Catolicismo” (n.º 14, fevereiro de 1952)
Há quase meio século, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira já colocava os termos da candente questão atual: a União Européia, ou se dará de modo autêntico, na senda de Carlos Magno, sob o influxo da Igreja Católica, ou será um estágio revolucionário e laico para a construção da República Universal.
Muito se tem falado a respeito da formação dos Estados Unidos da Europa. A implantação do euro como moeda única, em 1o de janeiro de 1999, para os 11 países que formam até agora a Comunidade Econômica Européia, é já um importante passo nesse sentido (1).
Muitos leitores se perguntarão o que pensar a respeito da União Européia, do ponto de vista da doutrina católica. A resposta deu-a amplamente, há quase 50 anos, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em comentários à alocução de Pio XII aos dirigentes do Movimento Universal por uma Confederação Mundial, de 6 de abril de 1951 (2), e mais especificamente no artigo A Federação Européia à luz da doutrina católica, publicado em “Catolicismo” (n.º 14, fevereiro de 1952). Devido à candência do tema, pareceu-nos oportuno rememorar o pensamento expresso nesses artigos.
Federação Européia: marco histórico deste século
No artigo de “Catolicismo” de agosto de 1951, afirmava ele: “Uma das datas mais importantes deste século é sem dúvida a da reunião de Paris, em que os representantes da França, da Itália, da Alemanha Ocidental, e das pequenas potências do grupo Benelux — Bélgica, Holanda, Luxemburgo — decidiram, em princípio, a constituição da Federação Européia, com a formação de uma só entidade de Direito Internacional Público, e, conseqüentemente, de um governo comum, a se acrescentar, com o caráter de superestrutura, aos vários governos nacionais.”
Um plano que parecia absolutamente inviável
E prossegue: “Antes da última guerra mundial, passaria por sonhador quem idealizasse tal plano para o século XXI, e por débil mental quem o imaginasse viável para nossos dias. A Europa ainda estava incandescente do ódio franco-alemão que ocasionara o conflito de 1914-1918, e haveria de desempenhar importante papel na deflagração de 1939-1945. Todas as nações européias, estuantes de vida cultural e econômica própria, marcadas ainda em sua alma pelos ressentimentos, pelas ambições, pelas rivalidades herdadas dos Tempos Modernos, pareciam insusceptíveis de serem englobadas em um todo político por mais vago e frouxo que fosse. Seria necessária a tragédia da segunda guerra mundial e o conseqüente desmantelamento da economia das nações européias, para que, extenuado o fôlego de sua vida cultural …. as doutrinas unitárias encontrassem terreno propício, e o plano de uma Federação Européia se tornasse viável.”
Desaparecimento de nações gloriosas
Depois de mostrar o alcance da formação dos Estados Unidos da Europa, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira continua:
“É o que, segundo o premier italiano [Alcide de Gasperi] soube claramente exprimir, e acaba de ser resolvido na Europa. Entre a França e a Alemanha, a Itália e a Holanda, etc., haverá daqui por diante, não os abismos que até agora existiam, mas apenas a linha demarcatória de interesse quase exclusivamente administrativo, que existe entre Ohio e Massachusets, Rio e São Paulo, ou Lucerna e Friburgo.
“Como se vê, trata-se de um acontecimento imenso. São nações que desaparecem depois de ter enchido o mundo e a História com a irradiação de sua glória… e um novo Estado Federal que aparece, cujo futuro não é fácil de prever.”
Unificação autêntica e unificação revolucionária
Perguntando se a Federação Européia seria uma novidade, o fundador da TFP responde que não, já que, sob o influxo da Igreja, o conjunto de fatores de unidade que se iam delineando na Europa no começo da Idade Média fora catalizado pelo Imperador Carlos Magno. Este, entre outros grandes feitos, soube pôr a ordem temporal em consonância com a Igreja e defender a Cristandade contra seus agressores.
Trata-se pois de saber em que consiste a verdadeira unificação e verificar os perigos que esta corre, se for bafejada pelo espírito da Revolução. É o que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira expõe em seguida:
“Que pensar da Federação Européia?
