a) Introdução

No início de março desse ano, publiquei no portal Articulação Conservadora[1], grupo do qual faço parte, um texto exatamente com o título do presente artigo, que continha um ensaio que eu havia escrito, no qual eu homenageava o grande escritor norte-americano de nascimento, e cidadão britânico, T.S. Eliot.

O aludido texto era um pequeno poema que eu havia criado, e que era quase totalmente embasado nas poesias mais famosas de Eliot, recheado de imagens e citações que a elas (às poesias) faziam referência, perceptíveis imediatamente a quem as conhece.

Reconheço que foi uma ousada aventura literária (se é que pode se chamar assim), de minha parte, a visitar um estilo literário novo para mim – a poesia.

Agora, resolvi aqui, nesse espaço, ampliar o que escrevi àquela ocasião, mantendo, contudo, o título do artigo originário, pois não vejo necessidade de substituí-lo; principalmente considerando que esse ensaio não deixa de ser, sim, uma ode a Eliot, uma das referências do conservadorismo cultural.

b) T.S. Eliot, a cultura, e a construção de um “conservadorismo à brasileira”

É sabido por todos a importância da cultura para um povo e para uma sociedade. Na verdade, não é a política que muda uma sociedade; a política muda a realidade do dia-a-dia. O que muda uma sociedade é a cultura e a educação.

Apesar de entender desnecessário, é importante esclarecer que não estou usando o conceito reducionista de cultura como sendo televisão, cinema, e etc, mas sim como o conjunto de princípios e tradições de um povo, que já foram testados pelo tempo, e que por isso mesmo são integrados ao seu “modus vivendi”. Basicamente, cultura como o modo de vida de um povo específico, que vive junto em um lugar.

Da mesma forma a educação: nada tem a ver com o mero ensino passado pelas escolas, mas sim com a construção do arcabouço moral e a aquisição do conhecimento. O que interessa a mim, especialmente aqui nesse texto, é a referência à educação passada pela família, que é o canal primário de transmissão da cultura.

Isso é que o conservadorismo prega. Isso é o que um conservador defende. É um trabalho de longo prazo, e constante.

A política é consequência disso tudo. É um dos instrumentos a serem utilizados para possibilitar a mudança das coisas, e não um fim em si mesmo. É a política que orbita entre a sociedade e seus valores (entendidos como cultura e educação), e não o inverso, como infelizmente os brasileiros tendem a pensar.

Por isso que o setor cultural é primordial para o conservadorismo[2].

Como aqui se trata de um artigo a respeito de T.S. Eliot, não posso deixar de citar uma obra de sua autoria que cuida, especificamente, do assunto, chamada Notas Para a Definição de Cultura[3], na qual o autor trata com precisão incrível não só o conceito de cultura, como a sua relação com (i) as classes sociais, (ii) a região, (iii) a religião e (iv) a política, apresentando estudos para tentar solucionar o problema de desvincular a cultura da política e da educação.

Alguns pequenos apontamentos da obra, quase em forma de uma micro resenha, merecem ser feitos, para destaque e melhor compreensão da ideia que quero passar.

Veja-se primeiro o apontamento, onde Eliot tratou da família como canal primário de transmissão de cultura (expressão que utilizei acima, em um parágrafo anterior):

O canal primário de transmissão de cultura é a família: homem algum escapa inteiramente do tipo, ou ultrapassa completamente o nível da cultura que ele adquiriu em seu ambiente primordial. Isso não sugere de maneira alguma que este seja o único canal de transmissão: em uma sociedade de qualquer complexidade, ele é suplementado e continuado por outros meios de tradição. (…) O canal mais importante de transmissão da cultura, porém, continua sendo, de longe, a família: e quando a vida familiar fracassa em sua tarefa, devemos esperar que nossa cultura se deteriore. (obra citada, pp. 47/48

Já o segundo apontamento é aquele onde o autor trata do regionalismo da cultura, nos seguintes termos:

