Publicado originalmente no site Digestivo Cultural em 31 de outubro de 2002
“Uma nova era de explicação mágica do mundo está chegando, uma experiência baseada na vontade, mais que no conhecimento. Não existe verdade, seja no sentido moral, seja no sentido cientifico” — Adolf Hitler
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[Nihilismo: Visão de mundo que nega os fundamentos dos valores e crenças tradicionais e que considera a própria existência sem sentido e inútil. Doutrina que nega a existência de fundamento à verdade, principalmente à verdade moral, assegurando que as condições da organização social são tão ruins, que merecem ser destruídas, sem compromisso com nenhum programa de reconstrução]
Hermann Rauschning, alto prócer nazista, íntimo colaborador, conselheiro e confidente do Führer, tendo chegado ao posto de Presidente do Senado da Cidade de Dantzig, ao perceber o rumo de terrorismo e chantagem internacional que o regime adotara, foge para o Ocidente e escreve The Revolution of Nihilism – A Warning to the West. O livro foi publicado na Europa logo após a anexação da Sudetenland, região da então Tchecoslováquia com população de origem predominantemente germânica, e em 1939 nos Estados Unidos. Imediatamente considerado pela imprensa o livro mais importante sobre o Nacional Socialismo depois de Mein Kampf, mostrou ser também profético. Predisse o Pacto Germano-Soviético num momento em que a campanha anti-soviética pela imprensa oficial alemã estava no seu auge. O Ministro da Propaganda, Goebbels, vociferava pelo rádio e em artigos no Voelkischer Beobachter, contra os comunistas como os maiores inimigos da Vaterland e da construção do nacional-socialismo. Predisse a invasão da Polônia e a anexação da Dinamarca como um Estado títere de Berlim.
Embora valorizado pela imprensa, os políticos, com exceção de Churchill, não lhe deram a devida importância, tão hipnotizados estavam pela Paz a qualquer preço, que os levava a aceitar as promessas do Führer de que ‘a Alemanha não tem outros interesses territoriais’. Movimentos pacifistas louvavam Hitler como dirigente pacífico e Churchill como um belicoso maldito. A cada nova conquista ‘sem interesses territoriais’ Chamberlain, Halifax e Daladier voltavam exultantes e otimistas dos encontros com o afável e simpático Herr Hitler. O que ocorria é que os eternos pacifistas achavam, como ainda hoje, que podem apaziguar os tiranos com promessas e concessões, transformar pessoas essencialmente más e dispostas a matar até seus concidadãos, em “boa gente’’. Lênin foi claro ao dizer que os tolos liberais do Ocidente, são “idiotas úteis” para quem tem fins a esconder. Cal Thomas sugeriu recentemente, que poder-se-ia construir um Hall of Infamy com os líderes políticos, diplomáticos, religiosos, acadêmicos e intelectuais que tiveram fé em políticas de apaziguamento para impedir guerras, gerando conflitos ainda piores e mais sangrentos como resultado de sua credulidade ingênua.
As pessoas comuns não se dão conta em tempo, de que tais líderes – diferentemente daqueles líderes realistas que pretendem implementar políticas racionais – se sentem imbuídos de uma missão sagrada à qual submetem todos seus atos e pensamentos. Hitler declarou que sua vida mudou quando, aos doze anos de idade, assistiu pela primeira vez uma obra de Wagner, Lohengrin. Tornou-se um ardente admirador do mestre de Bayreuth desde então, chegando a afirmar que “quem quiser entender a Alemanha Nacional Socialista, deve conhecer Wagner”. É sintomático que Hitler tenha resistido à pressão da cúpula nazista para banir a ópera Parsifal, uma obra de fundo profundamente religioso que trata da busca do Santo Graal e da Lança Sagrada, ou do Destino, usada para curar as feridas de Cristo, e com uma mensagem de renúncia cristã, compaixão e pacifismo. Aceitou a contragosto a proibição, pouco antes da guerra e da intensificação da campanha antimonástica, da qual a Irmandade do Santo Graal é uma alegoria. Sua hesitação se deveu ao fato de considerar Parsifal um dos mais importantes heróis arianos do panteão wagneriano. Embora considerasse Der Ring des Nibelungen (O Anel dos Nibelungos) e seu herói Siegfried como a mais germânica das obras de Wagner, Parsifal sempre mereceu um destaque especial.
O Dr Walter Stein, místico austríaco, explicou que Hitler esteve, na juventude, envolvido com estudos de ocultismo e que ao se deparar pela primeira vez com a Lança do Destino (ou a lança que há séculos se acredita que seja esta relíquia), no Hofbergmusaeum, em Viena, foi tomado por violentas emoções e visões do destino glorioso que lhe estava reservado. No Mein Kampf ele disse que estes foram os anos mais importantes de sua vida, quando ele aprendeu tudo o que necessitava para liderar o povo alemão. Sentia-se Parsifal com a lança mágica que continha o sangue – não de Cristo – mas o puro sangue ariano que curaria todas as feridas da Vaterland. E que não eram poucas, depois da derrota na Grande Guerra e do Tratado de Versailles.
