotéricas que mescla Ocidente e Oriente, afirma que Deus não é o Ser sumamente transcendente ao mundo, não é Ato Puro e não participa o Ser às criaturas, mas é como uma parte delas. Ora, parece-nos absurdo conceber que Deus (Eterno, Imutável, Onipresente, Onisciente, Onipotente) também é temporal, passivo e mutável.

Se temos a tese cristã de que Deus criou o mundo do Nada (ex-nihilo), no esoterismo vivente do Humanismo, Deus emanou de seu Ser o mundo. A tese emanacionista é de inspiração tanto neoplatônica como em Proclo e Plotino, de autores ocidentais como João Erígena, Mestre Eckhart, Nicolau de Cusa, como de autores medievais orientais, a saber, Srinivāsa Rāmānujan, Adi Xancara, etc. Se Deus emanou o mundo de seu Ser, não há mais a menor necessidade da salvação em Cristo, pois Ele não é Deus Encarnado, mas um mero Profeta, mais uma Criatura iluminada que, ao lado de muitos outros, trouxe em seus ensinamentos a narrativa da Tradição Primordial de tempos imemoráveis. Essa Sophia, portanto, afasta o homem e seu encontro com a Graça para absolutizá-lo numa Gnose de que pode alcançar a Redenção pelos seus próprios esforços adquirindo um conhecimento oculto. Com efeito, o processo antropoteísta, o Homem se torna a própria Divindade no processo histórico e na busca pela Gnosis.

O mundo como emanação de Deus também é um modo de Deus, assim como as coisas. Tudo é um modo de Deus e Deus é um modo das coisas. O mundo depende de Deus assim como Deus depende do mundo. Ele progride conquanto nós progredimos. Defronte a isto, alguém ainda defenderá que o progressismo atual é moderno? Naturalmente que não. As fontes que refutam essa tese são tantas, mas tantas, que não podemos razoavelmente acreditar nesse gigantesco engodo.

As coisas se complicam ainda mais no âmbito prático e político.

A posição mística de que não há distinção entre Esse (Ser de Deus) e Essência nas criaturas coaduna completamente ao secularismo e à modernidade política. Essa mística pode ser chamada de Panenteísta (‘pan’en’theos’) – o mundo está dentro de Deus e Deus está dentro do mundo. Não é a mesma do panteísmo (confusão unívoca entre Deus e o mundo), mas é a síntese da transcendência de Deus e a união da divindade com às criaturas. Algo extremamente sofisticado que escapa ao entendimento superficial do debate atual entre às correntes políticas.

O leitor pode questionar-se de como essa mística antiquíssima embasa e mescla-se com o liberalismo secular da contemporaneidade.

John Locke, ao escrever sua Carta Sobre a Tolerância (1689), separa Igreja de Estado, ou seja, a ordenação Escolástica do poder temporal e autoridade espiritual. Para Locke, a liberdade não é mais uma potência que reside na Vontade em busca de um Bem atual na realidade, mas o completo inverso. A liberdade é um ato no sujeito em relação a um bem potencial na realidade.

Ensina-se no Cristianismo que o homem só pode ser livre em relação ao bem que escolhe para si e para o próximo em princípio do bem imutável, universal e uno. Caso contrário, pode tornar-se escravo de seus vícios e de seus pecados. O liberal inverte causa e efeito para que o homem, livre das amarras morais, torne-se livre absolutamente e que o bem seja apenas uma convenção artificial e de gostos temporais e sensíveis. O bem, portanto, não é mais a adequação entre o sujeito e o objeto mediante a ordem pré-estabelecida por Deus, mas o próprio homem racionalizador da realidade.

Disso as portas estão abertas para os diversos movimentos revolucionários modernos.

O homem, no processo histórico, através do individualismo abstrato, torna-se a própria Divindade presente no mundo pela liberdade absoluta. A comparação entre a tese lockeana da liberdade – e de muitos outros humanistas, românticos, idealistas, iluministas e seculares — e a mística gnóstica não é de modo algum absurda, senão que é extremamente necessária.

Se todas as religiões são meras emanações da Divindade e têm um caráter dualista entre esoterismo e exoterismo, tudo se torna uma compreensão do sujeito e apenas do sujeito.

René Guénon, pem um trecho de seu livro O Simbolismo da Cruz¹, diz:

As concordâncias entre todas as formas tradicionais representam, poder-se-ia dizer, “sinonímias” reais. Há somente uma doutrina única cujas formas são simplesmente outras tantas expressões diversas, outras tantas adaptações a condições mentais particulares, em relação com circunstâncias determinadas de tempos e de lugares.”

E também comenta a ocultista Madame Helena Petrovna Blavtsky²:

“Os fundadores das grandes religiões eram todos transmissores, não instrutores originais. Eram os autores de formas e interpretações novas, mas as verdades em que estas estavam fundadas eram tão velhas quanto o gênero humano. Escolhendo uma ou várias dessas grandes verdades – realidades visíveis somente para o olho do verdadeiro Sábio e Vidente – entre o número daquelas que foram oralmente reveladas ao ser humano no começo, eles revelaram essas verdades às massas. Assim, cada nação recebeu, por seu turno, alguma das ditas verdades, sob o véu de seu simbolismo local e especial, o que, no desenrolar do tempo, se desenvolveu num culto mais ou menos filosófico, num panteão sob o disfarce mítico.”

