Quando fui convidado/instado por Paulo Henrique Araújo a integrar o time de articulistas dessa página, o que para minha humilde pessoa, é uma enorme honra estava bem ciente que a proposta dessa página não é a discussão da “política do dia”, como o gosta de nominar o titular da mesma.
Tanto o é, que a minha pauta para este artigo era um dos três temas a seguir: 1) Considerações sobre o ateísmo fanático de Richard Dawkins e Stephen Hawking; 2) O brasileiro está preparado para reeleger Jair Bolsonaro em 2022(?); 3) Por que comecei a escrever e falar sobre política!
Bem, os três, supracitados, temas são relevantes (pelos menos para mim e, no fundo, quando passamos dos 40, é isso que passa a contar), mas certos eventos ocorrem que a tal da “política do momento” nos traga a uma reflexão imediata. Da mesma forma que montei meu canal para falar de autores como Chiovenda, Beccaria, Calamandrei, Pontes [de Miranda], Araken de Assis e alguns outros.
Então, falemos da política do momento!
Voilà! Por esses dias vi aqui na Internet (essa mistura de jardim florido de Buckingham com esgoto a céu aberto em Lagos, com enclaves em ambos os lados) alguns YouTubers pelos quais tenho algum respeito dizendo algumas das vítimas do Inquérito 4781 teriam mentido sobre a agressão sofrida como meio de, por assim dizer, valorizarem seus passes.
Textualmente foi isso que vi ser dito. Conservadores dizendo que é mentira, cascata, que a Polícia Federal teria apontado armas contra esse jornalista e sua família.
(Ah, não, não falarei nomes, ok. Se tem algo que considero deplorável é a fofoca, ok. Então, procurem o vídeo, tirem suas conclusões, ou acreditem neste que vos fala. Nomes não sairiam deste teclado!)
Qual seria o argumento?! O ponto debatido é que a Polícia Federal obedece protocolos específicos que impedem um agente, por exemplo, de cumprir um mandado apontando armas para seus ocupantes, se estes não representarem perigo.
Protocolos…
Sério!?
Em 25 anos de Advocacia (e, para mim, Advocacia e Advogados sempre serão grafados com maiúsculas alegorizantes, ok) já prestei serviços para mais de 100 policiais, civis, militares e federais e poderia escrever uma enciclopédia de protocolos de cada uma das corporações.
Vou me dar ao trabalho da fazer uma breve explicação, partindo do pressuposto que a pessoa que disse essa estultice estava (assim como acredito) imbuída de boa-fé.
Leis, meus caros, nada mais são que protocolos. Existe um protocolo que diz que se você não paga uma dívida, sofrerá algo chamado “penhora on-line”; outro protocolo que diz que se você matar alguém será preso; outro que diz que se acusar alguém de crime responderá por calúnia. Simples assim. Tudo são protocolos.
E existe um protocolo, maior de todos, chamado Constituição da República. Este Protocolo (e assim o é nas nações democráticas) diz que você tem o Direito a expressar uma opinião, por mais abjeta que ela, eventualmente, possa ser.
Ora, amigos (e escrever para um público tão qualificado é uma honra e, em simultâneo, um enorme desafio) a partir do momento que o detentor do monopólio do uso da força (isto é, o Poder Judiciário) se permite o Direito de desobedecer o “protocolo maior”, por qual razão deveria ser obrigado a obedecer o “protocolo menor”.
Sério que esses formadores de opinião em questão acreditam que quem está disposto a romper com Direitos Fundamentais (alguns deles, como o Princípio da Legalidade, que é um dos marcos fundadores do mundo como o conhecemos hoje, que vige entre nós há 805 anos, com o advento da Magna Carta, na Inglaterra, em 1215) está preocupado com a violação de uma portaria da Polícia Federal?
Sério mesmo que alguém acredita nisso?
É muita inocência, ou burrice, ou desonestidade intelectual. Bem, para as duas primeiras hipóteses há soluções, respectivamente, porradas da vida e estudo; já para a última, infelizmente, recomendo orações, no máximo.
Pessoas foram presas de forma absolutamente ilegal, sem fundamento jurídico algum. Acreditar que, nesse contexto, o nosso Magnânimo e Peripatético STF (tomo esse cuidado para não motivar uma visita do UBER Black à casa do meu querido amigo Paulo Henrique Araújo) irá se preocupar com regras internas de segurança não é um argumento aceitável.
Vou exemplificar com um dos maiores escândalos da arbitragem do Futebol Mundial. Brasil e Espanha na Copa do Mundo de 1962. Houve gol de bicicleta de Férenc Púskas (talvez o jogador de Futebol que mais tenha se aproximado à genialidade, dentro das quatro linhas, de Pelé), penalty indevidamente marcado em favor do Brasil (sim, meus amigos, a Selação Canarinho também já ganhou um mundial com a participação ativa da arbitragem, os favoritos àquele torneio eram URSS e Espanha). Bem, acreditar que o árbitro daquela partida iria preocupar-se com eventuais 30 segundos de acréscimo seria, na melhor das hipóteses, falta de conhecimento das coisas como elas são.
Voltemos ao Inquérito do Fim do Mundo para finalizarmos esse texto: o Poder Judiciário, através do STF, tem sistematicamente violado o Ordenamento Jurídico posto.
Para aqueles que criticam o positivismo jurídico, pensemos num sistema de precedentes – que no Brasil não são respeitados – com a nossa atual Suprema Corte –. Pior, magistrados de instâncias inferiores estão a pegar gosto por criar leis com vistas a fomentar a Justiça Social (seja lá o que signifique a junção dessas palavras)!
Em suma, quando a fronteira da Legalidade Maior, o Protocolo Supremo, é violada, sinceramente, tudo, absolutamente tudo, passa a ser possível.
(Não descartemos, inclusive a possibilidade de, num futuro próximo, o STF, equiparando o combate às pandemias – sim, entramos na Era das Pandemias a Covid-19 é apenas a primeira delas, creiam-me – a uma guerra instituir a pena de morte, para os propagadores de Fake News, obviamente, ou outra barbaridade semelhante. Pensam que Paulo Antonio Papini é um maluco que está exagerando? Guardem esse artigo e me cobrem em cinco anos.)
PS – na próxima semana falarei, se não surgir pauta bomba alguma, sobre a autofagia da Direita; assunto que conversa, de forma direta, com esse texto.
– Paulo Antonio Papini – Advogado e Professor. Um conservador inconformado com o rumo das coisas.