Em 29 de outubro de 2020, Mons. Carlo Maria Viganò, no seu célebre discurso sobre a crise da Igreja e a Nova Ordem Mundial, chamou a atenção para uma constatação importantíssima e que revela o âmago da crise na Igreja: o conformismo da hierarquia eclesiástica com a mentalidade do mundo e o escandaloso encantamento com o estado laico.

O prelado cita uma passagem do evangelho que ilustra este fato perfeitamente ao se referir ao julgamento do Senhor diante de Pilatos que pergunta aos judeus: …hei de crucificar o vosso rei? Ao que as autoridades judaicas se esbaldam nos gritos: responderunt pontífices: habemus regem, nisi Caesarem! Responderam os pontífices: não temos outro rei a não ser Cesar (Jo 19,15)! Ou seja, não queriam o reinado de Cristo, porque convenientemente seu soberano absoluto era o estado e o império romano, não o reino de Deus.

A crise da Igreja hoje faz saltar aos olhos o fato evidente de que na hierarquia atualmente existe esse inerte conformismo com o
mundo em detrimento da fé, de modo que, na prática, se prefere o estado laico do que o reinado de Cristo, em nome de desnecessárias necessidades humanas.

Sabemos que o estado laico é filho de um mundo pagão e sem Deus, no qual, os homens são os artífices e criadores de tudo, sem sentido pleno da realidade, legislando e governando o mundo segundo seus critérios delimitados ao momento histórico e à conveniência dos mandatários, segundo aos interesses dos vícios, das más tendências e dos caprichos dos homens, no relativismo da perspectiva puramente humana, sem a direção e os critérios da verdade absoluta e da lei divina.

Em meio a esse neo-paganismo atual se insere a Igreja na situação lamentável em que se encontra hoje. Uma hierarquia que procura agradar o mundo e na tentativa de adaptar a doutrina às premissas e à agenda de um progressismo e modernismo que destruidores das famílias, da sociedade, das instituições e da convivência em todos os níveis. E Deus, em tudo isso, simplesmente não tem espaço na vida dos homens porque a preocupação primordial são os caprichos humanos com suas retóricas e sentimentalismos estéreis.

O Catecismo Maior de São Pio X ensina que Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei do Universo porque assumiu a natureza humana e, esta, unida à sua divindade soberanamente eterna manifesta o seu reinado sobre todas as coisas criadas e todo o universo.

Em conseqüência da realeza universal de Cristo como realidade própria da encarnação ou união das naturezas divina e humana, o Papa São Pio X acrescenta, em seu catecismo, que esta soberania não se limita às questões religiosas, mas, diz respeito a toda existência criada e à realidade humana, em todas as suas dimensões e aspectos, de modo que a realeza de Cristo é também social permeando as leis, a política, a ciência, a cultura, a música a arte e toda a realidade da vida e da convivência humana. Exemplo histórico disso é a cristandade, que teve seu cume na Idade Média, em que Cristo era a luz que iluminava o mundo através do farol e porto seguro da Santa Igreja. Era a idade da verdadeira luz em que a doutrina e a moral católica conduzia a humanidade para sua vocação sobrenatural e destino de beatitude eterna na cultura e na concretude da vida cotidiana da família e da sociedade, em que a virtude e a beleza remetia diretamente ao divino e ao espiritual, de modo a impregnar maravilhosamente a vida social.

O Catecismo Romano, ao expor a doutrina sobre o primeiro mandamento da lei de Deus, ressalta os direitos de Deus sobre a criação e os homens. Deus tem direitos sobre nós, e nós não temos direitos diante de Deus, pois, tudo o que recebemos nos veio Dele, Ele, que nos criou sem nós e sem precisar de nós e sem nenhum mérito nosso, por pura gratuidade de seu amor, de maneira que nada podemos reclamar a Deus como direito. Se Deus tem direitos sobre nós, isso nos lembra que temos deveres irrenunciáveis para com Ele. Esses deveres para com Deus estão em primeiro lugar e acima de todos deveres para com as realidades criadas. Dessa maneira compreendemos que as coisas temporais são de alçada terrestre, mas, não pode se sobrepor e nem sequer suplantar as realidades celestes. Assim, o poder temporal tem como dever capital submeter tudo ao poder espiritual em vista da virtude da religião que nos recorda a liberdade e a obrigação do homem que em todas as dimensões e na vida social deve cumprir os seus deveres para com Deus. Aqui compreendemos a grande crise pela qual passa a Igreja hoje em que prelados não se movem para reivindicar os direitos de Deus, mas, se mobilizam para reclamar “direitos” de grupos minoritários ideológicos anti-católicos, se respaldando nos clichês e nas idéias diabólicas construídas pelo sentimentalismo e na pretensão humana.

Mas o ponto capital é o estado laico, fruto direto da revolução francesa, defendido, promovido e sempre presente nos lábios de inúmeros prelados. E, quando argüidos pelos católicos em relação ao poder espiritual sobre o temporal, se defendem com aquela frase cínica e suspeitamente obvia: “…mas o estado é laico”! Ou seja, Cristo é Rei na igreja, na capela do Santissimo, no presbitério e na sacristia… mas fora das dimensões físicas e visíveis da Igreja quem reina é o estado laico e Deus “deve” renunciar a seus direitos pelos dos homens, acentuando com voz amena sussurrante, entre outros slogans, o doloso e afetado jargão é “divino ser humano”. Isso nos remete ao evangelho de João 19,15: não temos outro rei a não ser Cesar! Jargão bradado pelas autoridades judaicas ao condenarem Nosso Senhor à morte porque não queriam que o Rei dos Judeus reinasse sobre eles e, hoje, as autoridades não querem que o Rei do universo reine sobre eles porque o estado é laico e, assim, a sociedade, as leis, os costumes e a cultura das nações não devem ser submetidas a Deus, em nome da preservação das religiões, da cultura local e da etnias, para o reino da fraternidade humana e universal.

Que as torres das nossas catedrais e igrejas apontando para o alto como o dedo profético e apostólico da Igreja, lembrando aos homens a soberania divina sobre as coisas criadas, advirta nossos prelados de que não há outro Deus além do Senhor nosso Deus (Is 45,5) e, portanto, não temos outro rei a não ser Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo, do qual seus direitos sobre os homens, quer queiram quer não, serão pedidos em conta no julgamento final, quando, no fim dos tempos, o Senhor virá como juiz. E, portanto, enquanto é tempo se posicionem abertamente ao lado da tradição católica pelo reinado social de Nosso Senhor, pela liberdade e exaltação da Santa Igreja e escancaradamente contra o estado laico. Que abandonem a caridade fingida nos discursos em nome dos pobres, desvalidos e doentes para difundir idéias modernistas e avançar agendas revolucionárias. Que se arrependam e se coloquem livremente juntos às ovelhas ao lado de Cristo, à sua direita, para que naquele tremendo dia, não sejam separados à esquerda com os cabritos (Mt 25, 31-46), relegados ao fogo da Geena, ao fogo que não se apaga.

Pe. Fábio Fernandes
Pároco Paróquia de Nossa Senhora das Angústias