 

Demonstra-se, nas teses perenialistas e ocultistas, que não há a necessidade da Igreja de Cristo que resguarda a verdadeira tradição no tempo, isto é, a Igreja Militante em relação à Igreja Triunfante, a Jerusalém Celeste, mas tão somente o Homem Universal que, ao encontrar a Tradição Primordial, fecha-se em seu próprio mundo e busca em si mesmo tornar-se Deus. No âmbito da política prática, repita-se, é a completa destruição do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo para que se impere o Império de César.

Nosso Senhor Jesus Cristo é destronado para que se reine o Homem-Deus.

Naturalmente que as pessoas têm alguma ideia desse problema e discute-se popularmente em como o homem sempre busca tomar o lugar de Deus, entretanto, é necessário aprofundar-se nessa questão para filtrar às inúmeras influências desta mística em nossas almas que, em última instância, nos afastam da Verdade e toda sua ordem na realidade.

Tanto o Estado moderno (Divindade diluída no tempo) como às subculturas derivadas (liberalismo e socialismo) são como emanações da Vontade Geral da soberania popular. Do homem que se torna Deus no processo histórico.

Não é obra do acaso que muitos aristocratas modernos frequentavam e recebiam influências das inúmeras sociedades secretas presentes no Ocidente secular. Seus estudos não eram de mera ordem de Pequenos Mistérios – como se dá na linguagem maçônica e perenialista – mas de Grandes Mistérios. Sua intenção não era organizar a sociedade livre das amarras religiosas e morais, mas de subjugar a Igreja e sua Autoridade Espiritual a tornando-se.

A Nova Ecclesia é a Oligarquia dos filósofos, teóricos e políticos modernistas, não mais a Santa Igreja de Cristo e sua moral, dogmas, fundamento e Presença Real (Corpo, Alma, Sangue e Divindade). Cristo não é mais Rei, Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, mas apenas mais um transmissor de uma Tradição precedente, ou, no processo secularizante, uma superstição de religiosos malucos que negam o racionalismo. Ora, mas o próprio racionalismo é místico, ocultista e esotérico. Portanto, é fruto de uma religiosidade pagã de tempos imemoriáveis.

A política moderna, com efeito, não é moderna. Assim como a modernidade filosófica, teológica e especulativa não o são.

São Pio X em sua Pascendi Dominici Gregis demonstra cabalmente de que a tese filosófica principal do Modernismo, a saber, a de que Deus se manifesta diretamente ao homem na imanência e que todas as outras questões do Zoon Politikon (homem político e social) avançam com o tempo à medida que Deus avança com o homem na história, é a forma mentis mesma da mística moderna que, em seus pretextos, diz querer acabar com à religião e à superstição.

Portanto, a modernidade é ainda mais supersticiosa e espiritualista que a ordem cristã entre Razão e Fé.

A fé é a substância das sociedades. Contudo, a razão prática ordenada aos primeiros princípios forma e organiza a sociedade em rumo ao seu devido fim temporal e espiritual.

A tese emanacionista e, em conjunto, secular, naturalista e liberal, transforma o homem numa quimera absolutista que engole a si mesmo numa desordem diabólica, como na defesa do Leviatã que faz Hobbes.

O alerta que faço aos conservadores bem intencionados e às pessoas que sem dúvida querem defender a si e suas famílias é que se aprofundem nas questões fundamentais da atualidade à luz de tudo que precede seus próprios pensamentos e influências.

Muitos, ao observarem a queda da civilização à barbárie, buscam em falsas espiritualidades e promessas o alento para suas almas. Buscam na perdição e na enganação às compensações psicológicas para o vazio espiritual do secularismo.

Antes de falarmos em combate ao comunismo é necessário entender de quais modos o próprio comunismo, que é a revolta contra a criação de Deus, alastrou-se mundo à fora.

Para os próprios teóricos e práticos do comunismo, era de ciência a necessidade de destronar a Cristo e destruir sua Igreja (seja de dentro para fora ou de fora para dentro). Mas não o fazem sem substituir à sã ascese e mística cristã numa outra mística ocultista, esotérica e que tem como principal fundador o Anjo Caído e seu brado liberal: Non Serviam (não servirei).

Por fim, citemos Pio IX em sua Carta Encíclica Divinis Redemptoris: O Liberalismo pavimentou o caminho para o Comunismo.

E, como demonstrado previamente neste artigo, qual caminho foi pavimentado para o próprio liberalismo? As teses místicas, religiosas, pagãs e ocultistas que transpassaram o período antigo, helênico, medieval e criaram à própria Modernidade e toda sua falsidade.

Que Cristo possa reinar em nossos corações, em nossas vidas e também em nossa sociedade!

Viva Cristo Rei!