As recentes eleições na Venezuela, bem como a subsequente fraude eleitoral, são uma lança cravada no lado da esquerda latino-americana. Ainda mais quando alguns esquerdistas apoiaram essa fraude com seu silêncio ou seus bons ofícios. Nesse sentido, basta olhar para as atitudes, declarações ou ausências dos governos de esquerda do Brasil, Colômbia e México.

As recentes eleições na Venezuela não podem ser consideradas “democráticas”, por qualquer padrão, como aponta o Centro Carter, o único observador eleitoral externo autorizado pela autocracia venezuelana, que implantou um contingente de 17 especialistas e observadores em vários estados desse país. O Centro também contradisse o principal argumento do CNE chavista, de que sofreu um hack e que o impede de divulgar os registros eleitorais dos 30026 centros de votação: a esse respeito, Carter destacou que não há evidências de um “ataque cibernético” ao sistema eleitoral na Venezuela. E ainda mais: que tudo aponta para que a oposição vença as eleições por dois a um.

O silêncio da esquerda nesses três países e em muitos outros da América Latina é um enorme desafio para sua viabilidade futura e para a credibilidade de sua oferta política aos olhos do eleitorado de nossos países. Depois de seu silêncio e aquiescência cúmplice, eles serão capazes de continuar a atribuir a si mesmos alguma autoridade moral? Os eleitores não deveriam legitimamente desconfiar de uma esquerda que defende ladrões e torturadores, suspeitando precisamente que essa esquerda faria o mesmo com seus concidadãos se tivesse a menor chance?

Como apontei em meu artigo anterior, a discussão na Venezuela não deve mais ser sobre onde estão as atas ou quando serão apresentadas pelo governo chavista. Estes já foram apresentados quase inteiramente pela oposição e vários testemunhos endossaram sua autenticidade e a integridade de seus resultados. Quem quiser saber o resultado da eleição, basta recorrer às 25073 atas coletadas e carregadas no site https://resultadosconvzla.com pelo comando da oposição, e que correspondem a 83,5% do total de atas (não 100%, porque lembre-se que o governo chavista expulsou a oposição de muitos centros de votação), consultá-las e compará-las. Portanto, a discussão agora deve ser o que a comunidade internacional fará para repudiar Maduro e fazê-lo desocupar o poder.

Ideias como a repetição das eleições, o apagão do X ou também do WhatsApp, a intervenção indevida da Suprema Corte de Justiça chavista, ou a suposta mediação do Brasil, Colômbia e México, são meros subterfúgios da cleptocracia chavista para distrair e não se aprofundar no ponto central: focar na desocupação do poder.

Os venezuelanos fizeram parte de seu trabalho, colocando as mobilizações, os feridos, os mortos e os desaparecidos. Para ser justo, a comunidade internacional não pode exigir mais sacrifícios deles, porque já vimos no passado os extremos aos quais o crime chavista no poder pode levar. Especialmente quando alguns na esquerda latino-americana se gabam sem muito fundamento de que “desconfiaram, ignoraram os resultados e exigiram as atas na Venezuela”. Na realidade, o que eles fizeram foi esperar, procurando colocar a questão da ata em um limbo jurídico e não ousando dizer, covardemente, o que todos vemos: que o governo venezuelano perpetra um golpe de Estado diante dos olhos e da indiferença do mundo. A esquerda ibero-americana, quase sem exceção, tem sido cúmplice da ditadura venezuelana nisso.

A atitude e o discurso no exterior devem ser os do ex-presidente colombiano Iván Duque, que pediu à comunidade internacional que aumente e continue a perseguição judicial contra Nicolás Maduro, bem como que aplique sanções severas ao seu regime para restaurar a democracia.

Também se falou da oferta da líder da oposição María Corina Machado de oferecer anistia a Maduro, e até mesmo que o governo dos EUA estaria negociando com Maduro seu exílio e perdão de seus crimes. Alguns se manifestaram contra, do conforto de seus escritórios ou camas, falando sobre o fato de que um contingente de mercenários deve ser formado ou que outros países devem enviar seus exércitos para remover Maduro de Miraflores, o que só pode ser descrito como uma enorme ingenuidade, algo que nunca acontecerá.

Diante disso, a mensagem da autocracia venezuelana tem sido clara: uma ditadura de esquerda não será capaz de se destruir ou entregar o poder por meio de votos. Com seu silêncio aquiescente e covarde, a esquerda de toda a coloratura e de praticamente todos os países da região está nos alertando a mesma coisa.

Se no passado a esquerda latino-americana conseguiu apoiar ditaduras como o regime de Castro sem perder a viabilidade política, foi porque tinham pretextos poderosos e narrativas bem contadas, como o suposto bloqueio dos EUA ou as conquistas imaginárias da revolução cubana. Também puderam fechar os olhos a casos de corrupção gigantesca como os de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, Evo Morales na Bolívia ou o do sandinismo na Nicarágua, mas dificilmente será o caso nesta ocasião, devido à proeminência que o caso venezuelano adquiriu graças à luta opositora, mesmo fora de nossa região. E também, em parte, à excessiva repressão e perseguição do chavismo contra seus opositores e críticos, diante do destemor da esquerda ibero-americana, diante de eventos como estes:

A criação de campos de concentração e tortura após fraude, para prender e torturar oponentes.
O envio de seu aparato criminoso e militar às casas dos opositores para estigmatizá-los, intimidá-los, sequestrá-los e fazê-los desaparecer, como foi o caso de María Oropeza.
Ele estabeleceu uma rede de informantes responsáveis por divulgar e compartilhar dados sobre oponentes de fraudes criminosas.
A perseguição e prisão de testemunhas eleitorais apenas por relatar os resultados adversos ao chavismo.
Pelo menos 24 mortos e mais de 2 mil presos nas manifestações contra a fraude eleitoral. Este último número oficial seria o maior número de prisões no contexto de protestos registrado em um período tão curto de tempo na Venezuela.

Entre os presos, mais de 100 menores, acusando-os de terrorismo e sem possibilidade de defesa.
Ameaça de prisão para quem publicar conteúdo contra eles nas redes sociais.
Maduro só recebeu o reconhecimento dos governos de Cuba, Nicarágua, Bolívia, Honduras e Rússia, China, Sérvia, Irã e Madagascar. Nenhum deles uma democracia minimamente exemplar, autoritarismos bastante vergonhosos muitos deles.

É o que defendem a esquerda continental e os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador. Uma esquerda em falência moral e política, que tem que recorrer como garantia a um criminoso como Lula da Silva, como fez o presidente francês, ou àqueles apontados por vínculos políticos e cumplicidade com o narcotráfico, como Petro e López Obrador.

Por trás disso, a esquerda pode se gabar de construir o futuro e o novo Homem? Talvez seu cinismo vá longe, nós sabemos. Mas bem, bem, qualquer latino-americano dirá legitimamente: que futuro e que novidade tão, tão fodida.

Quanto pior for a Venezuela, mais e mais esquerdistas: Pablo Iglesias, Juan Carlos Monedero, Camila Vallejo, Dolores Córdova, Íñigo Errejón, Kicillofs, José Luis Rodríguez Zapatero, Alexandria Ocasio-Cortez e Joseph Stiglitzs em todo o mundo, tentarão argumentar que a Venezuela não construiu o socialismo real. Eles dirão que Maduro era simplesmente um ditador de ultradireita e que o chavismo não era o verdadeiro socialismo.

Mas já conhecemos a música. É por isso que devemos lembrá-los repetidamente de como eles foram os fiadores e promotores arrebatados do socialismo do século 21.

De Victor H. Becerra para o PanAm Post.