O dia parecia estar para peixe, e o José Bom Sossego, malaco velho na vida, aproveitou. Juntou toda a tralha necessária, traçou o mesmo plano de sempre, pegou o Fiat caindo aos pedaços e foi à pequena barragem, confiante.

Cortou a garrafa plástica com o canivete, um terço pra cima, e meteu o gargalo para baixo, por dentro da garrafa já cortada. Velha armadilha para pegar peixinhos, iscas vivas perfeitas. Jogou a farinha de mandioca pelo gargalo invertido, atou com uma linha de nylon, afundou a artimanha e foi fumar, esperando o que considerava certo. Observava a fumaça do cigarro perdido em pensamentos do tipo: “peixe é besta demais”; “essa armadilhinha é infalível”. Tentou lembrar onde tinha aprendido fazer tal estratagema, quase se convencendo de que ele mesmo tinha-o inventado.

Foi-se o tempo de três cigarros bem fumados, muita gabação sobre o plano perfeito que armara e discussão interna sobre como prepararia aquele bucólico manjar. Foi revirar a armadilha e nada, nenhuma piabinha sequer. Tentou o mesmo plano até o sol ficar a pino e deu na mesma. Já não havia mais Derby que o acalmasse, perdeu a paciência e jogou a tralha de volta no Fiat. Passou o caminho matutando, buscando justificativas para o fracasso: era a água que esquentou muito, a farinha que era grossa, a garrafa muito velha, e tudo o que não fosse de culpa direta, como: o lugar foi mal escolhido, a cilada foi mal feita, o horário não era bom, o dia não era de sorte, essas coisas. O desleixado do José Bom Sossego não conseguia se culpar e nem aceitar uma falta de sorte, dizia-se ter nascido com o fundilho virado para a lua.

Como o plano era perfeito e não podia ter dado errado por culpa sua, direta ou indiretamente, a conclusão que o desgraçado tirou foi a seguinte: os peixinhos não compreenderam o plano, e não fizeram a sua parte. Malditos, que ariscos que nada, são ignorantes mesmo.

Fishing in Spring, the Pont de Clichy (1887) by Vincent van Gogh