PHVOX – Análises geopolíticas e Formação
Comunismo

O monstro estatista na medicina

10 de abril de 1989

 

De meu dileto amigo, Dr. Antônio C. Lara Duca, recebi uma carta que apresenta a todo o público o maior interesse. Assim, dele obtive autorização de a transcrever na íntegra, com o que só lucram meus indulgentes leitores de costume.

Trata ele das sombrias perspectivas da medicina estatizadaimposta ao país pela nova Constituição. Passo, pois, a palavra ao Dr. Lara Duca:

“Médico do trabalho, atuando já há 23 anos numa grande empresa desta capital, e sempre preocupado com os problemas da assistência médica à população trabalhadora do país, peço sua atenção para um assunto que aflige a muitos de meus colegas da especialidade, como também a mim.

“Nossa nova Constituição, e seus artífices, parecem estar preparando para este pobre e sofrido Brasil um dos maiores “bluffs” de sua história.

“Por volta da década de 60, estava já evidenciada – pela voz dos fatos – a total falência da máquina assistencial da Previdência brasileira.

“Decidiram então, em boa hora, nossos administradores, atenuar de certa maneira as mazelas do estatismo, subempreitando serviços para a rede médica particular, em sistema de pagamento “pro labore”. De início foram conveniados hospitais e laboratórios de análise, e mais tarde, já na década de 70, as próprias consultas ambulatoriais.

“Todos lucraram com esta “desestatização funcional”.

“1) O Inamps, que conseguiu reduzir seus custos, porque passou a pagar aos serviços particulares um preço inferior ao que dispendia com seus serviços próprios. Lucrou também porque conseguiu cumprir sua missão, de dar atendimento universal (a todos os tipos de patologia) a uma população sempre crescente, sem necessidade de investimentos em hospitais e equipamentos.

“2) A medicina particular, que pode crescer e aperfeiçoar-se, com uma receita proveniente em parte – mas, para alguns serviços, significativa – de pacientes do Inamps.

“3) Lucrou por fim a população, que recebia um padrão aceitável de atendimento.

Pari passu, nestes últimos 20 ou 30 anos, a Previdência Social estimulou a criação dos chamados convênios (de assistência médica e de acidentes do trabalho), através dos quais as empresas podiam se desvincular da assistência médica do Inamps, e criar (ou contratar) um sistema próprio de atendimento, recebendo uma restituição parcial de sua contribuição previdenciária.

“Tudo isso trouxe vantagem para o operariado brasileiro. Para sintetizar, cito apenas três pontos: a) a possibilidade de se receber um tratamento médico mais ou menos diferenciado, nos convênios (cerca de 90% das reivindicações sindicais do ABC paulista, nos acordos coletivos de trabalho, dos últimos cinco anos, exigiam dos empregadores a realização de convênios); b) a extinção das legendárias filas dos IAPs, que constituíram a vergonha e o vexame dos governos anteriores a 1964. Hoje, um operário consegue obter um atestado médico ou fazer uma consulta clínica – em sistema de livre escolha – em cerca de 60 minutos; c) consequentemente, houve facilidade e rapidez nas justificativas das faltas ao trabalho.

“Quem está fora do ‘ramo’ custa a acreditar. Mas a verdade é que os esquerdistas aboletados na atual administração da Saúde no Brasil veem o processo ‘desestatizante’, acima descrito, como um ‘sistema perverso’. Acusam-nos de: a) forçar a volta precoce dos empregados ao trabalho, depois de um tratamento médico, favorecendo assim a ‘ganância e a opressão’ dos patrões; b) permitir que profissionais e empresas médicas aufiram lucros à custa da desgraça alheia (no caso, a doença); c) ludibriar o dever e o direito que o Estado tem de cuidar da saúde dos cidadãos.

“O delírio esquerdista nesta matéria é tão grande que, sem uma rápida explicação, não é possível entender o que pretendem os partidários da estatização. Assim como, de acordo com a doutrina católica tradicional, os pais têm o dever e o direito de educar seus filhos menores, segundo os ditames de sua consciência, na concepção socialista o indivíduo pertence ao Estado (numa analogia da pertencença da criança à sua família). Daí resultaria, então, um direito inalienável e intransferível do Estado, de cuidar da saúde dos cidadãos.

“As três teses acima, se defendidas por um indivíduo isoladamente, seriam catalogadas com o rótulo de delírio. Dispenso-me de refutá-las, a fim de deter minha atenção sobre as consequências de sua aplicação, do ponto de vista do interesse dos trabalhadores.

“O processo de ‘reestatização’ já começou. Os hospitais estão sendo estrangulados por taxas injustas. A consulta médica, paga pelo Inamps, está a preço inferior ao de um corte de cabelo. A diária hospitalar – inclusive com acompanhante – está valendo a metade do que o Poder Público gasta com a jornada de um presidiário. Este ‘salário de fome’ é pago aos hospitais, muitas vezes, com 90 ou 120 dias de atraso. Como consequência disto, pelo menos dez hospitais da capital paulista foram desativados, e quatro deles estão sob intervenção estadual (desapropriados por falência). Os que sobrevivem estão sendo paulatinamente ‘desconveniados’, porque a meta do poder público é reassumir a ‘gerência’ da saúde da população.

“Muitos têm alertado os ‘estatizantes’ quanto ao risco da falta de estrutura do Estado para retomar estes encargos. Mas os artífices do plano estão tranquilos, pois, segundo eles, os recurso públicos sobram… Basta apenas que o brasileiro abandone os seus hábitos ‘capitalistas’ e se conforme com uma medicina mais simples e mais popular. Sem as sofisticações supérfluas e discriminatórias da filosofia ‘elitista e individualista’ que domina a medicina atual!

“Vai assim perdendo o nosso trabalhador brasileiro todas as vantagens que a medicina moderna lhe oferece, no atendimento, nas justificativas de faltas, etc., e que os antigos administradores lhe proporcionaram nestes últimos 20 anos. E tudo vai acontecendo num clima de euforia geral”.

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