Canto Gregoriano (uma das formas do chamado “cantochão”) é o canto litúrgico próprio da Igreja Católica. É um gênero de música sacra cristã que tem suas raízes em tradições musicais judaicas de recitação dos Salmos. A expressão “Canto Gregoriano” tem um significado além da simples referência ao gênero musical praticado nos mosteiros católicos pelo mundo e entoado por seus monges. A priori devemos ter em mente que ela diz respeito e está intimamente ligada à forma como as comunidades cristãs primitivas oravam, meditavam e escutavam da Palavra de Deus. Em suma, o Canto Gregoriano é oração. O adjetivo “Gregoriano”, faz referência ao Papa e Doutor da Igreja, São Gregório Magno, nascido em Roma no ano 540, e falecido em 604. São Gregório deixou um grande legado de obras, devido à sua inteligência, sabedoria e caridade, como como por exemplo: apoio ao celibato sacerdotal, a introdução do Pai-Nosso na Missa e o tradicional Canto Gregoriano.

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Segundo o argumento de Pedro Griesbacher (*25/03/1864; †28/01/1933) – compositor, organista e cônego do Mosteiro Colegiado de São João de Ratisbona, na Alemanha –, é plausível considerar que o início da liturgia católica dá-se na Santa Ceia, quando, após partir o pão e entregar o vinho aos seus discípulos, Jesus cantou um Hino antes de sair para o Monte das Oliveiras. Presume-se que esse Hino entoado por Ele faça parte do que, no judaísmo, chama-se de Hallel, isto é, Salmos (Sl 113 a 118) utilizados para louvar e agradecer a Deus em festividades próprias. Assim, é possível imaginar que existam semelhanças entre a forma com que Jesus cantou na Santa Ceia e a forma com que se cantam as salmodias na Igreja Católica, uma vez que, juntamente com a entrada do Antigo Testamento na liturgia cristã, o modo de cantar judaico também foi, em alguma medida, inserido na mesma. Na Carta de São Paulo aos Efésios, é evidente o incentivo do Apóstolo ao canto dos cristãos primitivos quando diz: “Não vos embriagueis com vinho, que leva ao descontrole, mas enchei-vos do Espírito: entoai juntos Salmos, hinos e cânticos espirituais; cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração” (Ef. 5, 18-19).

Se o Canto Gregoriano é, em essência, oração – e suas melodias são, portanto, quase que “acidentes de percurso” –, é justo considerar que sua execução exija uma certa introspecção, e que produza um estado de alma sempre muito próximo da serenidade. Sem a tônica da oração, nada mais sobra do Canto Gregoriano além de uma melodia curiosa, do tipo que agrada até a certos ambientes da Nova Era. Na esmagadora maioria das vezes cantado em latim – língua sacra por excelência da Igreja – é, por sua natureza, um canto litúrgico, com uma melodia sempre serena e “ligada” – sem interrupções abruptas –, com a melodia girando ao redor do texto, e servindo de base para texto, que é o seu principal elemento.

O ritmo do Canto Gregoriano não é dado por um compasso, por uma métrica sempre exata e igual, mas obedece, sobretudo, à métrica do conjunto de palavras do que se está rezando. Assim, o canto é marcado por nossos ritmos vitais: a partir da pronúncia, a respiração, que por sua vez harmoniza-se com as batidas do coração. Um ritmo tranquilo provoca uma respiração tranquila, que encaixa-se então em uma melodia ligada e serena, como as águas de um mar pacificado.

Para cantar o Gregoriano é preciso “deixar-se levar” pela interpenetração entre a melodia e os ritmos vitais da respiração e do coração, dando origem a certos “tempos” musicais. Quando nos movemos por esses “tempos”, de fato nos movemos por algo que é criação de Deus (respiração e coração). Movemo-nos, dessa forma, pelo “ritmo de Deus”.

Com o passar dos séculos, inevitavelmente surgiram alterações na concepção musical, na estruturação das melodias e na multiplicação das modalidades e tonalidades, o que levou a consequências pouco desejáveis para a música litúrgica, como é notado pelo Papa João XXII em sua Bula Docta Sanctorum Patrum (https://www.wikiwand.com/pt/Docta_Sanctorum_Patrum), publicada em 1322, e que é considerada o primeiro documento do Magistério da Igreja destinado a tratar especificamente de aspectos musicais: “Mas há alguns discípulos de uma nova escola que, atentando somente na medida do tempo, ocupam-se com notas novas, mais preferindo forjar as suas notas do que cantar as antigas. (…) Não sem razão o próprio Boécio disse que ‘a alma lasciva ou se deleita com as modulações mais lascivas, ou se enfraquece, quando, ouvindo-as frequentemente, se despedaça’.”. A música produzida por essa “nova escola”, surgida na cidade de Avignon, na França, e posteriormente conhecida como Ars Nova, empregava a composição de uma ou mais vozes polifônicas com valores e medidas sobre o cantochão alargado e também denominado tenor (ou cantus firmus).

Assim, uma música que se havia formado alicerçando-se em textos sagrados e na oração introspectiva, começou aos poucos a ser substituída por outra que vinha de fora dos meios eclesiásticos, e que, ainda de acordo com a Bula de João XXII, “desdenha dos fundamentos do antifonário e do gradual, (…) os próprios tons ofuscam-se reciprocamente (…); inebriam os ouvidos, mas não os curam; simulam com gestos aquilo que querem exprimir, com os quais, porém, a devoção a ser procurada é diminuída, a lascívia a ser evitada é propagada”.

Segundo Santa Catarina de Siena († 1380), “como os pés levam o corpo, assim os afetos levam a alma”. Dessa forma, é natural que, por influência dos afetos, ou emoções, nossa alma possa estar em estados diferentes: tranquila; agitada; ou completamente revoltada, a ponto de perder o controle sobre si e cair em atos pecaminosos. Como acontece com as águas do mar, a profundidade da alma costuma ser mais tranquila do que a superfície; é benéfico, portanto, buscar as profundezas da alma, e para isso poucas ferramentas são tão úteis quanto a introspecção e a oração. Aliás, no dizer de Santo Afonso de Ligório, “quem reza se salva, quem não reza se condena”.

            A arquitetura melódica do Canto Gregoriano expressa e provoca uma ressonância sobre a nossa fisiologia humana – respiração e batimentos cardíacos –, independentemente da variedade dos temperamentos dos ouvidos receptores. Assim, há que se buscar na música litúrgica a oração acima de estéticas particulares, ou de características humanas singulares. Para isso, podemos contar sempre com a excelência das tradicionais melodias do Papa Gregório Magno.