“Assim, em princípio, vê-se que a Igreja não se limita a permitir, mas favorece de todo coração as superestruturas internacionais, desde que se proponham um fim lícito. Em essência, pois, só merece aplausos a idéia de aproximar num todo político bem construído, os povos europeus ….
“Mas aprovar a idéia em princípio é uma coisa. Aprová-la incondicionalmente, quaisquer que sejam suas aplicações práticas, é outra. E até esta incondicionalidade não podemos chegar.
“Vivemos em uma época de estatalização brutal. Tudo se centraliza, se planifica, se artificializa, se tiraniza. Se a Federação européia entrar por este caminho, aberrará das normas muito sábias do discurso do Papa Pio XII aos dirigentes do movimento internacional em favor de uma Federação Mundial” (“Catolicismo”, no 8, agosto de 1951 — grifos nossos).
Protetora das independências nacionais e não hidra devoradora
Aprofundando o tema em seu artigo de fevereiro de 1952, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira adverte:
“Antes de tudo devemos fazer sentir que a Igreja é contrária ao desaparecimento de tantas nações para constituir um só todo. Cada nação pode e deve manter-se, dentro de uma estrutura supranacional, viva e definida, com seus limites, seu território, seu governo, sua língua, seus costumes, sua lei, sua índole própria …. A Alemanha é uma nação, a França outra, a Itália outra.
“Se alguém as quisesse fundir como quem joga num cadinho jóias de finíssimo valor, para as transformar num maciço lingote de ouro, inexpressivo, anguloso, vulgar, certamente não agiria segundo as vistas de Deus, que criou uma ordem natural, na qual a nação é uma realidade indestrutível.
“Assim, pois, se a Federação Européia tomar este caminho, será mais um mal, do que um bem. Deve ela ser a protetora das independências nacionais e não a hidra devoradora das nações. As autoridades federais devem existir para suprir a ação dos governos nacionais em certos assuntos de interesse supranacional; nunca para os eliminar. Sua atuação nunca poderá ter em vista a supressão das características nacionais de alma e cultura, mas antes, na medida do possível, seu robustecimento ….
“De outro lado, a estruturação econômica não deve chegar a um planejamento tal, que implique numa super-socialização. Se o socialismo é um mal, sua transposição para o plano super-estatal não poderá deixar de ser um mal ainda maior.”
Federação Européia leiga: precursora da República Universal?
E conclui suas considerações manifestando o temor de que a tão propalada unificação seja um grande passo rumo à República Universal:
“Por fim, permita-se-nos uma afirmação bem franca. Nenhuma sociedade, seja ela doméstica, profissional, recreativa, seja ela Estado, Federação de Estados, ou Império mundial, pode produzir frutos estáveis e duráveis se ignorar oficialmente o Homem Deus, a Redenção, o Evangelho, a Lei de Deus, a Santa Igreja, e o Papado. Ocasionalmente, podem alguns de seus frutos ser bons. Mas se forem bons não serão duráveis e, se forem maus, quanto mais duráveis tanto mais nocivos.
“Se a Federação Européia se colocasse à sombra da Igreja, fosse inspirada, animada, vivificada por Ela, o que não se poderia esperar? Mas, ignorando a Igreja como Corpo Místico de Cristo, o que esperar dela?
“Sim, o que esperar dela? Alguns frutos bons, que convém notar e proteger de todos os modos, sem dúvida. Mas como é fundado esperar também outros frutos! E se estes frutos forem amargos, quanto se pode temer que nos aproximemos assim da República Universal cuja realização a maçonaria há tantos séculos prepara?” (“Catolicismo”, no 14, fevereiro de 1952 — grifos nossos).
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Alguém que manifestou a Talleyrand o desejo de fundar uma religião, recebeu do célebre diplomata a seguinte resposta: “No que me diz respeito, só tenho uma observação a vos fazer: Jesus Cristo, para fundar sua Religião, foi crucificado e ressuscitou. Tentai fazer outro tanto”.
Parafraseando Talleyrand, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira poderia dizer aos planificadores de gabinete da atual unificação européia: “No que me diz respeito, só tenho uma observação a vos fazer: a unificação não é, de si, uma novidade. Carlos Magno foi seu primeiro realizador. Procurai ser outros Carlos Magno e fazei outro tanto”.