A isto se deve o fato de Hitler ter abandonado os estudos regulares e nunca ter mantido uma atividade profissional definida, levando a vida ora como flaneur, ora como pintor medíocre, ora como ativista político, vivendo, inexplicavelmente, de uma pensão de veterano de guerra certamente corroída pela brutal inflação do período ou às custas do Partido e de amigos, com todas as propriedades originadas em doações, como sua casa em Oberzalsberg.
Faz parte da construção da figura mítica a ausência de origem clara – o herói Parsifal surge do nada, sem saber quem é e de quem descende – o mistério sobre o sustento, e a aura de predestinado. O grande herói não necessita de conhecimento, basta a predestinação e a vontade que deve predominar sobre qualquer conhecimento objetivo. Neste domínio, a noção de verdade perde todo o sentido, pois esta está contida na vontade dominadora, geralmente uma afirmação simplista, de fácil apreensão por qualquer um, mesmo sem instrução. Esta falsa verdade suscita o fanatismo.
O caminho para o nihilismo
“O fanatismo é a única forma de verdade que pode ser incutida nos fracos e nos tímidos” — Friedrich Nietzche
Construção da figura mítica do Líder Herói, defesa do mesmo para que se torne inatacável e qualquer crítica seja respondida com profunda indignação, abolição de qualquer conceito válido, científico ou moral, de verdade objetiva, destruição sistemática do conhecimento racional e afirmação da vontade como superior a todo conhecimento. Com tais ingredientes, grande parte do caminho está feita. A ‘blindagem’ do Líder deve ser de tal monta que qualquer crítico ou discordante, seja visto como um ET. Tanto o Líder como seus adeptos devem falar de forma a mais genérica possível, sobretudo jamais entrar em discussões ou debates, nem tentar ser informativo ou usar algum argumento racional.
Rauschning diz que as pessoas geralmente levam a sério os programas revolucionários, mas não dão a devida atenção às táticas utilizadas pelas forças efetivas que se escondem atrás do programa. O programa é a exposição racional de metas aceitáveis; aquelas forças atuam no emocional de forma hipnótica, gerando o fanatismo. O programa deve conter elementos de forte apelo popular, no caso do nazismo foi a superioridade racial e a injustiça da convivência na Vaterland com raças inferiores com os mesmos direitos; em outros casos pode ser, p. ex., a “justiça” social. Mas este elemento não passa de isca para esconder o verdadeiro anzol: as táticas revolucionárias extremistas e a avidez pelo poder. Os objetivos devem ser descritos de forma vaga pois servem apenas como elementos de recrutamento para atrair a militância, ou ao menos o voto, de todas as pessoas insatisfeitas com suas condições de existência. Os programas e objetivos são para as massas, a elite do movimento não respeita padrões éticos ou filosóficos e não deve se sentir comprometida senão com a mais absoluta lealdade aos companheiros.
A destruição do sentido das palavras é fundamental de modo que não reste mais nenhuma idéia digna deste nome, mas apenas substitutos das mesmas que possam ser instiladas nas massas por sugestão emocional de modo a criar um mito que dê às mesmas, a energia para a ação. Faz-se necessária a apropriação das idéias das genuínas elites sociais e políticas – que costumam usa-las de forma racional – para enganar e hipnotizar uma nação perplexa com palavras que já não têm mais nenhum significado racional. Ausência de idéias e triunfo da vontade: eis o âmago do nihilismo. Uma nação desprovida de idéias é fácil de ser hipnotizada; um povo sem idéias não é mais do que massa amorfa e moldável.
O triunfo da vontade!
“A mais importante mudança produzida por um controle governamental profundo, é uma mudança psicológica, uma alteração no caráter das pessoas” — Friedrich Hayek
Tomar o poder via insurreição das massas já não era mais possível naqueles tempos. O voluntarismo de Röehm e das Tropas de Assalto (SA-Sturm Abteilungen) tinha que ser substituído pelo pragmatismo de Hitler, Goebbels e Goering: usar a via parlamentar, apresentando-se como um partido que amadurecera desde a prisão de seu chefe e a primeira edição do Mein Kampf. Uma ‘versão light’ do Nacional Socialismo foi apresentada aos eleitores, alianças com a burguesia tradicional, industriais e banqueiros foi formada. A maioria dos que tinham medo, perdeu.
Na última eleição para Presidente, em Março de 1932, Hitler concorreu com o Marechal Hindenburg ficando em 2o lugar com 30.1% dos votos no primeiro turno; no segundo perdeu com 36.8%, tendo Hindenburg sido re-eleito. Mas nas eleições parlamentares de 31 de julho do mesmo ano o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães conseguiu 230 cadeiras no Reichstag tornando-se a maior representação com quase 38% de um Parlamento de 608 cadeiras, ganhando o direito de eleger seu Presidente, ninguém menos que Hermann Goering.
