Aos quatro cantos do globo terrestre defende-se, nas diferentes cosmovisões de mundo, a tão sagrada liberdade. Fala-se de liberdade de expressão, de consciência, de religião, política, moral, etc., etc. Até mesmo os grandes conglomerados industriais pós-modernos, em suas políticas, enfatizam a importância da liberdade de ação em suas companhias. Dizem, com ares românticos, que seus “colaboradores” possuem liberdade para trabalhar, para criar e para participar de seus lucros e ganhos conquanto tenham criatividade e proatividade para se alcançar os objetivos gerais.

Tudo nos parece muito mais fácil! A tecnologia atual nos permite alcançar grande capacidade de comunicação, seja ela real ou artificial. Portanto, a defesa da liberdade em seus diferentes aspectos alcança, assim, uma abrangência universal. Nós podemos ser o que queremos ser, segundo propagam os profetas da modernidade, através dos meios propagandísticos e midiáticos. Vendem facilidades materiais em seus grandes varejos, nossos aparelhos celulares parecem que nos ouvem o tempo todo. Ora, quem nunca falou numa conversa entre amigos que estava interessado num determinado produto e, magicamente, este artefato apareceu como “mágica” nas propagandas de suas redes sociais? É um mundo inteiramente interconectado. Tudo parece fazer sentido. Nós imaginamos, especulamos, verbalizamos e PIMBA: o objeto aparece defronte aos nossos olhos como um passe de mágica!

No âmbito do Direito Internacional, as liberdades individuais são louvadas como sacrossantas. A ONU, em suas inúmeras resoluções – assim como suas agências especializadas e descentralizadas – defende que cada ser humano é livre para professar suas opiniões sobre quaisquer assuntos sem que seja coercitivamente impedido. Os grandes burocratas detêm o suprassumo da bondade humana. Eles prometem garantir todos os direitos humanos conquanto sigamos com nossos deveres morais rotineiros sem prejudicar outrem. Prometem um mundo de prosperidade e paz. Chega de guerras e conflitos! O mundo globalizado é a garantia de que os seres humanos, nos séculos que se seguem, vivam e desfrutem o melhor da vida histórica dentro da lógica maravilhosa das AGENDAS 2030 e 2045. A garantia de direitos aliada à facilidade da nanotecnologia futurística. Algo extremamente sofisticado e deslumbrante aos olhos de qualquer um que aproveite e siga, sem restrições, à cultura de massas que o influencia do momento em que abre os olhos para começar o seu dia e feche-os para dormir.

Os dogmas religiosos não podem ser mais aceitos neste mundo, pois são supersticiosos e restritivos demais. Impedem que os seres humanos desenvolvam completamente sua razão, deixando-os presos em crenças ultrapassadas e retrógradas. É preciso se libertar! É preciso aproveitar com afinco todos os “momentos” da vida. É preciso celebrar e preservar a Mãe Gaia. Também é preciso que as pessoas, para que tenham algum sentido, agarrem-se em alguma espiritualidade. Mas qual espiritualidade? Naturalmente que a humanista. O ser humano é o princípio e fim de todas as coisas, é causa-sui. Neste sentido, é necessário que esse ser, num mundo globalizado, próspero e liberto, vença todas as suas fraquezas. É preciso que dure mais do que o suficiente na contingência. Aliás, é preciso vencê-la! A contingência natural é a maior fraqueza que temos, portanto. A morte, a fraqueza humana por excelência, deve ser vencida a qualquer custo!

Como, como podemos aceitar que um dia iremos morrer? Num mundo tão perfeito materialmente, otimista, cheio de coisas excelentíssimas, as fraquezas humanas, crenças dogmáticas e, com efeito, a morte, devem ser extirpadas para que renasça, por fim, um Jardim do Éden sem Pecado Original.

Os grandes profetas desse mundo fizeram de tudo. Confrontaram a supersticiosa escolástica do medievo. Combateram culturalmente e belicamente o Antigo Regime. Destruíram os tronos dinásticos para implantar suas Repúblicas humanistas e seculares. Apresentaram as delícias espirituais sincréticas em contraste com o dogmatismo católico. Implantaram o igualitarismo político em todo o século XX em seus diferentes matizes. Pintaram e bordaram durante todo esse tempo. E, agora, o grand finale, a cereja do bolo: a superação de todos os erros e aporias humanas através do Homo Machina.

Em nosso dia-a-dia, principalmente para quem trabalha em grandes empresas multinacionais, esses belíssimos ideais são espalhados em suas formas de gestão e produção. É o dito capitalismo consciente, humanizado, integrado em agendas ditas “progressistas”. Fazem-nos acreditar que somos partícipes não mais do Ser, mas que somos o Próprio Ser Subsistente. Enquanto estamos interligados às políticas superiores de sua gestão é quando não estamos alienados a superestruturas impostas. O matrimônio, a família, a moral objetiva, etc., são impeditivos para que alcancemos a massa otimista e objetivos econômicos e racionalistas.

