Trecho do livro Reforma Agrária – Questão de Consciência, Secção I: A investida do socialismo contra a propriedade rural; Título II: A “Reforma Agrária”, objetivo genuinamente socialista e anticristão; Capítulo II: A doutrina socialista é incompatível com a propriedade e a família.
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Referimo-nos de passagem à colisão em perspectiva entre a “Reforma Agrária” e a família. O assunto merece ser um pouco mais analisado.
Na aparência, com efeito, nada de comum existe entre estes dois temas, “Reforma Agrária” e família. Se considerarmos a grande cópia de material até aqui publicado pró ou contra a “Reforma Agrária” (pelo menos na medida em que nos tem sido possível conhecê-la), nada encontraremos que aponte um nexo entre um e outro.
Contudo, o problema das relações entre a “Reforma Agrária” e a instituição da família se impõe. De fato, desde os primórdios da História a família e a propriedade privada existem. E não se trata apenas, entre uma e outra instituição, de uma coexistência fria e fortuita, mas de uma simbiose íntima que vem durando ininterruptamente até nossos dias. Esta simbiose indica, já à primeira vista, uma afinidade profunda ligando a propriedade privada e a família. Esta afinidade não resultará de um nexo natural indissolúvel entre ambas? Se assim é, que conseqüências acarretará para a família o golpe que a “Reforma Agrária” se propõe desferir contra o instituto da propriedade privada?
Para uma alma genuinamente cristã, e impregnada, pois, dos sentimentos de amor e veneração que a instituição da família merece, tal pergunta não pode deixar de interessar.
Como o direito de apropriar-se, a natureza humana gera outrossim o direito de constituir família.
Não é difícil mostrar a correlação entre a propriedade e a família. Com efeito, os gastos com a manutenção do lar e a educação condigna dos filhos tocam, naturalmente, ao seu chefe. Assim constitui-se em favor daquela, sobre o trabalho deste, um direito natural mais próximo e mais grave do que os eventuais direitos da sociedade. Tal direito tem por objeto não só o que o homem ganha, mas também o que ele acumula. Porque o lar acarreta para seu chefe encargos maiores do que os do solteiro, e porque esses encargos dizem respeito a uma sociedade naturalmente estável, como é a família, os argumentos que justificam o direito de propriedade tomam tal força, quando considerados em função dela, que, enquanto trabalhar, acumular e prosperar pode ser não raro para um indivíduo isolado mais um direito do que um dever, para o chefe de família é, em geral, antes um dever do que um direito. Reciprocamente, quando o homem está em situação de ganhar o necessário para a manutenção condigna de mais de uma pessoa, ele tende, salvos casos de vocação especial, a constituir um lar. Sua condição de proprietário de recursos maiores do que sua necessidade leva-o à condição de chefe de família. Propriedade e família são, pois, instituições conexas e, mais do que isso, conaturais.
Aliás, considerando-se em função da natureza do homem as relações que ele tem com sua esposa e seus filhos, vê-se facilmente que estas repousam sobre um princípio afim com aquele pelo qual, em virtude de sua natureza, o homem tende a ser proprietário. De fato, entre esposo e esposa estabelece-se como que uma apropriação mútua, que se estende aos filhos, carne de sua carne e sangue do seu sangue.
A relação entre a propriedade e a família ressalta com clareza ainda maior quando comparamos a situação que uma e outra criam para o homem e a situação deste no regime socialista ou comunista, em que nenhuma delas existe.
A natureza do homem leva-o a estabelecer nexos mais diretos com certas coisas, e relações mais próximas com certas pessoas. Ser proprietário, ter família, são situações que lhe dão uma justa sensação de plenitude de personalidade. Viver como átomo isolado, sem família nem bens, em uma multidão de pessoas estranhas, lhe dá uma sensação de vazio, de anonimato e isolamento que é para ele profundamente antinatural.
É fácil perceber assim a conexão íntima existente, no que há de mais profundo na alma humana, entre o direito que o homem tem de apropriar-se de bens e o direito que tem de constituir família. Entre esta e a propriedade há, diríamos, uma comunidade de raiz e uma reversibilidade. A Igreja é tutora, por missão divina, do direito de propriedade, bem como da família. No exercício dessa missão, Ela protege implicitamente valores inestimáveis, isto é, direitos essenciais da alma humana e a dignidade que para o homem decorre de sua condição de ser espiritual e de cristão.
O socialismo, pelo contrário, inspirador da “Reforma Agrária”, nega na raiz o princípio de que o homem, ser espiritual, inteligente e livre, é senhor de si, de suas potências, do seu trabalho. Para ele, tudo isto pertence à coletividade. Por isto mesmo, nega logicamente também a família.
Obtida eventualmente a imensa vitória da abolição da propriedade rural grande e média por meio da “Reforma Agrária”, o socialismo, robustecido com esta conquista, não se atirará contra o direito de herança? E, no dia em que também vencer aí, quem terá forças para impedir que ele ataque diretamente a própria existência do instituto da família?
A “Reforma Agrária” abre, portanto, as vias para a decadência e depois para a ruína da família. Ela procede de uma ideologia que nega a própria raiz doutrinária desta última. Eis aí um nexo entre “Reforma Agrária” e família.
Pondo-o em evidência, não queremos afirmar que seja essa a intenção de todos os propugnadores da “Reforma Agrária”, ou mesmo da maioria deles. Mas quem deita inadvertidamente o machado à raiz de uma árvore, não pode esperar que ela não caia só porque, ao dar o golpe, não tinha intenção de derrubá-la…