Escrever um livro é uma experiência única. Porém, está longe de ser uma experiência prazerosa. Pelo contrário, minha esposa até brincou, dizendo que nunca mais deixaria eu escrever um livro, porque, enquanto o escrevia, tornei-me uma pessoa ranzinza e impaciente. O pior é que eu tive de concordar com ela, pois, durante aquele período, tudo era percebido por mim como fonte de dispersão e um obstáculo ao trabalho e isso me incomodava. Fiquei chato mesmo – confesso.
O maior problema em escrever um livro é manter a coerência e harmonia das ideias. Porém, diferente de um simples artigo, que em alguns parágrafos tudo se resolve, no livro estamos falando de centenas de páginas. Naquele, faz-se a revisão rapidamente e sem grandes dificuldades; neste ela se torna um verdadeiro martírio.
Pense comigo: aquilo que está sendo escrito na página cinquenta precisa ser uma continuidade das cinquenta páginas anteriores e uma preparação para as duzentas seguintes. Para se manter coerente é preciso concentração ininterrupta e a manutenção das ideias bem vívidas na cabeça. É necessário manter-se fixado no texto durante horas. O problema é que o mundo não para enquanto você escreve um livro. Então, o tempo todo surgem dispersores que pedem atenção enquanto você só quer não perder a linha de raciocínio. A sensação é de que, se essas interrupções continuarem, o trabalho não vai acabar nunca, pois cada parada exige um esforço de retomada. Talvez agora vocês entendam o motivo do meu mau humor.
Outro problema é o da revisão. Eu li meu livro inteiro, pelo menos, umas quinze vezes. Sim! Quinze vezes! Fora as revisões a cada grupo de parágrafos escritos. Isso porque, imaginem vocês, quando eu escrevo um artigo de cerca de doze parágrafos, reviso-o umas cinco vezes. Na sexta revisão, ainda encontro erros. Parece incrível, mas é assim que acontece. Agora, imaginem duzentas páginas de texto! Quantos erros não são encontrados! Por isso, dizem que o escritor não termina o livro, desiste dele. Esta foi exatamente a minha sensação, a de que estava desistindo de revisar minha redação. Chega uma hora que a gente diz: “Que vá para a editora e seja o que Deus quiser!”.
Eu ainda tenho o agravante da revisão estilística. Como professor de escrita, acabo tendo algumas ideias de estilos diferentes na minha cabeça, as quais tento impor em meu texto. O problema é que isso não acontece de maneira tão espontânea. É preciso uma intenção e, muitas vezes, uma revisão que pede que o texto seja modificado. Obviamente, esse foi um elemento a mais para dar-me mais trabalho no desenvolvimento da obra.
Não se enganem, porém! Falando dessa maneira, parece mesmo que minha esposa tinha razão, e o melhor fosse não pensar em jamais escrever qualquer outro livro. Mas eu sou um escritor e o sofrimento, neste caso, faz parte do prazer. Na verdade, não consigo não fazer um paralelo com uma gravidez. E da mesma forma como já ouvi de diversas mulheres, a dor e a satisfação, nesse caso, andam sempre juntas. Há a gestação, quando existe a alegria de se estar preparando algo de especial e, ao mesmo tempo, os enjôos e o peso a se carregar. Há o parto e suas dores e a alegria incomensurável de trazer à luz um novo ser. Depois, resta apenas a satisfação imensa de ter concluído sua missão.
Se me perguntarem, hoje, após essa experiência, se eu escreveria outro livro, digo, sem titubear, que começaria agora, com toda a alegria do mundo. Não que eu seja masoquista, mas sei que nada de valioso pode existir sem algum sofrimento. Se bem que este é daqueles tipos de sofrimentos que, enquanto dói, sorrimos.