A unidade com que estou preocupado deve ser em grande medida inconsciente e, portanto, talvez possamos nos aproximar melhor dela ao considerarmos as diversidades úteis. E aqui trato da diversidade regional. É importante que um homem se sinta não um mero cidadão de uma nação particular, mas um cidadão de uma parte particular de seu país, com suas lealdades locais. Essas, como a lealdade a uma classe, surgem de uma lealdade à família. Certamente, um indivíduo pode desenvolver a mais calorosa devoção a um lugar em que ele não nasceu e a uma comunidade com a qual ele não tem vínculos ancestrais. Porém, creio que devemos concordar que não haveria nada de artificial, algo um, pouco consciente demais, tendo todas elas vindo de algum outro lugar. Creio que devemos dizer que é necessário esperar por uma ou duas gerações para que possa haver uma lealdade que os habitantes tenham herdado, e que não seja o resultado de uma escolha consciente. (obra citada, p. 56)

Não é necessário seguir trazendo à colação trechos da grandiosa obra de Eliot aqui destacada. Seria fastidioso assim proceder, se tal o fizesse nesse espaço tão generosamente a mim concedido. Mas basta se dizer que Eliot tratou até mesmo, nesse profundo livro citado, de governo mundial (pág. 68), de igualdade de oportunidades (advinda da educação) como um dogma (pág. 116), e da deterioração da cultura pelo abandando do estudo, na educação, das matérias que transmitiam o essencial da cultura tradicional do povo e sociedade, com a belíssima conclusão de que “estamos destruindo nossas construções milenares para preparar o solo sob o qual os nômades bárbaros do futuro acamparão suas caravanas mecanizadas” (pág. 122).

Apenas os dois trechos destacados por mim já bastam à comprovação do que eu venho dizendo tão incessantemente sobre a necessidade de resgatarmos os princípios e tradições do nosso país, tão esquecidos e vilipendiados nas últimas décadas, e da necessidade de atribuirmos à cultura a importância que ela merece, na nossa busca pela construção de um “conservadorismo à brasileira”.

c) A miscelânia poética de Eliot presente em um modesto poema amador

Eu, particularmente, em minha caminhada pessoal rumo à aquisição do conhecimento e ao amadurecimento intelectual, tenho tentado identificar os regionalismos que fazem a cultura brasileira ser tão rica como é.

Obviamente que jamais seremos ingleses, norte-americanos, ou indivíduos de outras nacionalidades. Ao copiarmos modelos de comportamento de povos estrangeiros, incorremos no sério risco de nos tornarmos uma caricatura e de perdemos a nossa própria identidade cultural.

Somos brasileiros, e como tal devemos, repito, ir em busca de nosso “conservadorismo à brasileira”, considerando que o povo brasileiro é de fato conservador por natureza. Mas não deixo, jamais, de me apoiar nas fontes dos conservadores clássicos para o desenvolvimento da minha atividade intelectual.

E, nesses termos, especialmente na literatura, tema pelo qual sou verdadeiramente apaixonado, tomo como referência os poemas do autor que aqui homenageio, T.S. Eliot. Sempre leio, regularmente, os mais famosos: Terra Desolada, Os Homens Ocos, e A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock; eles são, praticamente, de domínio público, e estão disponíveis até mesmo na internet, para quem quiser conferir.

Apenas para contextualizar o caro leitor que ainda não conheça os poemas de que falo: o primeiro (Terra Desolada) data de 1922, escrito no pós-Primeira Guerra, em um cenário de destruição. O segundo (Os Homens Ocos) data de 1925, e trata do vazio existencial. Já o terceiro e último, J. Prufrock, é anterior aos outros, e foi o primeiro poema de Eliot, escrito em 1916; ele retrata as idiossincrasias do homem moderno – ou seja, da época do modernismo do século passado –, que oscila entre vários sentimentos particulares, ante o mundo narrado nas sequências das estrofes.

