O assassinato de bebês no ventre de suas mães é, no âmbito teológico, uma negação e uma revolta contra a criação de Deus. Postula-se que a criação do homem, feito à imagem e semelhança do Criador, é uma aberração cósmica. Uma espécie quimérica de um “erro” divino que deve ser superado, ironicamente, pelo próprio homem que, apartado de seu senso de realidade e existência, tenta superar-se ilusoriamente no mundo espaço-temporal.

É, no âmbito filosófico-metafísico, um absurdo que repugna à razão natural. O ser humano, criatura racional (composto ontológica e hierarquicamente de inteligência, vontade e sensibilidade), não mais percebe o bem essencial do mundo criado através da abstração racional das essências, mas é enganado a todo momento pela sua própria razão; por conseguinte, logra apenas uma espécie utópica de libertação cósmica através da aceleração de sua própria destruição. Afinal, se a criação divina é um erro, um absurdo cósmico, um acidente de percurso, cabe apenas uma fuga abrupta da realidade metafísica através do movimento revolucionário.

É, no âmbito ontológico, a negação do actus essendi (ato de ser) humano e a diminuição existencial, como se fôssemos apenas sacos de compostos bioquímico-fisiológicos, racionalizados pela hipertrofia de nossas vontades, sentimentos e paixões mais inferiores. O ser humano, apartado da ordem natural das coisas, vislumbra apenas um sentido de vida imanente, terreno e imediato. Logo, fica à sua escolha pueril o ato de eliminar ou não uma determinada vida, apenas de acordo com sua utilidade e convenção momentâneas.

É, no âmbito antropológico, a negação da boa vida com os seus semelhantes. Afinal, se a existência não passa de uma prisão cósmica, não necessariamente o homem – no sentido aristotélico-tomista – deve buscar o bem comum através das relações familiares-substanciais, mas em seus desejos díspares e desordenados. É a negação mesma de ser pessoa. Os jesuítas escolásticos defendiam a tese de que a formação da pessoa humana se faz pela sua relação consigo, com o próximo e, sobretudo, com Deus. Ordenando-se essencialmente à razoabilidade dos três níveis, ele entende que o maior bem que possui é a sua vida; pois, mesmo no âmbito temporal, pelo uso de sua sã razão natural, entende que não é causa de si mesmo, mas que sua estrutura humana advém da Causa Primeira (como sua causa eficiente necessária). A agenda genocida e abortista negará todas essas verdades.

É, no âmbito psicológico, a banalização pura e simples da vida humana. Afinal, se se é permitido assassinar bebês no ventre das mães, qual a necessidade de se adequar os juízos humanos e impulsionar sua vontade ao bem apetecível? Afinal, se o bem é uma mera criação a posteriori dos nossos sentimentos – e não o bem extramental disposto na realidade objetiva –, como predicamos a necessidade do resguardo à vida e da justiça em todos os âmbitos?

É, no âmbito da ética prático-jurídica, uma negação essencial da lei natural. É praxe do neoconstitucionalismo positivista e ativista essa negação; como também é praxe definir, também a posteriori, através da vontade humana desordenada, quem pode e quem não pode viver. Se a defesa da vida humana não transcende à própria concepção da vontade dos grupos de poder e pressão, ela ficará sujeita aos ditames dos grupos político-ideológicos. Portanto, a agenda liberal-globalista e esquerdista (revolucionária, é claro!) do abortismo, longe da mera retórica e dos discursos ideológicos pretextuais [de que se trata de “liberdades individuais” abstratas] é, na realidade, o aumento estrondoso do poderio do Estado moderno e de seus tentáculos supranacionais.

É, no âmbito ocultista e esotérico, o famigerado gnosticismoAfinal, se se defende que a substância corpórea é fruto de uma divindade má que nos aprisionou no cosmos e na matéria, é necessário que nos salvemos, como dito, através da aceleração da destruição de tudo o que há. Quaisquer semelhanças com o que se realizava nos antigos Impérios Cosmológicos (pagãos), nas heresias albigenses (catarismo), na eugenia clássica e no neomalthusianismo do século XX não são meras coincidências. Também, na concepção panteísta, de que o planeta está cheio de seres humanos destrutivos e, com efeito, é preciso esvaziá-lo para que não agridam mais a Mãe Gaia. Toda a agenda ambientalista do Clube de Roma e seus asseclas está profundamente envolvida nessa matança silenciosa.

É, no âmbito ideológico, o triunfo das agendas liberais, marxistas e neomarxistas. Shulamith Firestone (conhecidíssima feminista ocultista e revolucionária), por exemplo, em conjunto com Simone de Beauvoir et caterva, defendia a tese de que a relação entre homem e mulher seria a estrutura própria da luta de classes. Logo, a mulher, libertando-se do jugo do homem, viveria plenamente suas escolhas (sejam elas quais forem) fora de todos os âmbitos descritos acima, incluindo o assassinato de seus bebês em seus ventres, caso não fosse de sua vontade gerá-los.

É, no âmbito político, uma dialética de dominação nacional e internacional com o verniz de se garantir os “direitos sexuais reprodutivos” (fruto da Novilíngua, como descrito tão bem por Aldous Huxley). Como são bonzinhos, não é mesmo?

E, por fim, é, no âmbito individual, a revolta do homem contra Deus, contra a comunidade, contra a família e contra si mesmo. Quem conscientemente defende essa maldita agenda traz para si maldições incalculáveis.