É neste ponto das revoluções nihilistas que os eleitores que ingenuamente votaram no partido revolucionário, podem começar a vislumbrar o que de fato ocorreu. Diferentemente dos partidos clássicos, que aceitam as regras do jogo e pretendem governar durante o período constitucional e se submeter a novo sufrágio, o partido revolucionário, ao chegar ao poder, começa a dar os primeiros passos para se perpetuar. Geralmente, aproveitando a onda de desejo de mudanças profundas que os levou lá, induzem a população a crer que o período constitucional, seja qual for, é pequeno para implantar todas as medidas desejadas pelo povo e que é no interesse deste que algumas modificações institucionais e constitucionais devem ser adotadas. Na verdade, o Líder e a cúpula do partido já sabiam há muito que esta era a finalidade de aceitarem se submeter ao que consideram ‘farsa eleitoral’.
Os outros partidos que formaram a aliança eleitoral devem ser descartados rapidamente, pois este primeiro governo é visto apenas como um governo de transição. As palavras de Goebbels, em abril de 1933, são eloqüentes: “Devemos nos dissociar o mais rápido possível deste gabinete burguês de transição”.
Um dos passos mais importantes é manter o País num stress contínuo, criando e estimulando crises, reais ou fictícias, impedindo com isto a população de ‘parar para pensar’ racionalmente, e aumentar a pressão no sentido da ação, do aprofundamento do nihilismo. Criar continuamente novos inimigos, internos ou externos, os que se adequarem mais à ocasião: classes sociais, raças, países estrangeiros, capital especulativo que sufoca a economia nacional, e, principalmente, os aliados do governo de “transição” e o próprio Parlamento do qual supostamente aceitaram participar. Dir-se-á ao povo que o governo não pode ficar refém de um Parlamento corrupto, mas sim recorrer às forças vivas da Nação. Algumas vezes, como ocorreu na Alemanha, medidas mais drásticas devem ser tomadas. Ao invés de simplesmente fecharem o Reichstag, o que dificilmente seria aceito pelo povo, tocaram fogo no prédio e culparam a oposição! De quebra, justificaram, assim, o aumento da repressão aos “inimigos do povo e do Reich alemão”.
É importante, ainda, a aliança diplomática com outros Estados aliados contra as democracias, principalmente com aqueles cujo Líder é um dos ídolos do Líder da revolução. Hitler venerava Mussolini, que havia tomado o poder 11 anos antes. A admiração inabalável levou o Führer a apoiar o Duce até o trágico final deste, mandando até mesmo um comando especial das SS (Schutzstaffel ) para liberta-lo da prisão.
Talvez a mais importante de todas as tarefas seja a de criar uma polícia política e um serviço de censura que impeça a livre divulgação de idéias. Hoje, com a Internet, ficou mais difícil, mas não impossível. Refiro-me aqui a algo que poderia ser chamado de Polícia do Pensamento, antes de tudo algo que o povo aceite como inexorável, como a famigerada OVRA (Oranizazzione Vigilanza i Repressione all’Antifascismo), imitada na Alemanha pela GESTAPO (Geheime Staats Polizei, Polícia Secreta do Estado) ou como na Cuba atual, a G2 e seus Comandos de Defensa de la Revolución.
O eterno retorno
“Mesmo as Sociedades primitivas, que já conhecem alguma forma de história, se obstinam em não a levar em conta”— Mircea Eliade
Este artigo não pretende mais do que ser um brevíssimo estudo de caso, alguns aspectos da ascensão do Nacional Socialismo na Alemanha da ultraliberal República de Weimar, fundada após a derrocada do Império Germânico com a derrota na Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, porém, contém uma advertência contra a possibilidade de ocorrerem outras revoluções nihilistas em outros lugares e tempos, pois não é dado à Humanidade aprender com a experiência e evitar catástrofes idênticas às anteriores. Ao simplismo de Marx, de que a história se repete, primeiro como tragédia, depois como comédia, prefiro a abordagem mais complexa e erudita de Mircea Eliade, do Mito do Eterno Retorno, no livro homônimo. Mesmo porque, no caso em apreço, houve o inverso: de uma trágica comédia, de uma pantomima, com um Duce ridículo e falastrão, no Stato Fascista Italiano, seguiu-se o trágico Terceiro Reich com um Führer nada risível, tragédia em estado puro!
No final, não aconteceu a apoteose de Parsifal, a entrada do herói na Irmandade do Santo Graal e com o mágico aparecimento do mesmo, mas sim, o Grand Finale dos Nibelungen, o Götterdämerung, o Crepúsculo dos Deuses, no qual Wotan, põe fogo no Valhala, com Hitler incendiando a Alemanha.
Excelente. Grande Heitor de Paola, sempre claro e nos fazendo entender, através da história, o que vivemos hoje.