Excerto do Boletim Parnaso, publicado em 20 de outubro de 2023. Clique aqui para ler o boletim na íntegra.
Como vocês descobriram, os poetas parnasianos, de grande veia positivista, se opunham ao romantismo e ao simbolismo, mas nem sempre essa regra era cumprida, — afinal, poesia não se faz apenas de técnicas, não é mesmo? — principalmente quando falamos de Olavo Bilac. A obra Tarde, na verdade, é uma obra, de modo geral, bastante existencialista. Eis o poema:
Ciclo
Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,
Promessa ardente, berço e liminar:
A árvore pulsa, no primeiro assomo
Da vida, inchando a seiva ao sol… Sonhar!
Dia. A flor — o noivado e o beijo, como
Em perfumes um tálamo e um altar:
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros… Amar!
Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição… Pensar!
Noite. Oh! Saudade!… A dolorosa rama
Da árvore aflita pelo chão derrama
As folhas, como lágrimas… Lembrar!
Claramente temos aqui um soneto, uma métrica impecável, solenidade no vocabulário, preciosismo linguístico entre outras características parnasianas. Mas o leitor atento logo percebe que o poema é rico em simbolismo, ainda que “direto”. O poeta fala da vida e suas fases, do nascimento à velhice.
Vou fazer uma rápida explanação, apenas para dar vias ao leitor, sem o impossível propósito de esgotar o poema. Percebam como Bilac se utiliza dos períodos de um dia para simbolizar o avanço da idade, logo nas primeiras palavras de cada estrofe: manhã, dia, tarde e noite. Vejam a descrição de cada período. A manhã pulsa, é ardente, delirante. É a primeira e segunda infância, cheia de curiosidade, tendo o mundo a ser explorado. O dia é o momento de juventude, período de paixão, risada, beijos, cantos. É a juventude em sua plenitude até “festiva”, digamos. A tarde é a maturidade, é quando colhemos os frutos, as glórias, quando o vigor já foi bem usado e agora “frutificamos”, temos filhos, posses, obras etc. Mas ainda é momento de produzir e correr. E eis que vem a noite, o instante do desgaste vital, da dor, a essa altura já perdemos alguns amigos, familiares, amores, glórias, força. As folhas caem, é a velhice.
Perceberam o simbolismo? É lindo, não concordam? Reparem que podemos também comparar às quatro estações do ano: primavera, verão, outono e inverno. Do mais vibrante ao mais frio e mórbido. E para fecharmos este tópico, peço para que observem as últimas palavras de cada estrofe, são verbos que representam cada fase ou estação da vida: Sonhar, Amar, Pensar e, por fim, Lembrar. E como num instante, como a leitura de um soneto, saímos do sonho, de “toda uma vida pela frente” e chegamos às memórias daquilo que já foi vivido.
Desejo sinceramente que tenham uma boa “noite”, companheiros de vida! E espero que toda essa profundidade não tenha deixado vocês para baixo, pois o show não pode parar. Sigamos!
Obrigada por este presente!