No dia 26 de novembro de 1980, Nelson Rodrigues dava sua última entrevista. Menos de um mês depois ele faleceria, em 21 de dezembro. Quem teve a honra de entrevistá-lo foi o jornalista J. J. Ribeiro, do jornal “O Opiniático”. Ainda esta semana a conversa fará 41 anos, e é como se ocorresse ontem, dadas algumas falas do Nelson, que vão desde a percepção de sua vocação até a escolha de um epitáfio para seu túmulo, com respostas diretas e como que cunhadas com antecedência, compreensível, sabendo da personalidade do autor, a carga de 68 anos de idade, em seus últimos dias de vida, vivendo “a vida como ela é”.
“Como o senhor traduz o jornalismo?”, perguntou Ribeiro. Nelson, que era também jornalista — desses que faz falta —, respondeu com toda gravidade que lhe era própria:
“Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de ‘ilustre’, de ‘insigne’, de ‘formidável’, qualquer borra-botas”.
Pergunto ao querido leitor e em seguida respondo eu mesmo: sabe por que a fala é atual? Porque o problema é antigo, como todos os problemas — são geralmente maquiados —. Desde sempre os detentores dos meios de comunicação são “criminosos do adjetivo”, seja pra exaltar, seja pra esculhambar.
Ao responder sobre qual seria o grande acontecimento do século XX, Nelson nos mostra que mesmo problemas antigos podem ser ampliados e piorados:
“O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota. […] Em nosso século, o ‘grande homem’ pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta. […] Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina”.
Pontos do IBOPE e modernos medidores de audiência provam a tese do Nelson: os idiotas pensam pelos melhores. Infelizmente, se todos os melhores pararem de falar o que pautam os idiotas — para refutá-los, claro — o extermínio será definitivo e não metafórico. A situação está aí e é terrível: o idiotas pautam o debate, e não podemos fugir do mesmo, por uma questão de sobrevivência.