O autor do livro “Paradoxo Global: Quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores: nações, empresas e indivíduos”, John Naisbitt (1929-2021), descreve em abundantes páginas, o plano geral das gestões integradas das grandes empresas. Diz Naisbitt que o grande plano, dos grandes aos médios empresários que adotam gestões internacionais, é a destruição dos hábitos intermediários e locais para que surja, portanto, uma gestão integrada global. Em outros termos, a revolução constante contra a política local e, posteriormente, da política ultrapassada em si, para que grandes administradores façam um novo mundo. Claro que se trata do mundo perfeitíssimo que citei anteriormente. Para tanto, é preciso que cada pessoa se integre de corpo e alma neste intento. As empresas devem ter métodos para que seus colaboradores imaginem, pensem, falem, se relacionem, vivam, em cada momento de suas vidas, a gestão integrada. Que intuitivamente suas ações se transformem cada dia mais na vontade geral dos grandes grupos, sem que sequer percebam. Os interesses dos metacapitalistas, caso queiram obter sucesso, não podem ser apenas no lucro pelo lucro, mas de responsabilidade social. É necessário fazer com que cada cidadão comum, através das grandes tecnologias, tenha acesso ao plano geral e coadunem com ele em cada mínimo aspecto de sua existência.

Diz o referido autor nas págs. 170 e 171 do livro supracitado:

“Cada vez mais, os indivíduos e as organizações estão expressando a sua preocupação e tomando medidas contra comportamentos que comprometam a integridade de nossos concidadãos globais e o meio ambiente que nos sustenta. Além disso, está surgindo um novo protagonista empresarial que acredita que a responsabilidade da empresa não se limita em alcançar o retorno do investimento esperado pelos acionistas, que existem muitos interessados em qualquer dada empresa e que o sucesso depende de se honrarem as obrigações éticas e morais de uma organização para com todos os interessados.

Esse código de conduta em evolução também está sendo abraçado pelos políticos, na medida em que a política global se torna cada vez mais impelida pela economia, em vez da soberania.” (1)

O saudoso prof. Olavo de Carvalho dizia que na medida em que a economia tornava-se o único fator hierárquico das sociedades, a religião, os valores, a moral objetiva, etc., eram diluídos nela e por ela. Ou seja, a economia global é o único fator racional do novo mundo (que, convenhamos, não é tão novo assim). (2)

Aí, meu caro leitor, pergunto-lhe: quantas e quantas vezes você não se viu nesta situação? Quantas e quantas vezes não se entregou de corpo e alma – e ainda o faz nos dias atuais – na administração integrada e globalizada enquanto denuncia, com natural sinceridade, a degradação da sociedade pós-moderna?

Pois é, os métodos de manipulação cognitiva alcançaram níveis inimagináveis e, escapar de tudo isso, parece-nos uma tarefa impossível. Ou, nos olhos dos militantes inconscientes de todo este processo, uma manifestação de alienação e loucura. Como podemos denunciar tamanhas maravilhas se elas nos garantem que vivamos em plena comunhão e liberdades humanas?

O Dr. Ives Gandra da Silva Martins em seu livro “A Era das Contradições”, mostra que o novo mundo liberalizante se dá por paradoxos praticamente infernais. Quanto mais se promete liberdade, mais implantam controles sutis e imperceptíveis ao raciocínio humano.

Reparem que toda essa liberdade, toda facilidade tecnológica, toda integração humana, se consuma cada vez mais em controle sutil. As pessoas, como dito, imaginam, pensam, falam e vivem sob um controle mundial e sequer percebem. Tudo o que pensam e falam é captado pelos aparelhos tecnológicos. Suas vontades e desejos mais pessoais são expostos ao mundo sem sua autorização. Suas opiniões são censuradas ou aprovadas por mecanismos impessoais sem à mínima possibilidade de juízo ou defesa.

Em contrapartida, fazem-nos acreditar que nossa indignação perante ao controle global são meras teorias da conspiração e que não somos dignos das maravilhas futuras.

Não à toa insisto tanto com meus leitores e espectadores que busquem, cada dia mais, na medida do possível, as influências culturais que controlam suas ações práticas. Não somente como ideias ou especulações, mas nas atitudes perante si mesmos e o próximo. É aquele tal ditado popular: quem procura, acha! Ao fazermos essa anamnese, sem sombra de dúvidas, acharemos mais e mais elementos que nos fazem corroborar com a revolução transumanista. Não apenas nas categorias simplistas da concordância ou da discordância, mas na infiltração profundíssima da revolução em todas as potências da nossa alma. Isto é, tanto faz se você concorda ou não concorda com o que está acontecendo, mas o que realmente importa é o quão imerso estás, em sua vida real, nas categorias propostas pelos revolucionários e suas potestades.

Estamos vivenciando, defronte aos nossos olhos, a maior revolução existente, pois ela se camufla em vantagens materiais e numa espiritualidade sincrética sensualista e persuasiva. E faz com que sejamos como cães de Pavlov, que amemos nossos algozes na medida em que eles prometem direitos e liberdades enquanto fecham o cerco do grande controle, que é cognitivo e psíquico.

Para finalizar, o controle contemporâneo é o controle da alma que a leva à perdição. Mas, para quem não percebe mais a sua imortalidade, o novo mundo e as grandes promessas de superação parecem, de fato, o remendo da grande tragédia do Jardim do Éden. Não é preciso mais a ação da Graça Santificante para que alcancemos nosso devido fim, pois a Gestão Integrada e a Ética Transumanista (material e espiritual) já supre todas as nossas necessidades.

Quem vive nesta grande ilusão não precisa mais se preocupar em defender valores, pois, mesmo que os verbalize e acredite estar defendendo aquilo que é imutável, essencial e bom em si mesmo, já se perdeu e sequer se deu conta de quando isto começou.

  1. John Naisbitt – Paradoxo Global
  2.  Ver meu artigo: O Caráter Ocultista da Modernidade Política