Estou longe, muito longe mesmo de atingir alguma produção valiosa na poesia, com rima, métrica, e escolha das palavras adequadas e certeiras. Mas a minha paixão pelos poemas de Eliot, e sabendo ainda da sua importância para o campo cultural no conservadorismo, como deixei claro no decorrer desse texto, me motivou a tentar escrever algo embasado e inspirado no autor aqui homenageado.

Essa, e apenas essa, foi a razão pela qual resolvi me aventurar na construção do pequeno poema de qual falei na parte introdutória do presente artigo. E tal como fiz no portal do Articulação Conservadora no início de março, reproduzo-o abaixo, pedindo desde já escusas aos puristas que certamente poderão ficar chateados com a utilização, de minha parte, das referência aos poemas de Eliot na minha licença poética.

Confesso que me embasei sim nos conhecidos poemas Terra Desolada, Os Homens Ocos e A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock. Ei-lo a seguir:

 

*****

 

I – Calendário

 

O mês mais cruel é janeiro, escaldante.

No verão abaixo do Equador, no Hemisfério Sul, esperando.

A vida iniciar direito, no novo-ano do calendário, preparando.

As folhas para serem preenchidas.

 

O início rápido vem a galope, mostrando que em pouco é fevereiro, depois março, e depois o abril arrasado, que é o pior mês lá na Britannia.

De maio a dezembro segue cruel Cronos, tentando esvair-se o ano no fim, na sua existência disciplinada e pontual, mas eclipsada pela natureza efêmera e inconstante do irmão Káiros.

Nessa conjuntura é que o homem sabe que não pode ser oco; ele não pode ser um cheio de nada, ou um vazio de tudo. Ele deve ser capaz de se preencher de conteúdo expressivo, a fortalecê-lo nas dificuldades mundanas e a forjar seu caráter.

 

II – Caminhada

 

Assim é que se enxerga o homem, o simples homem, que sai agora a procurar seu rumo.

Nem tanto como Zaratustra, que deixou a caverna e desceu ao vilarejo; nem tanto como Agostinho, que ouviu a criança cantando “toma e lê”, no despertar esclarecido; e nem tanto como Quixote, que enxergou os monstros que o desafiavam à luta. Apenas como ele mesmo, o simples homem.

“Pois deixe estar! Nada há encoberto que não possa ser descoberto. Nenhum véu a turvar a visão há de permanecer por muito tempo, sem que seja retirado. Hei de encontrar-me em paz! Hei de estar finalmente com ela, para todo o sempre!”

Ele, o homem, que habita terras mortas e devastadas atingidas não pelos projéteis e mísseis dos soldados, mas pela tinta das canetas e das gotas da saliva partidas da decadência moral dos relativistas de plantão, donos daquele tempo

Ele, o homem, o simples homem, há de se encher de um conteúdo denso e profundo, há de aprender a caminhar de mãos dadas com ela

E há de aprender a olhar para frente, desviando dos buracos da estrada ladrilhada.

 

III – Carne

 

Juntos, ele e ela, por todo o percurso

Pelo caminho do sendeiro esfumaçado

Pela mata fria de vento esfuziante

Até chegarem na Rua Prufrock

E lá se refugiarem na cabana escondida

E se aquecerem no calor da lareira

E descansarem seus corpos no leito perfumado com cheiro de lavanda.

 

“Homem, não tenhas medo do teu punhado de pó! Nasceste para aprender a vencer a angústia e a dominar a dificuldade.”

 

IV – Fim

 

É verdade. Janeiro é o mês mais cruel. É a sensação do final que ficou para trás sem ter acabado, e a do início que chegou sem ter começado.

Chegará por certo o tempo em que na hora última, antes do último sopro vital, dirá ela, a respeito de ti; “de todos que conheci, foi esse que trouxe o amor à minha morada.”

 

[1] www.articulacaoconservadora.org.br

[2] A respeito, meu texto “A importância do setor cultural para o conservadorismo”, na obra Escritos Conservadores, Ed. Fontenele, SP, 2020, pp. 62/67.

[3] Notas Para a Definição de Cultura, São Paulo, É Realizações, 2011. O livro foi originalmente publicado em 1949, no pós-guerra.