Enquanto o Uruguai, por meio do embaixador Washington Abdala, e os do Equador e da Argentina defenderam os princípios democráticos, países como Antígua e Barbuda, México e Bolívia orquestraram o bloqueio com a complacência do Brasil e da Colômbia. Essa atitude reflete como os interesses ideológicos se impõem sobre a defesa dos direitos humanos, corroendo a credibilidade da OEA.
Em uma sessão vergonhosa do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 15 de janeiro, uma coalizão de países caribenhos, juntamente com Brasil, Colômbia, Bolívia e Honduras, recusou-se a ouvir o relatório da Relatoria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a Venezuela, escondendo-se atrás de pretextos processuais fúteis. Esse episódio expõe uma preocupante crise moral e institucional na organização, revelando a cumplicidade de certos governos com regimes autocráticos na região. É absurdo que esses mesmos países, que proclamam seu compromisso com a defesa dos direitos humanos, acabem apoiando, na prática, aqueles que os transgridem sistematicamente.
Desde a adoção do Protocolo de Washington, em 1992, e da Carta Democrática Interamericana, em 2001, a OEA tem proclamado a defesa coletiva da democracia e dos direitos humanos como seu propósito essencial. Entretanto, a atitude de alguns países demonstra uma contradição insuperável entre suas declarações e suas ações. Longe de honrar os princípios democráticos, sua inação e apoio tácito acabam endossando um regime internacionalmente condenado por crimes contra a humanidade, como execuções extrajudiciais, tortura e desaparecimentos forçados.
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O argumento usado repetidamente para bloquear a apresentação do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi o atraso na entrega da versão em inglês do documento, uma desculpa grosseiramente burocrática que revela a intenção deliberada de alguns países de desviar a atenção da crise venezuelana. Seis horas de debate estéril foram consumidas enquanto milhões de venezuelanos continuam presos em uma crise humanitária sem precedentes. Essa atitude expõe a hipocrisia dos governos que, enquanto realizam cúpulas em defesa da democracia, na prática obstruem qualquer tentativa de proteger as vítimas de regimes repressivos.
A sessão revelou um claro contraste de posições. Enquanto o Uruguai, por meio do embaixador Washington Abdala, e os do Equador e da Argentina defenderam os princípios democráticos, países como Antígua e Barbuda, México e Bolívia orquestraram o bloqueio com a complacência do Brasil e da Colômbia. Essa atitude reflete como os interesses ideológicos se impõem sobre a defesa dos direitos humanos, corroendo a credibilidade da OEA.
A fragmentação ideológica colocou a OEA em uma encruzilhada crítica. Uma organização que, em décadas passadas, desempenhou um papel crucial na consolidação democrática da América Latina, agora parece ter sido sequestrada por uma agenda que prejudica sua eficácia. A inação e o cinismo de alguns de seus membros fazem dela um instrumento de cumplicidade com regimes autoritários.
Países como Colômbia, Brasil e México, em desacordo com o Secretário Geral da OEA, obstruíram as iniciativas de Luis Almagro em defesa da democracia na Venezuela e na Bolívia. Essa resistência forma um bloco alinhado ao Grupo de Puebla, juntamente com alguns países do Caribe que se beneficiam do petróleo venezuelano, impedindo qualquer ação efetiva contra o regime de Maduro. A OEA precisa de uma profunda renovação para continuar sendo um bastião dos princípios democráticos e não uma organização manipulada por Cuba e pelo Grupo de Puebla.
Essas atitudes estabelecem um precedente perigoso para a banalidade dos compromissos legais internacionais e para a casualidade com que as pessoas reagem a violações flagrantes da democracia. Quando a integridade de uma eleição é violada à vista do mundo e se permite que uma ditadura assuma o governo por meio da força bruta do tráfico de drogas e de militares corruptos, a mensagem enviada é devastadora. A impunidade é normalizada, corroendo a confiança nas instituições internacionais e minando os esforços globais para defender os direitos fundamentais.
A crise venezuelana é um teste crucial para a comunidade hemisférica. A indiferença prolonga o sofrimento do povo venezuelano e envia uma mensagem perigosa a outros regimes com tendências autocráticas. A defesa da democracia não é opcional, mas um mandato moral e legal consagrado na Carta Democrática Interamericana. Isaiah Berlin advertiu que a democracia é a melhor garantia contra “a confusão espiritual e intelectual, o reinado do preconceito e a obediência cega a dogmas não examinados”. A OEA deve se lembrar de que sua razão de ser é a promoção desses valores, e não o apaziguamento de ditaduras disfarçadas de democracias.
Hoje, o futuro da democracia na América Latina está em jogo na Venezuela. A proliferação de democracias iliberais na América Latina, nascidas de eleições, mas que se degeneram em regimes autoritários, ameaça minar décadas de progresso democrático na região. Aristóteles advertiu que a democracia se degenera quando a legitimidade do voto popular é priorizada em relação ao exercício efetivo do governo republicano, uma lição que a América Latina não pode esquecer. Regimes como o de Maduro perpetuam sua farsa graças à complacência das democracias ocidentais que preferem se contentar com as aparências. Em vez de insistir em pilares fundamentais, como imprensa livre, independência de poderes e um processo eleitoral justo, eles optam pela inação.
É imperativo que os governos comprometidos com a liberdade e os direitos humanos redobrem seus esforços para revitalizar a OEA e restaurar seu papel como garantidora da democracia. A indiferença e a passividade não são opções. A história julgará aqueles que, por conveniência ou covardia, decidiram olhar para o outro lado enquanto uma nação inteira sucumbe ao autoritarismo.